Almargem e Zero têm «grandes reservas» sobre futura dessalinizadora

Perdas, custos e alterações climáticas estão na base da posição das duas associações

Foto de arquivo

As associações ambientalistas Zero e Almargem têm «grandes reservas» face ao «real contributo» da construção de uma Estação de Dessalinização no Algarve, cuja consulta pública ao Estudo de Impacte Ambiental terminou a 19 de Dezembro. 

As reservas das duas entidades dizem respeito aos objetivos de «garantir a resiliência do abastecimento público à população da região» e à «disponibilidade de água para os consumos atuais e futuros».

Para estas duas associações, «os documentos em consulta pública não justificam devidamente a necessidade do projeto, deixando de fora uma análise das necessidades hídricas para abastecimento público, atuais e futuras, caracterização das atuais origens, usos concorrentes e cenários previsíveis tendo em conta a hierarquia de usos e do contributo do projeto para suprir essas necessidades, dos impactes que o incremento da oferta de água para o setor urbano terá sobre os restantes usos (nomeadamente pelo regadio assente em monoculturas em larga escala) dos impactes socioeconómicos resultantes do aumento do preço da água, quer para os consumidores quer para as entidades gestoras dos serviços de abastecimento que operam na região».

Nesta posição conjunta, a Almargem e a Zero sintetizam as três «principais razões pelas quais consideram que este projeto deve ser alvo de um processo de avaliação mais aprofundado, não devendo estes aspetos serem remetidos para RECAPE (Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução)».

No último relatório da Entidade Reguladora dos serviços de Águas e Resíduos, é indicado que, nas 19 entidades gestoras do Algarve, a percentagem de água não faturada ronda, em média, os 30%, com entidades gestoras a superar os 50%.

«De acordo com o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, as perdas reais nas redes de distribuição superam os 13 milhões de m3 (13 hm3), ou seja, um volume que poderá ser superior ao de água dessalinizada inserido no sistema de abastecimento que será, em média, de 12,5 hm3/ano», dizem as associações.

Assim, na opinião da Almargem e da Zero, estará «em causa o cumprimento do objetivo de reforçar a resiliência hídrica do sistema de abastecimento do Algarve e de garantir as necessidades hídricas atuais e futuras do abastecimento público caso não exista um esforço efetivo para aumentar a eficiência das redes de abastecimento».

O investimento RE-C09-i01 – Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (PREHA) inclui um conjunto de medidas complementares, entre as quais a promoção da dessalinização da água do mar, onde se inclui a EDAMA, e também a redução das perdas de água no setor urbano.

Para esta última medida, gerida pela Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) ao abrigo do PREHA, o PRR prevê um investimento de 35 milhões de euros, uma verba recentemente reforçada em 8,9 milhões de euros, perfazendo um total de quase 44 milhões «para a reabilitação dos sistemas de abastecimento de água em baixa dirigido à redução de perdas reais de água».

No final da execução do projeto, prevê-se que «sejam reabilitados 125 km de rede de abastecimento de água em baixa, contribuindo para uma redução de 2 hm3 na procura de água nos sistemas naturais» (2), o equivalente a «pouco mais de 15% das atuais perdas reais do sistema, o que aparenta ser manifestamente insuficiente para justificar o investimento na dessalinização», diz o documento.

Outro dos aspetos apontados é o facto de não haver uma «análise do impacto que os custos de produção da água dessalinizada terão sobre as tarifas imputadas aos consumidores finais e sobre o equilíbrio económico-financeiro das entidades gestoras dos serviços de abastecimento».

Segundo a Zero e a Almargem, «considerando que a água dessalinizada poderá apresentar custos dez vezes superiores ao da água produzida de forma tradicional poderá agravar fortemente as tarifas a pagar pelos consumidores».

«Esta análise é ainda mais relevante quando a nova estratégia para o setor (PENSAARP 2030), recentemente aprovada em Conselho de Ministros, veio evidenciar a excessiva dependência de subsidiação de uma parte significativa das entidades gestoras e a necessidade de implementar aumentos tarifários como forma de redução dessa dependência e de garantir o cumprimento do princípio do utilizador-pagador, o que a concretizar-se no Algarve por força de se estar a introduzir no sistema de abastecimento, uma água com um custo de produção substancialmente mais elevado poderá fazer recair sobre os consumidores um esforço demasiado elevado», dizem.

A isto some-se ainda o facto de o projeto prejudicar «evidentemente o objetivo de mitigação das alterações climáticas pelo claro contributo em termos de emissão de gases de efeito de estufa, que é muito significativo».

«O EIA não estabelece uma argumentação consistente em contrário afirmando apenas que a construção de “um sistema de produção de energia renovável fotovoltaica” contribui para que o projeto não comprometa a mitigação das alterações climáticas. No entanto, a operação da central fotovoltaica, apesar dos seus 10 mil painéis a ocupar 4,5 hectares, apenas cobre 14% da energia necessária, sendo o restante da energia proveniente da rede pública, aumentando a demanda por energia e as emissões de GEE (mais de 9 000 tCO2eq/ano – ao longo da vida útil serão 270 000 t CO2eq)».

«Existe ainda a afetação de habitats protegidos, incluindo habitats prioritários. As Diretivas Aves e Habitats (Diretiva n.º 79/409/CEE e n.º 92/43/CEE) pressupõem a proteção de certas espécies e habitats, independentemente de se encontrarem dentro de áreas protegidas, contudo, a análise da conformidade com o princípio DNSH incide somente na afetação de áreas de Rede Natura 2000, sem fazer uma ponderação dos habitats afetados, entre eles três prioritários (6220 (*Subestepes de gramíneas e anuais da Thero-Brachypodietea) e habitats dunares 2130 e 2270.) nem relativamente à afetação da Important Bird Area (IBA) Vilamoura», conclui o comunicado.

A futura Estação de Dessalinização de Água do Mar do Algarve deverá ser construída numa zona junto ao troço final da ribeira de Quarteira, perto da praia da Rocha Baixinha, no litoral do concelho de Albufeira.

A construção da dessalinizadora é uma das medidas financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência, para o Algarve, com um investimento de cerca de 90 milhões de euros.

A central terá uma capacidade até 24 hectómetros cúbicos.

 



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