A arqueologia no Algarve tem «grande potencial», porque ainda há muito por fazer

ERA Arqueologia abriu uma delegação no Algarve em 2019 e já realizou 384 projetos

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Nasceu em 1997, numa altura em que «a arqueologia se começava a profissionalizar», «na fase do Alqueva e em que começavam a surgir exigências maiores nestas áreas». Desde o começo, a ERA Arqueologia trabalhou por todo o país, mas em 2019, «dado o número de solicitações», justificou-se a abertura de uma delegação no Algarve, onde já foram realizados 384 projetos.

«Face à quantidade de trabalho que existia e aquilo que nos parecia que era o potencial de realização de serviços de arqueologia no Algarve, nós, desde muito cedo, começámos a pensar em ter uma estrutura dedicada à região para dar resposta às necessidades», explica em entrevista ao Sul Informação Miguel Lago, sócio fundador da ERA Arqueologia, de que é administrador delegado e responsável pela Área de Projetos.

Por cá, a equipa é constituída por Eliana Correia, Rita Dias e Francisco Correia, que frisa que, «de um ano para o outro, os projetos da ERA no Algarve foram sempre subindo».

«Em 2019, houve já projetos adjudicados, no ano de 2020, marcado pela pandemia, conseguimos dobrar o número de projetos, não houve muita afetação na nossa área, e, para 2021, quadruplicámos o número de projetos. Por ano, temos aproximadamente 40 propostas adjudicadas para o Algarve e, desde que foi criada esta delegação, já tivemos 130», continua o arqueólogo.

No escritório da ERA de Faro, localizado num dos gabinetes da UAlg Tec Start no Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, há um quadro cheio de projetos em curso, futuros e outros já realizados, de uma ponta à outra do Algarve.

Como afirma Miguel Lago, uma equipa fixa de três pessoas é, atualmente, «curta para as necessidade que temos» e é por isso que, em projetos maiores, é preciso contratar «pessoas de fora».

Há 27 anos, quando a ERA nasceu, começavam também a aparecer as várias solicitações de trabalhos arqueológicos. Porquê?

«A meio dos anos 90 é quando há uma mudança nestas questões que têm que ver com ordenamento do território, impactes ambientais… e a arqueologia vai muito a reboque de todos esses instrumentos de avaliação, definição de medidas que têm de ser aplicadas e depois execução dessas medidas: quer seja no ambiente, quer seja no património», diz Miguel Lago.

«Havia muita coisa que passava ao lado, obras que eram feitas sem qualquer tipo de trabalho arqueológico, não havia definição rigorosa do porquê de ter ou não arqueologia. Os primeiros projetos em que houve exigências da arqueologia foram grandes projetos de obras públicas, como, por exemplo, o Alqueva, onde já estava incorporada a componente de património», continua.

 

Foto: ERA Arqueologia

 

Na sua entrevista ao Sul Informação, este responsável explica ainda que «hoje em dia, a arqueologia existe, essencialmente, por três razões».

«Uma que tem a ver com a investigação, que é uma arqueologia que emerge muito das universidades. Depois temos os Municípios, que têm alguns projetos de arqueologia, um bocadinho ligados à musealização dos sítios (…), e depois há a outra, que é a esmagadora arqueologia que se pratica em Portugal, que é uma arqueologia concretizada a propósito de estudos de impacte ambiental, ou por razões relacionadas com os próprios PDM dos municípios, que definem determinadas zonas de sensibilidade histórica ou arqueológica, que pressupõem intervenção».

A Fortaleza de Jerumenha, em Elvas, os Banhos Islâmicos, em Loulé, os Campos de Golfe do Grupo Pestana, em Lagoa, ou o Complexo Arqueológico dos Perdigões, em Reguengos de Monsaraz, onde trabalham desde a fundação da ERA e que até já é monumento nacional, são alguns dos trabalhos que a equipa utiliza para exemplificar como a complexidade e tempo de projeto muda de sítio para sítio.

Em relação à motivação, não escondem que «quanto mais interessantes os projetos forem do ponto de vista patrimonial», mais cativante será para um arqueólogo.

«Eu acho que, a nível nacional, o mais antigo projeto de investigação arqueológica a decorrer de forma sistemática e continuada, com muita investigação, reconhecimento internacional, muitas entidades envolvidas do âmbito da investigação, várias universidades estrangeiras, portugueses, financiamentos de vários locais, é o Complexo Arqueológico dos Perdigões», diz Miguel Lago.

