Acórdão do STA «não põe em causa» criação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados

Se a CCDR Algarve «não fizer o seu trabalho« e a Câmara de Silves «permitir o início dos trabalhos», as ONGA vão colocar uma Providência Cautelar

A recente decisão do Supremo Tribunal Administrativo sobre a proposta de construção de um mega-empreendimento turístico na Lagoa dos Salgados «não põe em causa a criação de uma Reserva Natural naquele local», tal como foi proposta pelo Instituto de Conservação da Natureza e Floresta (ICNF) e «largamente apoiada por diversos sectores da sociedade civil», defende a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), em comunicado.

No entanto, esse acórdão «deixa o futuro deste importante ecossistema nas mãos da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve».

Proferida no passado dia 7 de setembro, a decisão reconhece que a declaração de desconformidade (segundo a qual o plano de construção não cumpre as salvaguardas ambientais obrigatórias) foi emitida pela CCDR Algarve já fora do prazo legal.

Assim, perante a lei, o plano terá recebido aprovação tácita.

No entanto, a SPEA considera que «o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo deixa a porta aberta para que a CCDR Algarve possa vir a proceder à revogação ou à alteração dessa Decisão sobre a Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (DCAPE) tacitamente favorável, desde que fundamente e cumpra os preceitos legais, reconhecendo que caberá ao ICNF avaliar o cumprimento da Declaração de Impacto Ambiental (DIA), em concreto, designadamente das medidas para proteção dos valores ecológicos afetados».

«É lamentável que a CCDR – Algarve tenha falhado um prazo num processo desta natureza e importância, mas não se trata de um entrave significativo à criação da futura Reserva Natural da Lagoa dos Salgados”, diz Domingos Leitão, diretor executivo da SPEA.

Perante esta situação, 10 Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA) regionais e nacionais dizem agora esperar que «a CCDR Algarve dê início, sem demoras, a um processo de revogação ou de alteração da DCAPE tacitamente favorável, fundamentada no interesse público da proteção das espécies ameaçadas e no cumprimento das condicionantes da DIA, que o plano dos promotores efetivamente não cumpria».

Se, por acaso, os promotores do mega-empreendimento turístico pedirem uma licença para começar as obras, estas ONGA esperam que «o Município de Silves não emita a referida licença, uma vez que existe a obrigatoriedade de cumprimento das reais condicionantes da DIA, o que segundo a CCDR Algarve e o ICNF não estava assegurado no plano dos promotores», acrescenta o comunicado.

Também existe a possibilidade do Ministério do Ambiente e Ação Climática tomar as rédeas do processo e «expropriar os proprietários em nome do superior interesse público da proteção dos valores naturais e da criação da Reserva Natural».

Nesse cenário, a indemnização a pagar será decidida por um tribunal, «mas não terá os valores astronómicos mencionados em alguns meios de comunicação social», como o Sul Informação, garante a SPEA.

A ação em causa remonta a 2017, quando os promotores apresentaram uma DCAPE com a DIA do plano para poderem obter o licenciamento de construção das infraestruturas gerais do mega-empreendimento.

Acontece que esse plano «não estava conforme as condições da DIA» e «não cumpria as salvaguardas ambientais obrigatórias», Como tal, obteve da CCDR Algarve uma decisão de desconformidade, mas que só foi emitida depois de ultrapassado o prazo legal.

Perante uma declaração de desconformidade do seu plano, «o promotor usou essa fragilidade para reverter judicialmente a situação a seu favor».

Em 2018, interpôs uma ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, para anular a declaração de desconformidade da CCDR Algarve. Perdeu a ação na primeira instância e recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, que lhe veio a dar razão, na sentença agora conhecida.

As ONGA alertam para o que diz o acórdão: «este, de facto, reconhece a ilegalidade da declaração de desconformidade emitida pela CCDR Algarve, considerando-a inválida, mas também nega ao promotor o pedido de reconhecimento de que foi dado cumprimento às salvaguardas ambientais exigidas pela DIA, em particular a proteção da espécie Linaria algarviana, uma vez que considera que esse é um juízo de natureza administrativa que está vedado ao Tribunal».

E mais, «acaba por não aceitar os pedidos dos promotores de o Tribunal decidir pelo impedimento da CCDR Algarve de vir a revogar ou anular a DCAPE tacitamente favorável».

Por último, as ONGA lembram, no seu comunicado, que «existe um processo que corre no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé desde 2014, para anular a própria DIA e o Plano de Pormenor da Praia Grande, que os promotores omitiram por completo no processo que interpuseram no TAF de Sintra».

«Se a CCDR Algarve não fizer o seu trabalho e a Câmara Municipal de Silves permitir o início dos trabalhos, as ONGA estão prontas para colocar uma Providência Cautelar para evitar que os trabalhos tenham início, e se criem factos consumados e danos irreparáveis contra o superior interesse público e da conservação da natureza», concluem as 10 ONGA.

 

Quais são as 10 Organizações Não-Governamentais de Ambiente?

  • ALMARGEM, Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve
  • A ROCHA – Associação Cristã de Estudos e Defesa do Ambiente
  • Associação Natureza Portugal (ANP/WWF)
  • Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA)
  • FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade
  • Liga para a Protecção da Natureza (LPN)
  • QUERCUS – Associação nacional de Conservação da Natureza
  • Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO)
  • Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA)
  • ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável

 

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