O último dia de visita presidencial ao Algarve, 18 de fevereiro de 1932, foi inteiramente dedicado ao Barlavento.
Após a receção solene na Câmara de Lagos, seguiu-se uma breve visita ao Quartel de Infantaria 15 e uma deslocação da comitiva a Sagres. Ainda em Lagos formou-se um longo cortejo de automóveis, os quais eram “alvejados das janelas com nuvens de pétalas de flores”.
A viagem ao Promontório Sacro não mereceu grandes descrições por parte da imprensa, embora o jornal “O Século” tivesse inserido algumas notas. Ao longo do trajeto era o cortejo aguardado pelos “habitantes, com estandartes associativos, crianças das escolas e foguetes, que deflagravam, festivamente, à aproximação do automóvel do Chefe de Estado”.
A comitiva dirigiu-se primeiro ao Cabo de S. Vicente e logo depois para a “velha fortaleza da ponta de Sagres, cheia de tão belas tradições, onde a visita foi breve, devido ao adiantado da hora”.
Depois de alguns minutos de contemplação do panorama, o séquito presidencial retornou a Lagos, renovando-se no percurso as mesmas manifestações da ida.
Na estação ferroviária era o presidente aguardado pelas autoridades locais, coletividades e “uma multidão numerosíssima que lhe fizeram, e aos membros do governo, uma despedida entusiástica, aclamando-os com delírio”.
Pelas 14h15 o comboio saía da estação de Lagos em direção a Lisboa, sendo saudado por “vivas frenéticos e o deflagrar de morteiros”.
Durante a viagem, destaque para duas manifestações populares nas estações de Messines-Alte e Odemira. Na primeira, registaram-se grandes demonstrações de regozijo, abrilhantadas pela filarmónica de Silves, tendo o chefe de Estado saudado a população, mais de mil pessoas, de acordo com a estimativa apresentada por “O Século”.
A paragem em Messines ocorreu a pedido da Câmara de Silves, uma vez que o presidente não visitara a cidade, apresentando-lhe aquela corporação ali os seus cumprimentos.
Também em Odemira a paragem ocorreu por suplicação da autarquia, tendo o general Óscar Carmona descido à plataforma da estação, onde o presidente da Câmara, César Carvalho de Miranda, “o saudou, desejando-lhe uma boa viagem, e entregando-lhe uma mensagem, em que, calorosamente, os seus munícipes agradecem os melhoramentos efectuados naquele concelho.” À partida da composição as “aclamações intensificaram-se, subindo ao ar uma girândola de foguetes”.
Pelas 19h20, o comboio dava entrada no Barreiro onde, após uma sessão de cumprimentos, a comitiva tomou o barco em direção a Lisboa. O périplo presidencial de automóvel, barco e comboio através do Algarve chegava agora ao fim.
Durante quatro dias, Algarve andou nos jornais nacionais
A região engalanou-se para receber o chefe de Estado e os quatro dias de viagem presidencial catapultaram-na para as primeiras páginas dos diários nacionais.
Foram noticiadas as principais aspirações dos algarvios, que não esqueceram a terrível crise em que viviam (a indústria encontrava-se estagnada, as câmaras municipais sobre endividadas, etc.).
Em suma e nas palavras de Ramalho Ortigão, “o Algarve estava doente, o seu comércio empobrecido, a sua indústria arruinada, e a sua agricultura vegetando”. Mas foi essencialmente consumada a apologia do regime vigente, propagandeado pelas inúmeras obras concretizadas, um pouco por todo o lado.
Nos dias subsequentes à visita, a imprensa regional noticiava a jornada de “notabilíssima” e “verdadeiramente triunfal”, para o semanário “O Algarve”, enquanto para o “Correio do Sul” ela fora “delirantemente aclamada em toda a parte e por todas as classes sociais”, representando a “consagração da obra patriótica da Ditadura Nacional”.
Se a imprensa diária nacional nos permite confirmar as afirmações destes periódicos algarvios, não é menos verdade que toda ela era previamente depurada pela Comissão de Censura.
Silves de fora por medo da reação dos operários
Por outro lado, a exclusão incompreensível de Silves do périplo presidencial, apesar de constar nos programas provisórios, evidencia a incerteza por parte das autoridades do comportamento de uma população maioritariamente operária e sobejamente conhecida como oposicionista. Uma medida que permitiu prevenir qualquer incidente que colocasse em causa uma viagem que se queria de êxito.
A condecoração de velhos e simples operários, “encanecidos nas duras labutas da vida, todos exemplares e honrados cidadãos”, nas palavras do “Correio do Sul”, terá contribuído também para o sucesso da visita, e de uma nova ordem social, que se queria humilde, obediente e exemplar.
Viagem do Presidente Carmona foi filmada na íntegra
A visita do Presidente Carmona teve ainda uma outra particularidade: foi filmada.
Embora tivessem sido efetuadas algumas filmagens pela Secção Cinematográfica do Exército durante a visita do Presidente Sidónio Pais à região, em 1918, estas não assumiram a magnitude do filme “A viagem do General Carmona ao Algarve”, com realização e produção de Aníbal Contreiras.
O Presidente Carmona voltaria à região nos anos seguintes, mas, para a história do Algarve, esta primeira visita fica essencialmente assinalada pela inauguração da ponte do Roxo, a qual permitiu a primeira ligação por estrada da região com o resto do país.
Viajar por estrada, digna desse nome, entre o Algarve e Lisboa era finalmente possível, e tudo isto há somente 81 anos.
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Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional
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