Loulé: Gruta do Vale Telheiro vai ser estudada durante três anos

Equipa de investigadores será liderada pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

A Gruta do Vale Telheiro, às portas da cidade de Loulé, um importante habitat subterrâneo de biodiversidade, vai ser estudada ao longo dos próximos três anos. 

A conservação, monitorização e restauro ecológico deste hotspot da biodiversidade cavernícola de classe mundial é o principal desígnio da equipa de investigadores liderada pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas a ideia é que seja criado aqui o primeiro local de “Investigação Ecológica de Longo Prazo” (LTER) numa gruta da Europa Ocidental.

Na passada sexta-feira, 3 de Maio, o Município de Loulé, proprietário do terreno onde se encontra a Gruta, e a Faculdade celebraram um protocolo que proporcionará as condições para desenvolver o projeto “Barrocal-Cave”, mas, também, criar uma proposta de enquadramento jurídico para proteção deste habitat e das espécies que aqui se encontram.

«Debaixo desta terra temos das espécies mais ameaçadas, mais raras e mais desprotegidas do nosso Planeta. Estes animais que vivem debaixo dos nossos pés no concelho de Loulé têm uma distribuição geográfica extraordinariamente reduzida, vivem apenas aqui e são, por si só, um património único. Estes animais estão completamente negligenciados em termos de políticas de conservação e são esquecidos em agendas climáticas e outro tipo de eventos», explicou Ana Sofia Reboleira, a bióloga que irá coordenar os trabalhos.

Trocando por miúdos, a investigadora apontou desde logo o lado mais pragmático da importância destes seres: «são estes organismos que garantem a qualidade da água, um fator bastante limitante no território do Algarve», frisou a coordenadora do Barrocal-Cave.

Uma dessas espécies e que serve de bandeira ao projeto é o “pseudo” escorpião gigante, um aracnídeo considerado «uma das 100 espécies mais espetaculares do nosso Planeta» e um dos «fósseis vivos», contemporâneo da salamandra Metopossaurus algarvensisis, que já estava no território antes dos continentes se separarem, há 170 milhões de anos.

Este é um dos organismos fundamentais para o normal funcionamento deste ecossistema, que «contribuem para estes ciclos biogeoquímicos, de nutrientes, de carbono, de matéria orgânica e, sobretudo, de purificação das reservas de água que temos debaixo de terra», explicou Ana Sofia Reboleira.

Em 2016, a Revista Science reconheceu esta Gruta como hotspot de biodiversidade subterrânea a nível mundial, uma classificação que implica a existência de mais de 20 espécies cavernícolas. Este é, pois, «um dos raros sítios a nível mundial» já que neste momento estão registadas aqui perto de 25 espécies.

A urbanização, a poluição e a deterioração desta área de influência à volta da cavidade constituem as grandes ameaças ao funcionamento saudável dos ecossistemas e dos organismos que habitam nas profundezas desta gruta. O projeto vem precisamente preencher essa lacuna, ao estudar e monitorizar a biodiversidade que existe no local, avaliar as necessidades de restauro ecológico e implementar figuras de proteção «para que estes ecossistemas possam continuar a funcionar como devem».

A par da avaliação da biodiversidade e do estado de conservação da gruta e da área circundante, pretende-se criar aqui uma “Investigação Ecológica de Longo Prazo” (LTER), a primeira num habitat de gruta na Europa Ocidental (sendo que em todo o continente europeu existe apenas uma), o que permitirá à rede europeia de LTERs.

Mas esta parceria com o Município de Loulé levará também à criação de uma proposta de enquadramento jurídico para a proteção do habitat e das espécies mais relevantes, à semelhança do que a Autarquia está a desenvolver por exemplo com a criação da Reserva Natural Local da Foz do Almargem e do Trafal.

A equipa de investigadores espera alcançar a caracterização ambiental e ecológica da Gruta, e implementar uma estação de monitorização de longo tempo, para aceder de forma remota ao interior da cavidade, e fazer a avaliação das necessidades de restauro ecológico para manter o ecossistema em funcionamento.

O autarca Vítor Aleixo, um dos signatários do protocolo, sublinhou a importância de mais este património que vem reforçar também a candidatura do aspirante Geoparque Algarvensis a Geoparque Mundial da UNESCO.

«Tenho um grande orgulho pelo facto de ter a sorte de termos no nosso território identificada toda esta riqueza. Com este protocolo o que estamos a fazer é a apoiar o conhecimento dessa riqueza, estudá-la, classifica-la e divulgá-la», assegurou.

Este projeto é financiado pela 2ª edição do Prémio Belmiro de Azevedo, da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

A equipa do aspirante Geoparque Algarvensis também faz parte da equipa do projeto e esteve presente na reunião, com a sua coordenadora executiva Elizabeth Silva, o geólogo Gonçalo Maurício e o paleontólogo Hugo Campo, uma vez que este é um dos sítios da biodiversidade fundamentais na candidatura a Geoparque Mundial da UNESCO e que uma das bases do trabalho do Geoparque é a Ciência.

Além da Câmara Municipal de Loulé, a instituição de acolhimento – a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e seu Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais desta Faculdade- conta ainda com o apoio da Universidade, da Universidade do Algarve e do Centro de Ciência Viva do Algarve onde haverá uma exposição final com os resultados deste trabalho.

De resto, serão integrados vários colaboradores e alunos em toda esta rede de investigação que se vai criar à volta do projeto.

 



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