Mercado de Silves reinventa-se, entre a tradição e a inovação

O Sul Informação está a visitar os 18 mercados que fazem parte da Rede Regional de Mercados Locais… e a degustar os petiscos gratuitos!

A D. Isabelinha, entre os pães que vende – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A D. Isabel Boto, mais conhecida como Isabelinha, é a vendedora mais antiga do Mercado Municipal de Silves. Vende aqui há 63 anos, tendo hoje a bonita idade de 85 anos.

Hoje, a D. Isabelinha tem uma banca de pão, alentejano, de Almodôvar. Tem clientes fixos, que lhe encomendam o pão, mas também vende a outros. O sábado é o dia em que mais lhe compensa vir ao mercado, porque vende «cerca de 150 pães». Nesse dia, até precisa de ajuda da nora, que tem um lugar de flores, ali ao lado. «Sozinha já não dou vazão», confessa.

Mas nem sempre a D. Isabelinha vendeu pão. Antes, com o marido, trabalhou no talho, ali na porta mesmo em frente, hoje fechado. «Faziam bicha que até chegava à porta do Mercado. Vendia-se ali sempre muitíssimo. E vendia-se tudo. Vendia-se os pezinhos, vendia-se as peles, ossos, vendia-se tudo. Aproveitava-se tudo. Dobrada, mãos de vaca, todas essas coisas. Os ossos era para pôr na panela».

Outros tempos… «As pessoas agora habituaram-se só a comer do bom e do melhor. E no fundo só comem porcarias», comenta D. Isabelinha.

Com um saber de experiência feito, comenta que «até as carnes dos talhos agora são diferentes. Antes vendíamos os borregos comprados ali ao produtor, os porquinhos, as vacas de criação aí da zona». Agora sabe-se lá de onde vêm as carnes e como são criadas?

Há uns 28 anos, deixou o talho, «porque já não dava». Foram abrindo os supermercados grandes, tiraram freguesia aqui ao Mercado. Fiquei só com a banca do pão».

 

A D. Isabelinha, a atender um cliente – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Depois das obras de remodelação do Mercado Municipal de Silves, D. Isabelinha foi das primeiras a voltar para ocupar uma banca. Mas confessa que «gostava mais quando o mercado estava antigo. Agora parece um supermercadozinho, uma coisinha assim… Até os clientes mais antigos e os estrangeiros que aí vivem e são meus clientes dizem que antes era mais bonito».

Com 85 anos, 63 dos quais passados a trabalhar ali, D. Isabelinha já viu muita coisa acontecer. E, recordando que «as pessoas antigas vinham muito mais no mercado», também admite que muitos desses seus fregueses «já morreram».

Mas o grande problema, salienta, são estes supermercados modernos que vão abrindo. «Já são tantos… Não pode haver fregueses para tudo, não é?».

Apontando para uma das portas laterais do Mercado, diz: «O supermercado que construíram aqui ao lado ficou bonito, que aquilo estava tudo velho. Mas as pessoas vão ali e já não vêm aqui. Ali é fácil estacionar. Aquilo tira muita freguesia ao Mercado».

A D. Isabelinha, com a qualidade do pão que vende e os clientes certos, continua a levantar-se todos os dias às 6 horas da manhã para estar ali às 7. Ainda vai vendendo.

«Então, se a pessoa vem para aqui fazer 30 ou 40 euros, vale a pena levantar cedo? Tem muita gente aí que não faz mais que isso», comenta.

«Eu estou aqui entretida, vou conversando com as pessoas. Hoje trouxe croché mas ainda nem lhe toquei, felizmente tenho tido clientes».

E a chegada do Natal, pode animar mais o Mercado? Para mais porque há banquinhas de artesanato e produtos referentes à quadra natalícia? «As pessoas virem passear aqui anima. Pois. Anima, mas não é negócio», responde, muito prática.

