Teatro das Figuras sai de casa para ir ter com (todos) os farenses

Teatro das Figuras vai ter um ano de 2019 muito focado na intervenção social e no trabalho com a comunidade

Ilha da Culatra – Foto: Fabiana Saboya|Sul Informação

O Teatro das Figuras vai fazer-se à estrada para ir ter com os jovens de bairros sociais de Faro, com os reclusos do Estabelecimento Prisional e com a população da Culatra. A programação deste espaço cultural para 2019 foi apresentada ontem e contempla uma forte componente de trabalho com a comunidade, com  ajuda de artistas nacionais e internacionais.

Depois de um ano de 2018 em que se bateu um novo recorde de afluência ao teatro farense, com um total de 49.545 pessoas a aderir às 153 atividades programadas – mais de um quinto, 21%, esgotaram -, 2019 assume-se como um ano de “Cultura e Intervenção Social”.

Na prática, isso significa que o Teatro das Figuras vai promover atividades com públicos específicos que, quer seja pela sua situação social, quer seja pelo seu isolamento ou, até, pela insularidade, não são consumidores habituais das propostas que o espaço cultural farense tem programado, ao longo dos anos.

Assim, surgiram diversos projetos de trabalho com a comunidade. Um deles, o “Ritmos e Poesia”, dirige-se aos jovens de bairros sociais de Faro e tem na sua base o hip-hop. O projeto será dinamizado com a ajuda do artista quarteirense Perigo Público, que irá dirigir uma formação destinada a jovens entre os 14 e os 22 anos.

O grupo de formandos foi constituído com a ajuda do GATO – Gabinete de Ajuda a Toxicodependentes e integra habitantes dos bairros da Horta da Areia, Atalaia e Avenida Cidade de Hayward.

Gil Silva

Quem também terá um projeto a si dedicado são os reclusos do Estabelecimento Prisional de Faro, situado paredes meias com o Teatro das Figuras, mas que, pela sua natureza, é um espaço isolado. No projeto “Entre Muros” será dinamizado um trabalho criativo com os reclusos. A ideia é que cada participante «seja diferente no momento final do projeto, relativamente ao momento inicial».

Também haverá um “Teatro d’ Elas”, ou seja, das utentes da Associação de Proteção à Rapariga e à Família. O Teatro das Figuras juntou-se a esta instituição para desenvolver uma oficina de teatro, que vai trabalhar num espetáculo que espelhe as histórias das participantes.

«A equipa do Teatro pensou, entre todos, a forma como poderíamos sair do espaço físico que existe e ir ao encontro das pessoas e, ao mesmo tempo, como podemos cativar novos públicos. O que sentimos é que, neste quase 50 mil espetadores que temos, há franjas da população que nós não atingimos», enquadrou Gil Silva, diretor do Teatro das Figuras, à margem da sessão de apresentação da programação para 2019.

«Isto levou-nos a arranjar estratégias de inseminação, para chegar a essas pessoas. Cabe-nos a nós, Teatro, apostar nesta vertente artística e mostrar que a criação é necessária e algo que nos acompanha desde sempre. É importante que as pessoas percebam que há um criativo e  um artista em potência dentro de cada um de nós», acrescentou.

O projeto “Margem”, de Victor Hugo Pontes, tem, igualmente, uma forte componente de intervenção social. Inspirado no livro “Capitães de Areia”, de Jorge Amado, esta iniciativa tenta perceber «quem são os novos “Capitães da Areia”».

Para isso, o criador foi à procura daqueles «que vivem nas margens», nomeadamente «jovens que foram privados do ensino, da alimentação, de carinho, de um pai, de uma mãe -jovens que partiram em défice ou que se viram em défice por razões que, muitas vezes, lhes são alheias», segundo a descrição do próprio Victor Hugo Pontes.

Julie Byrne

A programação do Teatro das Figuras para 2019 inclui outros dois projetos com a comunidade, um dirigido à população em geral e outro que desafia uma artista internacional a fixar-se temporariamente na Ilha da Culatra, para criar um espetáculo de raiz, inspirado na vivência dos culatrenses e das belezas naturais da ilha.

O projeto de teatro comunitário “Assembleia”, de Rui Catalão, parte de um laboratório aberto a toda a comunidade, no qual será desenvolvido um espetáculo a partir das temáticas locais sugeridas pelos participantes. «Cada espetáculo tem uma ligação direta com o contexto local, com as suas histórias e com o seu património», segundo o Teatro das Figuras.

