Mais de um ano após o incêndio, como está a “lixeira” de Vale da Venda? 

Licença da atividade está parcialmente suspensa desde Julho do ano passado

A Central em Julho deste ano – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Ainda lá permanecem resíduos, a licença de funções continua (parcialmente) suspensa, mas, afinal, em que estado se encontra a central de gestão de resíduos em Vale da Venda, onde, no dia 14 de Julho do ano passado, deflagrou um incêndio que, durante mais de um mês, continuou a arder? 

O caso é complexo, envolve tribunais, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, a Câmara de Loulé, concelho no qual a central se situa, apesar de estar no limite com Faro, e a empresa detentora do espaço, a Inertegarve.

Quatro dias após o início do incêndio do ano passado, a CCDR divulgou que havia suspendido a licença da “lixeira”, um procedimento que foi desenvolvido em colaboração com a GNR , com vista à «urgente resolução deste problema ambiental», esclareceu esta entidade pública na altura.

Agora, em declarações ao Sul Informação, José Pacheco, vice-presidente da CCDR, explica que a empresa detentora da Central de Gestão de Resíduos recorreu em tribunal daquela decisão, pedindo permissão para colocar as cinzas noutro espaço, mas não foi autorizada e a sentença de tribunal, que saiu a 16 de Junho, deu razão à CCDR.

«Nós não autorizámos por força da legislação, que obriga a que sejam feitas análises para ver que tipo de resíduos queimados resultaram dali. Só assim poderemos autorizar, ou não, a deposição num espaço que a empresa [Inertegarve] tem ao lado ou saber se terá de enviar para um aterro licenciado para o efeito. É que aqueles resíduos podem ter-se tornados perigosos com a combustão, sendo preciso saber o resultado dessas análises».

 

Central em Agosto de 2022, um mês após o começo do incêndio – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

O que acontece é que cabe à empresa realizar as análises de forma legal, com um laboratório certificado e a devida recolha das amostras, algo que, de acordo com a CCDR, até agora não aconteceu.

Contactada pelo Sul Informação em Julho, a Inertegarve afirmou que as análises «foram efetuadas, num laboratório certificado, no ano passado, e entregues os seus resultados no passado mês de Novembro de 2022 à entidade licenciadora da atividade», ou seja, à CCDR.

José Pacheco esclarece que «o laboratório é, de facto, certificado, mas a recolha das análises não foi feita de acordo com os procedimentos normais».

«A amostragem da análise não foi certificada ou realizada por técnico ambiental certificado para o efeito», diz, referindo que a CCDR «já manifestou a sua disponibilidade e intenção de acompanhar quando a empresa quiser fazer a recolha da análise». No entanto, a Inertegarve ainda não respondeu.

Não havendo análises, não poderá voltar a haver licença completa.

«Atualmente, a licença é parcial porque podem separar os resíduos que têm lá, não podem é receber mais, porque o sítio onde é a receção, de acordo com o projeto, é aquele onde ocorreu o incêndio», esclarece José Pacheco.

 

Central em Julho deste ano – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Também em declarações ao nosso jornal, José Apolinário, presidente da CCDR, admitiu que o Algarve «precisa destes estabelecimentos para cumprir o objetivo para que foram licenciados: recolha, seleção e valorização de resíduos. Somos uma economia circular, mas a legislação sobre isso é muito clara e diz que, para se ter um estabelecimento dessa natureza, tem de se cumprir determinados requisitos», o que, no caso na Inertegarve, não está a acontecer.

Ainda assim, caso as análises venham a ser realizadas nas devidas condições, não basta à CCDR passar a licença da atividade, é preciso também que a Câmara de Loulé dê a licença da ocupação.

«As condições em que a atividade é feita não é matéria da responsabilidade da Câmara de Loulé. À Câmara, cabe zelar pela defesa do bom estado do ambiente, de modo a que não seja nocivo à saúde pública e é nessa medida que nós acompanhamos. Temos tido um papel proativo para que o que se passa dentro daquela lixeira não possa nunca prejudicar a saúde das pessoas», disse ao Sul Informação Vitor Aleixo, autarca louletano.

 

No dia em que o incêndio deflagrou, a 14 de Julho de 2022 – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Mesmo depois de extinto, há muito, o fumo tóxico libertado pelo fogo lento que lavrou durante mais de um mês na central de gestão de resíduos em Vale da Venda, o autarca de Loulé diz que a Câmara continua a acompanhar a situação, com visitas ao local, para «saber se há sinais ou queixas de indícios de fumos. Se houver, para nós, é um alerta de ameaça à saúde pública. E, nessa medida, nós não deixamos de acompanhar a situação no local».

Questionado pelo Sul Informação sobre se a central continua a constituir perigo, o presidente da CCDR responde que não.

«Há uma coisa que é importante dizer: nós mantemos, juntamente com a GNR, com a Proteção Civil e os bombeiros de Loulé, um acompanhamento da situação», garante José Apolinário.

Por seu lado, José Pacheco frisa que «o objetivo é evitar que aquilo se torne num passivo ambiental, porque aí o problema será para todos nós».

 

 

Cronologia dos acontecimentos 

O incêndio na central de gestão de resíduos em Vale da Venda começou no dia 14 de Julho de 2022, às 10h45, na mesma altura em que decorria um grande incêndio na Quinta do Lago, que se estendeu ao concelho de Faro.

A 18 de Julho, a “lixeira” ainda continuava a arder e a CCDR suspendeu a licença. Quatro dias depois, a União das Freguesias de Faro mostrou-se «preocupada» devido à «pluma de fumo que invadia a cidade de Faro, com forte intensidade, causando sérios transtornos à população».

Em nota de imprensa, a autarquia apelou «à mobilização de todos os meios adequados e necessários para a rápida extinção deste fogo que está a afetar a saúde e a qualidade de vida de mais de 50 mil farenses».

Em Agosto, a “lixeira” continuava a arder e a delegada regional de Saúde determinou que era necessária a «extinção imediata».

De acordo com a responsável, a avaliação ao local «contemplou a determinação da concentração de Óxidos de Azoto, Monóxido de Carbono, Benzeno, Partículas em Suspensão na Atmosfera (fração PM10), Ozono e Dióxido de Enxofre, tendo-se verificado valores acima dos níveis de referência indicativos para os parâmetros Partículas PM10 e Benzeno».

Também Vitor Aleixo, presidente da Câmara de Loulé, exigiu nessa altura, à Inertegarve, que extinguisse o incêndio o mais rapidamente possível.

Já em Setembro de 2022, depois do fumo tóxico ter sido extinto, o autarca louletano manifestou-se referindo que «atendendo a que esta não é a primeira vez que esta situação acontece nesta unidade e que se trata de um perigo para a saúde pública, acho que a licença de atividade da empresa devia ser cancelada».

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!



Comentários

pub