Nos Casais, o caminhante foi recebido com sinos

Mais um dia, mais uma história

T3 : E9 – Tomar/ Calvinos

Afinal, a malta foi-se encontrando. Ao jantar éramos dez. Aos conhecidos, os dois americanos (o do vinho verde), a canadiana e a alemã (vegetariana), juntou-se o italiano, um francês que só falava francês e pouco mais, uma canadiana novita, uma americana que veio viver para Portugal e uma exuberante alemã, já mais velha – e eu, claro.

Como é óbvio, o jantar foi uma cacofonia de conversas cruzadas, em várias línguas e com diversos sotaques. Estive a explicar ao americano que existe vinho verde tinto, o que lhe deu um nó na cabeça.

A vegetariana pediu espargos e cogumelos, não sabendo que aquilo vinha com migas, o que gerou pânico até o empregado lhe explicar que os espargos estavam debaixo das ditas. Gostou mas deve ter ficado com fome pois enquanto não comeu todo o pão da mesa não descansou. A americana residente veio para cá pela nossa forma de viver, está a gostar e disse que vai ficar em Portugal até morrer. O francês andava danadinho para desatar a cantar e alemã exuberante garantiu que o melhor do Caminho é o convívio. E também a convenci a fazer a Via Algarviana e a Rota Vicentina, que os amigos alemães já lhe tinham falado. Mas não deixa de ser marcante o facto de toda esta gente estar aqui reunida devido à forte mística dos Caminhos de Santiago.

Cheguei agora ao alojamento e ia atropelando uma moça que estava sentada no chão a tirar as botas para se ir deitar, e o argentino, o meu vizinho do beliche de cima ressona desalmadamente.

Esta parte foi escrita ontem, já deitado e com o telemóvel debaixo dos lençóis para não perturbar ninguém.

Hoje, é domingo, dia de descanso… para mim, porque a partir das cinco da manhã já há malta a levantar-se e às sete, no dormitório de nove peregrino(a)s, só estava eu e o argentino que, segundo percebi, vai passar o dia em Tomar.

Como hoje, o percurso é curto ainda dei uma voltinha pela cidade e, mais uma vez e de acordo com a tradição, a saída não foi fácil. Já ia lançado quando um senhor, daqueles que usa fato domingueiro com gravata e colete, me interpela em voz bem alta, numa mistura de inglês/espanhol e outras línguas a dizer que o Caminho não era por ali e, quando percebeu que eu era português, aproveitou para me informar que o vizinho da sapataria também ia fazer o Caminho, de bicicleta.

Não dei parte de fraco, mas o homem tinha razão – falhei um poste porque ia de olho numa pastelaria próxima onde me queria reabastecer. A primeira parte do percurso é ao lado do rio Nabão, primeiro em alcatrão e depois num trilho pelo meio da natureza que foi dos mais bonitos e agradáveis desta temporada.

Já quase no fim, ao passar pelos Casais, fui recebido por um alegre repenicar de sinos. Sei que não era para mim, mas fiquei sensibilizado.

Agora vou ficar no Albergue de Calvino. Um cinco estrelas com camaratas para dez peregrinos, ótima casa de banho e cozinha, tudo muito limpo, moderno e funcional. A Câmara Municipal de Tomar e a Junta de Freguesia de Casais/Alviobeira estão de parabéns, ao reabilitar uma antiga escola e a dar-lhe esta nova função. Um exemplo a seguir!

É uma vergonha, mas hoje só andei 13 kms, não deu para aquecer. Vou tomar banho, mas amanhã levo a mesma roupa, vou (apenas) ligeiramente mais porquinho…

 

 

Leia os outros episódios da Temporada 3 da saga d’O Caminhante:

Episódio 1 – Junto à Sé de Lisboa, começa a Temporada 3 da saga do Caminhante
Episódio 2 – Hoje não temos couratos
Episódio 3 – Desventuras de um algarvio nas voltas da grande idade
Episódio 4 – Entre estradão e alcatrão, até ao pescador do peixe-gato com 10 quilos
Episódio 5 – O milagre da fonte à beira do caminho
Episódio 6 – Uma cabeçada no beliche, um cão muito mau e um final com pés de molho
Episódio 7 – O Caminhante na terra de Saramago
Episódio 8 – De Vila Nova da Barquinha a Tomar, há Vhils e “Caça Brava”

 



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