Mesmo os estrangeiros, «vêm cá, vêm tudo, tiram fotografias, mas compram pouco. Um frasquinho de mel, pouca coisa».

Um dia, admite, também D. Isabelinha terá de deixar o seu lugar na praça de Silves. Mas tem esperanças de que a nora continue.

Mesmo a conversar com o Sul Informação, mantém-se atenta: «Olha, uma clientezinha», exclama, dando a conversa por terminada. Voltando para a freguesa, habitual, pergunta, «Então hoje quer um pãozinho com cabeça, não é?».

 

O Senhor Carlos, sempre de sorriso na cara – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Um pouco mais à frente, Carlos Lourenço, o Senhor Carlos, é o mais antigo vendedor de peixe no Mercado de Silves. «Tenho 63 anos e já cá estou desde os 20. Ora faça lá as contas», atira, com um sorriso. Esta é fácil: trabalha aqui há 43 anos.

E muita coisa mudou. «Antes, além de se vender muito mais na praça, fornecia peixe a escolas, a lares de idosos. Agora eles têm lá umas firmas, compram mais barato. Mas não compram melhor!», garante, pegando num carapau tão fresco que parece quase saltar-lhe da mão.

Agora, sobretudo no Verão, ainda tem uns restaurantes que lhe compram peixe. «E há sempre uns grupos de amigos que querem fazer umas assadas ao fim de semana e que vêm aqui comprar sardinhas, já me conhecem». Mas «é mais no Verão. Agora, vende-se menos peixe, de todas as qualidades que aqui tenho».

Enquanto o Mercado de Silves esteve em obras, o Senhor Carlos gostou de estar nas instalações provisórias, junto à Fissul. «Ali tinha mais largueza, espaço onde estacionar. O dinheiro que gastaram aqui, deviam ter gastado lá, a fazer um mercado novo, com estacionamento à farta», defende.

Também o Senhor Carlos admite que a abertura dos modernos hipermercados, um deles quase paredes meias com a praça de Silves, veio roubar muitos clientes. A ele, o que lhe vale é ter fregueses antigos: «já estou habituado a ter os avós e os pais e agora são os filhos que me compram. São 43 anos que estou aqui…»

 

O Sr. Luís, entre Aura Fraga e Tito Coelho, com o avental novo – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Mais à frente, nas bancas do centro, Luís Marques já vende ali há «na volta de 50 anos». «Primeiro era a minha mulher que vendia, agora, desde que me reformei, sou eu que venho».

Na sua banca há frutas e legumes com ar fresco e viçoso, alguns acabados de colher nessa manhã. «As laranjas são lá da minha horta!», sublinha, pegando numa delas. «Este ano são miúdas, porque as árvores carregaram muito. Mas são docinhas e cheias de sumo, até dá gosto!».

Naquela manhã de quarta-feira, há poucos clientes na praça. «No Verão ainda se trabalha mais ou menos, mas agora, com o tempo mais fresco, o pessoal vem menos…», lamenta o Senhor Luís.

Também não há tantas «excursões de estrangeiros, que passam sempre por aqui. Quando há excursões, eles sempre levam uma coisinha para recordação».

 

Ilda Elias, com o seu artesanato – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Ilda Elias vende artesanato feito por ela própria no Mercado de Silves, numa banquinha a imitar um carrinho, preparada pela Junta de Freguesia, entidade que gere a estrutura.

Antes, vendia nos mercadinhos de Natal, mas desde que o Mercado abriu renovado aceitou o desafio de ali estar, todos os dias.

Hoje, admite que «há menos gente no Mercado, mas também porque são tempos diferentes. Eu estou morando aqui há 40 anos e há 40 anos só cá tínhamos a praça, os talhos da praça e um supermercado. Agora há aí hipermercados de todas as marcas, não tem nada a ver!».

