Câmara de Silves contesta ação judicial que pede milhões por não se poder construir na Lagoa dos Salgados

«Deliberação camarária que contestam judicialmente não apenas salvaguarda o interesse público ambiental, como é legal e juridicamente válida»

A Câmara de Silves apresentou contestação à ação judicial que as empresas promotoras do projeto imobiliário da Praia Grande (Lagoa dos Salgados), com ligação ao Grupo Millennium BCP, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, contra a autarquia, a presidente da autarquia e o vereador com o pelouro do ordenamento do território e urbanismo, informou o Município em comunicado.

As promotoras pedem «a condenação solidária do Município de Silves, da sua presidente [Rosa Palma] e do vereador com o pelouro do ordenamento do território e urbanismo [Maxim Bispo]», ao pagamento de uma indemnização no montante mínimo de € 8.300.000,00 (Oito milhões e trezentos mil euros), por cada ano, desde a data da deliberação camarária impugnada até à data do trânsito em julgado da ação judicial em curso, por considerarem que a autarquia e aqueles eleitos locais estariam, com aquela decisão, a travar o início da execução do projeto imobiliário da Praia Grande».

O empreendimento turístico em causa situa-se na área onde se pretende criar a Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, um projeto lançado pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), aplaudido pelas associações e movimentos ecologistas, que esteve em discussão pública em 2022, tendo concluído pela necessidade de avançar com aquela que seria «a primeira área protegida do século XXI em Portugal»…

Só que, desde então, precisamente devido à contestação do Millenium BCP, que surgiu desde a primeira hora, como o Sul Informação revelou em 2022 neste artigo, e aos sucessivos processos em tribunal, a classificação da zona como Reserva Natural nunca avançou de facto.

Neste avanços e recuos típicos dos projetos imobiliários sensíveis sob o ponto de vista ambiental, já depois de o ICNF ter concluído o processo para a criação da nova área protegida e quando apenas faltava a assinatura do ministro do Ambiente, ainda foram colocadas em discussão pública dois mega-projetos (na realidade o mesmo projeto dividido em duas partes, para facilitar uma eventual aprovação) para a zona da Praia Grande, na margem silvense da Lagoa dos Salgados, como o nosso jornal também deu notícia.

 

 

Agora, segundo adianta o Município silvense no seu comunicado divulgado esta tarde, as empresas promotoras dessa ação judicial (ligadas ao Millenium BCP) põem «em causa a legalidade e validade jurídica da deliberação da Câmara Municipal de Silves, tomada por unanimidade em 18 de março de 2024, que determinou a suspensão do licenciamento aprovado em 2012, para a execução de operação de loteamento urbano na Praia Grande, bem como do procedimento de licenciamento das obras de construção de estabelecimento hoteleiro, na área de abrangência do loteamento suspenso, até que as promotoras urbanísticas apresentem parecer favorável e licença excecional emitidos pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas».

Pedem ainda, como referido acima, uma indeminização de 8,3 milhões de euros, por cada ano, desde Março de 2024 até ao «trânsito em julgado» do processo, ou seja, até ao fim desta ação judicial de forma favorável às empresas do Millenium BCP, o que, a ocorrer, poderá levar vários anos.

Acontece que, salienta a Câmara de Silves, na Praia Grande – onde as promotoras pretendem implementar o seu projeto imobiliário, que integra três estabelecimentos hoteleiros, dois aldeamentos turísticos, um lote comercial e um campo de golfe de dezoito buracos -, criando mais de 4 mil camas, «ocorrem, com dimensão relevante e em bom estado de conservação, várias espécies de flora protegidas pelo direito nacional e direito da União Europeia, designadamente a Linaria algarviana, cuja destruição é legalmente proibida».

Até agora, continua o comunicado da autarquia, as promotoras urbanísticas não conseguiram demonstrar, junto do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, «a harmonização do seu projeto imobiliário com as exigências ambientais de conservação e proteção da Linaria algarviana, nem obter qualquer licença excecional para a destruição de vastos exemplares de espécies legalmente protegidas, condições essas que, por não estarem cumpridas, não permitem a execução de quaisquer obras de urbanização na Praia Grande».

 

 

«Aliás, é a importância e relevância dos valores naturais e da biodiversidade presente na Praia Grande e na Lagoa dos Salgados, que levaram recentemente o Estado Português a manifestar a sua intenção de criar uma reserva natural para esta área territorial», acrescenta.

De tal forma que, segundo a Câmara de Silves, «por muito que isso possa desagradar às promotoras do projeto imobiliário da Praia Grande, a deliberação camarária que contestam judicialmente não apenas salvaguarda o interesse público ambiental, como é legal e juridicamente válida».

«Lamenta-se, por isso, o insólito de estar a ser feito o uso de uma ação judicial para obter uma indemnização que as promotoras bem sabem não ter direito», aparentando, deste modo, que pretendem «por esta via condicionar a atuação da presidente da Câmara Municipal de Silves e do vereador responsável pelo ordenamento do território e urbanismo».

Mas a Câmara de Silves e os autarcas processados não se pretendem ficar apenas pela contestação ao processo. É que, anunciam, «perante a dimensão e a gravidade dos danos que as promotoras urbanísticas pretendem infligir ao Município de Silves, bem como à sua presidente e a um vereador, reservam-se os lesados o direito de vir a exigir judicialmente o pagamento das justas indemnizações, destinando a sua verba para doação às associações e coletividades de âmbito social e ambiental do concelho de Silves ou com ação relevante no mesmo».

O comunicado termina afirmando que, apesar da ação judicial, «que fique bem claro, o Município de Silves, a sua presidente e o vereador com o pelouro do ordenamento do território e urbanismo não abdicam de prosseguir as suas atribuições e exercer as suas competências em defesa e valorização do seu território e dos valores naturais e da biodiversidade nele existente, no estrito cumprimento da legalidade e na prossecução do interesse público, com respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos».

Depois de os dois últimos ministros do Ambiente do Governo socialista de António Costa (Matos Fernandes e Duarte Cordeiro) terem garantido que a Reserva Natural da Lagoa dos Salgados era mesmo para avançar, o processo nunca foi abordado publicamente pela atual ministra, desconhecendo-se a sua posição. Certo e sabido é que o projeto está encalhado nestas questões jurídicas.

 

 

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