Projeto junto à Lagoa dos Salgados não tem «nenhum direito adquirido»

Ministro do Ambiente: «a classificação vem aí e, uma vez concluída, não haverá certamente cama turística alguma aqui»

Ministro do Ambiente, de binóculos, a observar a avifauna da Lagoa dos Salgados

«Nunca houve para aqui nenhum projeto aprovado e, por isso mesmo, nenhum direito adquirido», garantiu o ministro do Ambiente e da Ação Climática, esta terça-feira, em relação à Lagoa dos Salgados, no litoral do concelho de Silves, para onde começa hoje a ser discutida a criação de uma reserva natural.

Nas suas declarações aos jornalistas, o ministro João Pedro Matos Fernandes foi muito claro: «nunca houve licenciamento» do projeto de um empreendimento com 4000 camas turísticas, entre hotéis, vivendas e campo de golfe.

«Portanto, nunca tendo havido licenciamento, o nosso entendimento é que obviamente não há nenhum direito adquirido», assegurou o governante.

A futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, cuja discussão pública da proposta para a sua criação começa esta quinta-feira, 9 de Dezembro, abarca uma vasta área de 400 hectares englobando esta zona lagunar, os sapais de Pêra (ou Alcantarilha…), o cordão dunar ao longo da Praia Grande e os antigos terrenos agrícolas entre as duas zonas húmidas.

E é precisamente em relação a esta extensa faixa de terrenos que ainda poderá surgir alguma areia a emperrar a engrenagem da criação desta nova área protegida de âmbito nacional. É que os terrenos são propriedade de um fundo imobiliário ligado ao Millenium BCP.

O Sul Informação sabe que, mal tiveram conhecimento da intenção do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) de classificar a zona como área protegida, os promotores desse mega empreendimento apressaram-se a fazer aterrar na mesa dos juristas do Ministério do Ambiente dois pareceres jurídicos a defender alegados direitos adquiridos.

A questão é que, em 2013, o projeto do mega empreendimento chegou a ser sujeito a Avaliação do Impacte Ambiental, tendo então recebido uma declaração de impacte ambiental favorável, mas condicionada.

E condicionada a quê? Condicionada à apresentação de um projeto concreto que compatibilizasse os valores naturais em presença e a intenção urbanística do promotor. Ora, apesar do esverdeamento do projeto feito em 2017, que levou até a mudar-lhe o nome para eco resort, o promotor nunca conseguiu garantir essa compatibilização, pelo que a administração central rejeitou tal intenção.

 

Presidente do ICNF, ministro, presidente da Câmara, secretário de Estado, diretor regional do ICNF, presidente da RTA e presidente da CCDRA

 

Nuno Banza, presidente do ICNF, explicou ao nosso jornal que «a declaração de impacte ambiental favorável condicionada é inserida num processo em que foi considerada a possibilidade de apresentar, para aquele território, um projeto. Esse projeto teve também de ser apreciado. E o que aconteceu a esse processo é que, em sede de relatório de conformidade ambiental com o projeto de execução, o projeto que foi apresentado não reunia condições para ser aprovado. Portanto, não há nenhum licenciamento».

Aquele responsável explicou ainda que, já há alguns anos, «foi ponderada a possibilidade de, com determinadas condições, ou seja, garantida a compatibilidade entre os valores naturais em presença e a intenção do promotor, vir a apreciar um projeto que compatibilizasse estes interesses. Mas o promotor não foi capaz de o fazer. E portanto teve parecer desfavorável».

Ou seja, acrescentou Nuno Banza, «ainda que tendo uma declaração de impacte ambiental favorável condicionada, se o promotor apresentar um projeto que não permita compatibilizar os valores em presença e as suas intenções, a administração vai sempre dizer-lhe que não e daí não resulta nenhum direito adquirido».

Por seu lado, Rosa Palma, presidente da Câmara de Silves, também presente na apresentação da proposta, que decorreu no Salão Paroquial de Pêra, e depois na visita, com o ministro, à Lagoa dos Salgados, reafirmou, em declarações ao Sul Informação, a sua alegria com a futura criação da reserva natural.

É que, recordou, foi ainda o anterior executivo municipal, presidido pelo PSD, que abriu as portas ao mega empreendimento na margem da lagoa, podendo pôr em causa, para sempre, os valores naturais aí existentes.

«Da minha parte, ainda quando era vereadora não permanente e depois já como presidente da Câmara [eleita pela CDU], mas sem maioria no executivo, sempre fizemos tudo para que houvesse uma avaliação no sentido de poder equacionar um desenvolvimento que não ferisse tanto os valores ambientais da zona».

Agora, com a proposta de criação da reserva natural, que «faz todo o sentido», «a situação é bem diferente e a administração central terá de ver qual a resposta que poderá dar aos promotores» do empreendimento turístico, acrescentou a autarca.

Para Rosa Palma, «se aquilo que condicionou esse licenciamento foram os valores ambientais, com a criação da reserva natural estamos a dar margem para que esses valores se possam sobrepor às intenções do promotor. Os valores ambientais falarão mais alto e é isso que nós esperamos».

 

Visita à área da futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados

 

O presidente do ICNF, manifestando o seu «grande orgulho» pelo facto de a criação da nova área protegida estar finalmente prestes a acontecer, frisou que «as intenções de ocupação ou de alteração do uso do território que têm vindo a lume são muito antigas e têm vindo ao longo do tempo a ter a resposta adequada da administração», sempre negativa.

É que, reforçou, «o facto de existirem aqui habitats prioritários e espécies prioritárias, com endemismos locais, tem vindo a fazer com que, ao longo dos anos, mesmo sem a existência da reserva natural, a administração tenha vindo a dar pareceres negativos, sucessivamente, à intenção de alterar essa utilização do território».

Por isso, concluiu, «não é pelo facto de passar a haver reserva natural que a administração vai passar a dizer que “não” a algo que antes dizia que “sim”. Nós já dizemos que “não” há muito tempo e dizêmo-lo fundamentadamente», asseverou Nuno Banza.

Ou, nas palavras do ministro Matos Fernandes, «a classificação vem aí e, uma vez concluída, não haverá certamente cama turística alguma aqui».

Aliás, o presidente do ICNF prefere apontar para o futuro, garantindo que «a reserva natural não será para impedir nada, mas precisamente para o contrário: promover ações de conservação que protejam valores que vão muito para além das intenções de ocupar determinados territórios».

«Num território onde existem valores ambientais tão fortes, independentemente de ser área protegida ou não, nenhum cidadão compreenderia que a administração permitisse a sua destruição», argumentou ainda Nuno Banza. «Temos a certeza absoluta que os promotores, os cidadãos, as organizações, num momento em que toda a gente discute a importância da biodiversidade a nível mundial, não vão seguramente ficar agarrados a conceitos passadistas, que hoje em dia toda a gente reconhece que não fazem sentido».

A discussão pública da proposta de criação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados começa esta quinta-feira, dia 9 de Dezembro. A participação dos interessados terá lugar através do portal Participa.pt (e pelos outros meios normais), até ao dia 21 de Janeiro próximo. É nessa mesma plataforma que estão disponíveis os documentos que dão forma à proposta de criação da nova área protegida.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 



Comentários

pub