Já Julie Byrne, cantora e compositora norte-americana que passou pelo palco das Figuras em 2018, voltará a Faro para uma residência artística na Ilha da Culatra, «onde terá a oportunidade de mergulhar na paisagem única daquela ilha-barreira e de se envolver coma  comunidade residente».

«E porquê a Culatra? Porque é um local paradisíaco, que merece ser visitado e vivido. Por outro lado, é insular, o que garante essa distância, propícia à criação», explicou Gil Silva.

«Penso que a intervenção na Culatra será marcante. Teremos outras, na mesma ilha, esta será apenas a primeira. E será marcante porque é uma dimensão que na Culatra não tem estado muito presente. É natural que, durante anos, houve outras preocupações, quer das entidades públicas, quer dos culatrenses, ligadas à subsistência e aos direitos básicos. Hoje já se pode introduzir a dimensão cultural na Ilha da Culatra», disse, por seu lado, Paulo Santos, vice-presidente da Câmara de Faro.

«Começamos este ano com a Julie Byrne, que vai viver cá durante uns meses e produzirá um trabalho inspirado na ilha, que irá apresentar e levará, depois, para fora da Culatra. A partir daqui, teremos sempre residências artísticas nesta localidade, não será algo esporádico, pontual», assegurou.

Diogo Piçarra

A programação do Teatro das Figuras, como é natural, não se esgota nesta vertente de inclusão e intervenção social.

Da longa lista de atividades previstas, Gil Silva destacou o espetáculo “Zé Manel Taxista”, com Maria Rueff, que pode ser visto em Faro já este sábado, a peça de teatro “Do Alto da Ponte”, dos Artistas Unidos (31 de Janeiro), o bailado “Carmen”, pelo Ballet Español de Múrcia (2 de Fevereiro), a estreia da Orquestra Filarmónica Portuguesa em Faro (9 de Fevereiro) e o Concerto Coral Sinfónico, que irá juntar em palco Pedro Burmester, a acompanhar a solo o coro Lisboa Cantat e Orquestra Clássica de Oeiras e Cascais, dirigida pelo maestro Pearce de Azevedo (16 de Fevereiro).

Outro ponto alto, será a apresentação do bailado “Sagração da Primavera – Made in China”, uma produção conjunta do Quorum Ballet, da Orquestra Clássica do Sul e do Teatro Municipal de Faro, nos dias 22 e 23 de Março. «Será um espetáculo grandioso, em que iremos usar o fosso de Orquestra», antecipou Gil Silva.

Também vão passar pelo Teatro das Figuras nomes conhecidos do panorama musical nacional, como o farense Diogo Piçarra, nos dias 23 e 24 de Fevereiro – «um concerto está esgotado, o outro prestes a esgotar -, Aurea (16 de Março) e Dino D’Santiago (20 de Abril). Ainda por anunciar estão «grandes nomes internacionais», cuja presença em Faro está ainda a ser fechada, mas é já certa.

Moçoilas com Maria João

2019 é, igualmente, marcado pelo regresso do Artista Figuras. Desta vez, a escolha recaiu sobre as Moçoilas, que há 25 anos andam a ouvir a Serra e a dar conta do que ela tem para cantar.

A formação musical algarvia vai apresentar um novo disco no Teatro das Figuras no dia 30 de Abril e volta a pisar este palco a 30 de Novembro, desta vez acompanhada pelos Galandum Galundaina, grupo musical de trás-os-montes que se dedica, à semelhança das Moçoilas, a recolher as músicas antigas da Serra, para as preservar para o futuro. Pelo meio, a 5 de Setembro, apresentar-se-ão no Festival F, acompanhadas por Maria João, naquela que será uma reedição do concerto que protagonizaram, em Loulé, em 2018.

«É um desafio e nós, quando somos desafiadas, trabalhamos muito e fazemos as coisas acontecer», resumiu Margarida Guerreiro, uma das fundadoras e atual membro das Moçoilas.

Estes são apenas alguns dos espetáculos que poderão ser vistos, ao longo de 2019, naquela que é, «certamente, a melhor sala de Lisboa para baixo», na visão do presidente da Câmara de Faro Rogério Bacalhau.

A qualidade da sala, mas também o trabalho da equipa do Teatro das Figuras, levam a que «felizmente, hoje seja mais fácil trazer artistas a Faro. Há quem queira vir e quem queira voltar», assegura Rogério Bacalhau.

O público agradece.

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