Aprender com Gonçalo Ribeiro Telles no Dia Nacional dos Jardins

Alunos deixaram a sua marca no país, com a criação inédita de um dia nacional por iniciativa de jovens de uma escola, mas também na sua cidade

Jardim Gonçalo Ribeiro Telles, em Portimão, ainda em obras

Hoje, dia 25 de maio, celebra-se o Dia Nacional dos Jardins. É a segunda vez que tal efeméride se comemora, de forma oficial e por todo o país.

Trata-se de um tributo a um dos mais notáveis portugueses do último século, Gonçalo Ribeiro Telles, que, desta forma, é justamente homenageado na data do seu nascimento, por iniciativa de jovens estudantes portimonenses, numa história com final feliz que merece a pena ser recordada.

Com efeito, a criação do Dia Nacional dos Jardins a 25 de maio, dia do nascimento do arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, foi o resultado de uma petição feita por mim e os meus alunos do 10.º L da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, no ano letivo 2020-2021.

Foi um sonho que viveu vários momentos, num processo que atravessou a pandemia: criação da petição online pela criação do Dia Nacional dos Jardins, obtenção do número de assinaturas necessário para ser aceite na Assembleia da República, audição em sede de Comissão de Ambiente e Energia, aprovação por unanimidade em plenário da Assembleia da República no dia 16 de setembro de 2022 e, finalmente, a publicação em Diário da República no dia 6 de outubro de 2022.

Poder-se-iam descrever as “vagas” do processo do seguinte modo: começou na sala de aula, passou ao atrium (a escola), saltou para a ágora (a cidade) e “desaguou” no país. Nesta “viagem”, os alunos puderam descobrir-se a si próprios como Estudantes, Pessoas e Cidadãos, deixando a sua marca no país.

Deixaram a sua marca no país, com a criação inédita de um dia nacional por iniciativa de jovens de uma escola, mas também na sua cidade.

A Câmara Municipal de Portimão, em sinal de reconhecimento pela sua exemplar e inspiradora iniciativa de cidadania ativa, concedeu-lhes a possibilidade de “batizarem” o jardim que estava planeado para o espaço contíguo à Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes. E foi assim que nasceu o Jardim Gonçalo Ribeiro Telles, que será inaugurado nos próximos meses.

Na petição que esteve na origem desta história épica com final feliz, encontram-se algumas frases que, quais desejos premonitórios, podem apontar o caminho para o que, desejavelmente, este novo e simbólico jardim da cidade poderá vir a ser.

Face à pergunta incontornável “e agora, que queremos fazer deste novo jardim?”, a petição dos jovens da Teixeira Gomes poderia responder:

“Sonhamos com um dia especial, em que os idosos saiam dos lares e de suas casas para apanhar sol e conversar entre si.
Um dia especial, em que as crianças mais novas vão passar a manhã a brincar à apanhada, a andar de baloiço ou a jogar à bola.
Um dia especial, em que as aulas sejam dadas ao ar livre, nos jardins das escolas e nos jardins e parques das vilas e cidades”. (1)

 

Nesta petição, que foi gravada em vídeo pelos alunos na única obra de arquitetura paisagista de Gonçalo Ribeiro Telles que existe no concelho de Portimão, a Piscina Atlântica da Prainha, encontramos o paradigma fundamental de uma eficaz utilização de um jardim público: envolver empaticamente as comunidades nesses espaços, de forma a sentirem-nos como seus, numa lógica de cuidador e não apenas de utilizador.

Na cerimónia em que foi lançada a primeira pedra do Jardim Gonçalo Ribeiro Telles (a 11 de dezembro, Dia da Cidade), foi dado o mote para esta desejável ética ambiental centrada no utilizador-cuidador, ao proporcionar aos munícipes que levassem para suas casas jovens árvores para delas cuidarem até ao momento, felizmente próximo, em que serão convocados para as devolverem ao jardim que, desse modo, será desde logo o “seu” jardim, onde decerto gostarão de levar os seus filhos e netos.

Cremos que o caminho certo é este: envolver as comunidades, desde logo os residentes e escolas próximas, numa dinâmica de saudável “apropriação” que evite, a montante, o vandalismo e a captura desses espaços nobres da cidade por aqueles que, desenraizados e vivendo nas margens da sociedade, neles encontram terreno fértil para uma ocupação muito longe do desejável.

Como tão bem assinalou Gonçalo Ribeiro Telles, “a maneira de estar e de ser, no espaço físico e no tempo, duma comunidade resulta da experiência acumulada que se foi traduzindo num sem número de regras e costumes que fazem parte importante daquilo a que chamamos ‘cultura´”. (2)

Ou, ainda, na defesa de que “se crie uma paisagem ordenada e, por isso, bela, onde se podem praticar exercícios físicos, passear, respirar ar puro, conviver e contemplar a natureza. De facto, a paisagem é também um valor cultural e estético, independentemente da economia e da qualidade ambiental”. (3)

Devemos aprender com as melhores práticas nesta matéria. Quem não se lembra dos bancos dos jardins com placas assinalando memórias de namoros, nascimento de filhos ou netos no filme Notting Hill?

Uma última palavra para os animais. E porque não colocar nas árvores abrigos para as aves? Porque não conceber os espaços públicos como friendly para com os animais? Já na petição se afirmava o seguinte: “Os jardins são os lugares na cidade onde os animais se sentem em casa e os lugares que muitas aves escolhem para fazer a sua casa.”

A Natureza é a nossa Casa-Mãe. Façamos dos nossos jardins também a nossa casa.

Viva o Dia Nacional dos Jardins!

 

Veja as fotos do Jardim Gonçalo Ribeiro Telles, em Portimão, ainda a ser construído:

 

 

Autor: Carlos Café é professor na Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes e Mestre em Filosofia da Natureza e do Ambiente pela Universidade de Lisboa

 

Notas:
(1) Petição pela Criação do Dia Nacional dos Jardins (link: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=DIA-NACIONAL-JARDINS)
(2) TELLES, Gonçalo Ribeiro, Para Além da Revolução, Lisboa, Edições Salamandra, 1985, pp. 56
(3) TELLES, Gonçalo Ribeiro, Textos Escolhidos, Lisboa, Argumentum, pp. 33

 

 

 

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