O milagre da fonte à beira do caminho

Foi um bom esticão até Santarém, com o calor a apertar

T3:E5 – Valada>>Santarém

A crónica de hoje começa por ontem. É que ontem, depois do relato, aconteceram mais coisas. A canadiana e a alemã tinham visto um sítio para jantar e lá fomos os três. O local era a churrasqueira do Zé Maioral e, quando chegámos, estava um casal de peregrinos alemães a usar um tradutor para saber o que havia para comer. A senhora da churrasqueira só falava português, mas, com a ajuda de alguns clientes, a coisa compôs-se.

Fomos para a esplanada e entretanto chegaram mais dois peregrinos conhecidos delas, um canadiano e um alemão, que estavam alojados noutro albergue. Assim, a mesa ficou composta por um alemão e uma alemã, moços novos, um canadiano, uma canadiana e eu, os velhos.

Quando a dona da churrasqueira veio ver o que queríamos, assim que viu que eu era português passou o papel e a lapiseira para as minhas mãos, para que eu pudesse anotar o pedido.

Quem queria sopa? Eles todos queriam, mas queriam saber do que era. À minha responsabilidade, garanti que as sopas portuguesas eram todas boas. A seguir, o canadiano queria peixe e a alemã nova era vegetariana. A dona lá trouxe um carapau e uma sardinha frita, bem como vários pastéis (bacalhau, leitão, camarão, e chamuças). Resumindo: sardinhas fritas para um, pastéis de bacalhau para o resto, salada e vinho tinto para todos.

Só lhes digo que deliraram com tudo. Adoraram a sopa, voaram os pastéis, fizeram sopas no resto da salada e o jarro de vinho foi-se.

 

 

A simpática dona viu como a malta estava satisfeita e fez questão de trazer um pratinho de camarões muito pequenos do rio e que se comiam inteiros, menos as barbas.

Com os estrangeiros a garantir que estavam cheios e não conseguiam comer mais nada, veio a conta. Quando viram o total, acharam tão barato que me obrigaram a ver se não faltava nada. Não faltava, mas a conta foi devidamente fotografada.

Não consigo relatar as animadas conversas que tivemos durante o jantar, porque, além de uns toques em francês do Canadá, mais o alemão, mais o espanhol, mais o meu desgraçado inglês e toda a gente a falar ao mesmo tempo, enfim… posso é garantir que foi animado e divertido.

Fomos para o albergue, apanhei a roupa que ainda estava a secar na rua e subi ao quarto. O enorme dinamarquês, que tinha chegado tão estoirado que nem quis jantar connosco, estava ferrado a dormir… de janela aberta de par em par.

E esta foi a minha primeira vez num albergue, o Dois Caminhos, bom, limpo, simples e gerido por um espanhol e uma italiana muito simpáticos. É interessante que todos se apresentam só com o primeiro nome, todos se tratam por tu… e cada qual vai andando ao seu ritmo.

Tomei lá o pequeno almoço e o espanhol perguntou se ninguém se tinha esquecido de nada. Toda a gente, incluindo eu, respondeu que tinha tudo. Já estava de mochila às costas, quando reparo que na sala estava a minha toalha e a escova de dentes…

 

 

Assim saí de Valada com o rio Tejo ao meu lado direito, numa daquelas manhãs mesmo boas. E não é que me saltam ao caminho dois cães, novinhos mas cheios de personalidade, que fizeram todos os possíveis para me morder as pernas? Estavam mesmo decididos, andaram bastante tempo atrás de mim e o que me salvou mesmo foi o bastão.

Fui andando à sombra do dique que evita as inundações do rio, passei por baixo da ponte D. Amélia, projeto de Gustave Eiffel inaugurado pelo rei D. Carlos. O caminho era tão a direito que nem precisava ver as marcas, bastava seguir as pegadas que a malta deixava no pó.

Numa das poucas sombras, estavam a canadiana e a alemã a descansar e a comer qualquer coisa. Parei também para comer a sandes que tinha preparado no albergue, elas acabaram primeiro e foram andando e, enquanto eu acabava, ouvindo o recital de canto dado pelos pássaros, passou um velhote peregrino meio desconjuntado e o dinamarquês, meu companheiro de quarto.

O caminho começou a ficar duro. Estradão sem qualquer sombra, muito calor, do quilómetro 12 ao 18 foi bem sofrer.

Subitamente, ao virar uma curva na estrada, dou de caras com a canadiana e alemã. No minuto seguinte, chega o alemão novo. Começamos a atacar a subida final para Santarém e, milagre, aparece uma fonte e uns tanques de água mesmo na beira da estrada. Aproveitamos e estivemos ali um bom bocado a descansar.

Chegados a Santarém, o albergue ainda estava fechado. Fomos para um café logo ali ao lado, onde encontrámos o dinamarquês, cheio de problemas nos joelhos e em mau estado. Passado um tempo, chegou o canadiano. Quando fomos fazer o registo na receção (mais uma vez sou o único português), já lá estava o que eu chamei de velhote meio desconjuntado, que é italiano e vai ser meu companheiro num quarto com quatro beliches…

 

 

Leia os outros episódios da Temporada 3 da saga d’O Caminhante:

Episódio 1 – Junto à Sé de Lisboa, começa a Temporada 3 da saga do Caminhante
Episódio 2 – Hoje não temos couratos
Episódio 3 – Desventuras de um algarvio nas voltas da grande cidade
Episódio 4 – Entre estradão e alcatrão, até ao pescador do peixe-gato com 10 quilos

 

Leia mais um pouco!
 
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