Testamento Vital: Mês da Liberdade, de poder decidir, de saber o que decidir

A verdade é que, se temos a oportunidade de poder defender a nossa vontade, porque não usufruirmos dessa liberdade?

Passou-se o mês de abril, mês dos cravos, mês em que se celebra a liberdade. E, como tal, pensei que este artigo se deveria focar no seu poder de decisão, no seu poder de escolha, isto é, no poder de viver a sua vida nos seus próprios termos, sem letras pequenas ou alíneas infinitas.

Por isso, decidi falar hoje sobre o Testamento Vital (TV), também conhecido como Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV).

Todos sabemos que a morte é a única certeza que temos na nossa vida. Mas cada vez mais reforço a ideia que tenho, de que o pior não é o próprio ato de morrer, o momento onde o nosso cérebro e coração estão cansados e param.

O maior desafio, para a própria pessoa e todos aqueles que a rodeiam, é talvez o período que antecede este fim de tantas incertezas. São os longos minutos, horas e dias durante os quais o doente se sente perdido numa cama do hospital, sem saber como vai ser o dia seguinte nesta contínua jornada.

Ou, enquanto familiar, viver a dualidade de emoções, entre os seus desejos, a realidade e os desejos do doente.

Mesmo para um profissional de saúde, trata-se de um verdadeiro desafio, saber gerir e conciliar as crenças e expectativas do paciente com as nossas próprias e a prática clínica, respeitando as considerações éticas da medicina.

Assim sendo, podemos tentar, quer individualmente, quer em conjunto, amenizar as dúvidas e precaver de certa forma aquela situação hipotética que, um dia, inesperadamente, poderá ser a nossa realidade.

Ora, o Testamento Vital define-se como um documento onde podemos manifestar, de forma antecipada, os cuidados de saúde que desejamos ou não receber, num momento em que nos encontremos incapazes de expressar a nossa vontade.

Qualquer cidadão, quer nacional, estrangeiro ou refugiado, que seja residente em Portugal, maior de idade, e que não se encontre inabilitado por anomalia psíquica, pode fazer um TV, sendo necessário ter um número de utente do Sistema Nacional de Saúde.

Apesar da complexidade e infinitas interrogações associadas aos cuidados de saúde, confesso que considero este documento acessível, estruturado e de fácil leitura. Este é o primeiro passo para que qualquer pessoa, com mais ou menos apoio, possa manifestar os seus desejos.

A primeira parte do documento dedica-se ao preenchimento dos dados de identificação do utente (outorgante). A segunda – e última página – diz respeito à seleção da situação clínica na qual o TV terá os seus efeitos e aos cuidados que se deseja ou não receber.

Para além das opções já definidas, há também a oportunidade, de forma aberta, de descrever outras opções.

Dos cuidados descritos no documento, destaco os seguintes: não ser submetido(a) a reanimação cardiorrespiratória, não autorizar administração de sangue ou derivados, receber assistência religiosa ou até mesmo designar um acompanhante que possa estar junto de si, aquando da interrupção das medidas artificiais de vida.

Para além de inscrever os cuidados de saúde, pode também nomear um Procurador de Saúde, por outras palavras, um representante. Esta entidade será chamada a decidir quais os cuidados que lhe devem ser prestados e evitados, respeitando e regendo-se sempre pelos seus desejos previamente expressados no TV.

Para a formalização do seu Testamento Vital, deverá entregar o próprio num balcão da RENTEV (Rede Nacional de Testamento Vital) ou poderá também enviá-lo por correio registado, desde que tenha a sua assinatura devidamente reconhecida.

No entanto, uma vez formalizado o testamento vital, este não é eterno. A legislação portuguesa estabeleceu que a validade do TV é de 5 anos, pelo que será necessário renovar aquando do fim deste período, recebendo uma notificação de aviso prévio, ou, caso mude de opinião, fazê-lo até antes. Sempre que desejar, também poderá consultar o TV, tanto no Portal do utente, como na aplicação móvel do SNS24.

É natural que lhe surjam dúvidas, desde a pertinência do próprio testamento vital, até aos cuidados descritos (como por exemplo, em que é que consiste e o que é que implica a alimentação artificial).

Pessoalmente, e em tom de desabafo, confesso que a minha primeira questão é tão simples como: “Será que já devia fazer um Testamento Vital?”.

Afinal de contas, estou a viver a minha terceira década de vida, aparentemente saudável, até à data. Contudo, apesar de ser profissional de saúde, quando penso em mim como possível doente, as dúvidas e incertezas invadem de forma irracional o meu pensamento – encaro essa realidade como algo distante, quase impossível de acontecer, e como tal, nunca perdi ou investi o meu tempo a pensar quais seriam as medidas que me deixariam mais confortáveis psíquica e fisicamente. No entanto, já diz a sabedoria popular: “nunca se sabe o dia de amanhã”.

Independentemente da sua idade, fase de vida ou do seu estado de saúde, fará sempre sentido refletir sobre os cuidados de saúde que deseja ou não ter, mesmo que estas ideias se vão moldando, como é expectável, à sua pessoa e às suas vivências. Com o tempo e ao seu próprio tempo.

Não tem de decidir nada para o amanhã, mas pode começar a pensar hoje. E a verdade é que, se temos a oportunidade de poder defender a nossa vontade, porque não usufruirmos dessa liberdade?

 

Autora: Adriana Justo Correia é Médica Interna de Medicina Geral e Familiar

 

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