Livro de António Louçã realça papel decisivo da Alemanha Federal para controlar Revolução

“Uma ingerência discreta. A Alemanha Federal e a Revolução dos Cravos” é o título do livro “de cunho jornalístico”

Uma investigação do jornalista António Louçã, publicada em livro, realça o “papel decisivo [da ex-Alemanha Federal] no processo de controlar e dominar a Revolução” do 25 de abril de 1974, face ao protagonismo dos Estados Unidos.

“Uma ingerência discreta. A Alemanha Federal e a Revolução dos Cravos” é o título do livro “de cunho jornalístico”, como escreve António Louçã, no qual aborda a “intervenção da Alemanha Federal visando pôr fim ao processo revolucionário que, a partir de Portugal, ameaça reacender na Europa o incêndio do Maio francês [de 1968]”.

A obra é apresentada na próxima sexta-feira, às 18:30, na Biblioteca Municipal Camões, em Lisboa, pelo investigador Mário Matos, da Universidade do Minho.

“O papel que a Alemanha Federal desempenhou no concerto das potências apostadas em submeter a revolução portuguesa continua a ser largamente subestimado, em prol de uma imagem de protagonismo absoluto dos Estados Unidos”, afirma o jornalista, que com esta investigação pretende “desbravar o caminho a uma investigação histórica mais sistemática”.

A ex-Alemanha Federal (RFA) “foi o país europeu que mais ativamente apoiou a ditadura salazarista. E foi também o país europeu de onde a oposição antissalazarista recebeu um apoio mais substancial”.

Refere António Louçã que no contexto da política de “Guerra Fria”, “não surpreende” que Bona “se tenha apressado a estabelecer as melhores relações com as ditaduras fascistas sobreviventes na Europa”, Espanha e Portugal.

Acrescenta o autor que “o pessoal político da RFA era em grande medida constituído por nazis reciclados e só podia ver com bons olhos a aproximação aos parentes sobrevivos do Terceiro Reich”.

Franz-Josef Strauss que foi ministro da Defesa de 1956 a 1062, tendo visitado Portugal em dezembro de 1960, e condecorado militares portugueses, “ocultou” aos seus colegas de gabinete aspetos relativos ao acordo da base aérea de Beja e ao fornecimento de armas destinadas à guerra colonial. Esta atitude do governante alemão é justificada como uma “precaução secretista face à opinião pública”.

O líder socialista Mário Soares (1924-2017) foi, “durante longos anos”, ignorado por Willy Brandt, então ministro dos Negócios Estrangeiros, entre 1966 e 1969, que “ao mesmo tempo confraternizava com o seu homólogo Franco Nogueira, um dos expoentes mais extremistas da ditadura portuguesa”.

“Quando queria alguma coisa de Bona, Soares subia pela escada de serviço e era atentido pela porta dos fundos”, e a sua deportação para S. Tomé e Príncipe, “só a ferros pôde arrancar ao SPD um tímido protesto antifascista”.

Willy Brandt (1913-1992) era chanceler da RFA quando se deu o 25 de Abril, e “absteve-se de optar logo claramente entre o PS e o PPD”, receava que Soares enveredasse por “uma política frente populista”, aliando-se ao PCP.

Nos chamados anos da “transição democrática”, “o apoio financeiro alemão aos partidos ibéricos, para impedir uma suposta deriva a caminho do socialismo, foi entregue em maços de notas e por vezes sem recibo”, mas subsiste uma dúvida, se “voltou parte desse dinheiro para as mãos dos partidos alemães”.

Se parte do dinheiro foi parar aos partidos alemães que arquitetaram este esquema, se assim foi, “os partidos ibéricos teriam funcionado como lavandaria, a reciclar parte dos apoios do Estado alemão-federal para financiar os partidos alemães federais”.

“Menos badalada em murais e ‘graffiti’ que a ingerência norte-americana, a da Alemanha Federal foi mais célere em encontrar o tom que lhe convinha. Mais discreta, nem por isso foi menos eficaz. Tanto como [o norte-americano Frank] Carlucci [embaixador em Lisboa entre 1975 e 1978], foram [Fritz] Caspari [que tomou posse como adido na embaixada alemã em Lisboa, em 1975], [Willy] Brandt e [Helmut] Schmidt [chanceler alemão de 1974 a 1982] os pais do desenlace novembrista” de 1975, conclui o autor.

 



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