Já no Algarve, de acordo com a equipa, um dos locais onde mais trabalham é Silves e, em contrapartida, São Brás de Alportel ou Olhão são dos que têm menos trabalho arqueológico.

«Isto depende também de como as Câmaras estão atentas a estes temas e dos mapeamentos de sítios arqueológicos já feitos», reitera Miguel Lago.

Contudo, alerta:

«É preciso que as pessoas entendam que isto do mapeamento dos sítios arqueológicos a nível municipal ou nacional é uma coisa que nunca está feita. Há sempre novos sítios arqueológicos a serem gerados pela vivência dos humanos no território. Por outro lado, o que nós conhecemos de vestígios arqueológicos deixados no passado depende da nossa capacidade de os identificar. Há muitas coisas que nós não identificamos porque não passámos lá, porque estão enterradas, porque não se veem, portanto, o que nós sabemos é sempre, de alguma forma, dependendo dos sítios, a ponta do iceberg».

 

Foto: ERA Arqueologia

 

Foram, aliás, estas condicionantes que levaram a equipa do Algarve da ERA a criar o projeto “Odyssey Sensing Project“, com o objetivo de «reforçar a investigação, o desenvolvimento tecnológico e a inovação».

É um projeto desenvolvido por um consórcio liderado pela ERA Arqueologia, em parceria com as Universidades de Aveiro e da Maia, cofinanciado pelo CRESC Algarve 2020, Portugal 2020 e FEDER.

«É um projeto muito importante, porque nos permite dar um salto grande na identificação, caracterização e delimitação dos sítios. Depois, tem também muita importância em termos de gestão do território,  porque, quando nós não conhecemos bem os sítios arqueológicos, podemos estar a condicionar, por exemplo, a utilização dos territórios, dos terrenos, de proprietários privados, sem perceber muito bem porque é que ele está a ser condicionado», explica o administrador.

Segundo Rita Dias, o projeto está já a ser desenvolvido por todo o país e até internacionalmente.

«Este projeto avançou até um certo ponto, atingimos grande parte dos objetivos, mas já estamos a pensar numa continuidade, porque chegámos à conclusão de que é preciso mais investigação científica», continua a arqueóloga.

Quatro anos depois de se ter instalado no Algarve, a ERA arqueologia considera que esta delegação era «essencial».

«A lógica da ERA tem muito a ver com esta criação de diferentes polos regionalizados que permitem criar uma proximidade aos problemas de diferentes regiões. E, por outro lado, permite uma tendencial especialização e fixação dos próprios profissionais. Se nós só tivermos uma equipa em Lisboa e trabalharmos em todo o país, não vamos criar, de facto, raízes em sítios e não vamos ajudar a resolver os problemas da mesma forma», considera Miguel Lago.

Instalados em Lisboa, Porto, Faro, Sines, Évora e Madeira, Miguel Lago não deixa de considerar que «o trabalho de um arqueólogo passa muito despercebido», mas, na sua opinião, isso também se deve ao facto de se «comunicar pouco e mal».

«Tudo começa pela tutela do Património, que podia comunicar muito mais. Se nós temos, ao longo do ano, se calhar, mil licenciamentos arqueológicos ou mais, é absurdo como é que a tutela não divulga isso publicamente, não envia, por exemplo, à comunicação social uma newsletter mensal ou trimestral, o que seja. O próprio Ministério da Cultura, que tutela, licencia, faz fiscalização e aprova os trabalhos, nem sequer tem a capacidade de divulgar devidamente toda esta imensa atividade arqueológica», aponta.

Para combater esta situação, o sócio fundador da ERA Arqueologia frisa que a empresa tem feito um esforço para mudar o paradigma, através da divulgação de vários trabalhos nas redes sociais da empresa, tentando assim chegar «quer ao meio científico quer ao cidadão comum».

«O resultado de muitos dos trabalhos que são feitos podia-se resumir à entrega de relatório à tutela do património e ao cliente e pronto!  Mas nós, muitas vezes, face à importância das coisas que daí resultam, procuramos desenvolver projetos complementares, prosseguimos a investigação, e temos uma área específica de investigação na área», remata, reforçando que, nesta área, é muitas vezes preciso «ir mais além».

 

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