Voluntários dão uma mãozinha ao senhor Manuel Francisco para recuperar o seu palheiro

O senhor Manuel Francisco é um dos últimos habitantes da serra que ainda sabe como se entrelaça o centeio

«Este palheiro já era do meu avô e se calhar do avô dele. Foi o que me ficou dos meus pais. É por isso que eu não quero ver isto a perder-se», diz a D. Otília, de 77 anos, que mora no lugar da Corte d’Ouro, freguesia do Ameixial, no interior serrano do concelho de Loulé.

O palheiro de que fala é uma construção circular, em pedra seca, coberto por um telhado de colmo, feito com palha de centeio, e muito característico desta zona serrana do Sotavento algarvio. Este é dos poucos que ainda se mantêm de pé.

Na Mealha, no vizinho concelho de Tavira, há «uns dez ou doze» destes palheiros cónicos, mas estão todos «descapotados», diz Manuel Francisco, de 80 anos, marido da D. Otília. «Está mau de se arranjar quem faça este trabalho».

No sábado passado, no terreiro à volta da antiga escola primária da Corte d’Ouro, o senhor Manuel Francisco mostrou a um grupo de jornalistas portugueses e espanhóis como se entrelaça as hastes do centeio para fazer as esteiras que hão-de voltar a cobrir o palheiro, dando forma ao seu telhado de colmo.

 

Vendo as suas mãos calejadas a trabalhar de forma rápida, a tarefa até parecia fácil. «Eu já aprendi, já o vi a fazer isto muitas vezes e experimentei. Mas não é fácil. Há ali uma volta que ainda me faz confusão», diz Susana Calado Martins, da Barroca – Produtos Culturais e Turísticos, empresa que faz parte da cooperativa QRER. É a Barroca que, no dia 23 de Março, será responsável por um workshop com voluntários que vão aprender a fazer esteiras, no âmbito da preparação para o Festival de Caminhadas do Ameixial.

«Vou usar este molho, que está côrto dos ratos», explicou Manuel Francisco, pegando em parte de um molho e pondo-o dentro de água, numa banheira velha. Transportar os fardos de centeio ceifado é tarefa de Marco António Santos, também da Barroca. «Não tenho jeitinho nenhum para fazer as esteiras», confessa Marco, com um sorriso.

Manuel Francisco é dos poucos que ainda sabem entrelaçar o centeio para fazer as esteiras. Mas já não consegue dar conta do recado sozinho, por isso ele e a mulher precisam de ajuda.

 

 

Em 2014, o Festival de Caminhadas do Ameixial decidiu dar essa ajuda, para evitar que o palheiro da Corte d’Ouro se perdesse, e foram os seus voluntários que auxiliaram na recuperação do telhado.

Agora, a cobertura vegetal está a precisar de nova intervenção. «Isto tem de ser feito pelo menos de quatro em quatro anos», explica Susana Calado Martins, ela própria uma aprendiz da técnica.

Assim, a 23 de Março, haverá um workshop no terreiro da antiga escola, com as inscrições já esgotadas, para aprender a fazer as esteiras de centeio entrelaçado. Depois, em final de Abril, no dia 27, durante o Walking Festival Ameixial (WFA), os participantes poderão ajudar a colocá-las no telhado do palheiro, refazendo a sua cobertura de colmo.

João Ministro, da empresa Proactivetour e da QRER, que promove o WFA, explicou aos jornalistas, entre os quais a repórter do Sul Informação, que «todos os anos, no festival, há uma ação de apoio ao património e, desta vez, voltará a ter lugar a recuperação do telhado do palheiro da Corte d’Ouro, que é um elemento patrimonial muito conhecido».

«Com a ajuda dos donos, que são quem ainda conhece a técnica, vamos promover esta atividade. E esperamos que este palheiro possa assim manter, durante mais uns anos, a sua função», acrescentou.

 

Mas não se pense que foi fácil encontrar centeio apropriado para refazer o telhado de colmo. É que o centeio que se semeia no país é quase todo colhido com máquinas, o que desfaz as hastes. E, para aquela tarefa, são necessárias hastes de centeio ceifado à mão…uma raridade.

A busca do centeio perfeito meteu pesquisas na internet e até no Olx. E lá se acabou por encontrar o material necessário…no Porto. «Fomos ao Porto de propósito buscar o centeio ceifado», contou João Ministro. «Isto é o retrato do que se passa no Algarve e no resto do país, com o abandono do mundo rural, que acarreta a perda destas atividades».

Mas, entretanto, com a ajuda de José Fernando, o presidente da Junta de Freguesia do Ameixial, já surgiu uma boa notícia: «falei com um senhor aqui da zona, que soube que andávamos à procura de centeio ceifado e ele diz que o vai semear, para no próximo ano termos centeio de cá», revelou João Ministro, no final da visita dos jornalistas. «É uma boa notícia, até porque se retoma uma cultura tradicional».

Enquanto o centeio algarvio, não chega, o remédio é recuperar o telhado com este colmo viajado. E, no dia 27 de Abril, participantes do Walking Festival Ameixial poderão participar no trabalho de colocar as esteiras feitas à mão na cobertura cónica do palheiro.

 

Esta será apenas uma das muitas atividades que constam do programa daquele que foi o primeiro festival de caminhadas no Algarve, que já vai na sua sexta edição e este ano terá lugar entre 26 e 27 de Abril, com epicentro na pequena aldeia do Ameixial, à beira da EN2.

Durante estes três dias, haverá muitas caminhadas com graus de dificuldade diversos (uma delas noturna), atividades para crianças e famílias, workshops e palestras, bailes, gastronomia, tudo à descoberta do interior serrano do concelho de Loulé.

O WFA integra o calendário da Algarve Walking Season, que promove o Algarve como uma região para caminhar todo o ano. O arranque oficial teve lugar no fim de semana passado, com o VI Festival de Caminhadas de Alcoutim, que foi um sucesso. Integra ainda o Barão de São João Walk and Art Fest (Lagos), marcado para 1 a 3 de Novembro.

Para dar a conhecer tudo isto, a QRER promoveu, na sexta-feira e sábado passados, uma press trip com jornalistas portugueses e espanhóis.

 

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

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