As suas peças de artesanato são compradas tanto por portugueses, como por estrangeiros. Mas Ilda diz que estes «ultimamente também não têm comprado muito, lá nos países deles também têm problemas… depois da pandemia, então, tem sido uma razia…»

A sua esperança é que o Natal traga mais fregueses, até porque Ilda Elias tem peças de artesanato adaptadas à quadra.

 

A D. Odete, a fazer empreita – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Mais à frente, noutra banquinha semelhante, está a D. Odete Martins, a fazer empreita. Na banca, tem peças já prontas: cestinhos, malas e alcofas, individuais, tudo entrançado com a folha de palma que, confessa, é ela mesma que vai apanhar ao campo. «Também vendem aí dos espanhóis, mas uma mãcheínha custa logo 30 ou 40 euros e não me dá para nada».

A D. Odete vende o seu artesanato no Mercado de Silves há meia dúzia de anos, desde que se reformou do trabalho no Museu de Arqueologia. Antes, só se dedicava ao croché e ao ponto cruz, mas, quando se reformou, resolveu experimentar a tradicional empreita. «Vi a minha mãe e a minha avó a fazerem, antigamente. E resolvi experimentar, sempre fui boa em coisas de mãos». E foi assim que começou a vender as suas peças no Mercado.

A D. Odete é uma das vendedoras que, na quarta-feira da semana passada, recebeu das mãos do presidente da Junta de Freguesia (Tito Coelho) e da diretora da associação Vicentina (Aura Fraga) um bonito avental azul escuro, com o logotipo da Rede Regional de Mercados Locais do Algarve, na qual o de Silves se insere.

Foi também uma das primeiras a provar a original sopa de Cenoura, Laranja, Figo e Gengibre que era o petisco do dia, oferecido aos clientes e vendedores da praça, pelo chefe Mário.

A Rede Regional de Mercados Locais do Algarve, que já tem um site, uma marca e identidade própria, juntando 18 mercados de oito concelhos do Algarve, é coordenada pela associação de desenvolvimento Vicentina, que estabeleceu inúmeras parcerias para levar àvante este projeto, financiado pelo PADRE – Plano de Ação para o Desenvolvimento dos Recursos Endógenos, integrado no CRESC Algarve 2020.

O objetivo, como salientou Márcio Viegas, presidente da Vicentina, é «arranjar formas alternativas para trazer as pessoas aos mercados», seja com concertos e atuações musicais, exposições, degustações e showcookings, ou com outras iniciativas, como tem acontecido em Silves, com o Mercado Fora d’Horas.

 

A carripana do “Há Petisco no Mercado” – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

No âmbito do lançamento da rede, está também a decorrer a iniciativa Há Petisco no Mercado! «Pedimos às entidades gestoras de cada mercado qual o seu produto representativo», explicou Beatriz, uma das técnicas da Vicentina. Em Silves, num mercado gerido pela Junta de Freguesia local, o produto escolhido foi a laranja… que deu origem a uma saborosa sopa de cenoura, laranja, figo e gengibre. «Toda a gente está a gostar!», garantia o chef Mário.

Mas, dos petiscos servidos gratuitamente aos visitantes, vendedores e restantes operadores dos mercados, já constou rissol de berbigão, carapaus alimados, xerém com porco preto, tartelete de figo, queijo cabra e amêndoa, salada de funcho com laranja e figo, cone de morcela com pero de Monchique… Tudo de provar e chorar por mais.

Depois de, no sábado passado, ter havido petisco nos Mercados de Sagres e Vila do Bispo, a iniciativa vai ainda passar pelo Mercado de Moncarapacho, no interior de Olhão, esta quarta-feira, 6 de dezembro, pelos de Mercado de Almádena e Espiche, no sábado, dia 9, e finalmente pelo de Aljezur, no dia 16.

Além das compras habituais de produtos frescos e locais, entre as 9h30 e as 13h00, em qualquer um desses mercados e datas, haverá petiscos deliciosos para provar…de graça! E, mesmo quem não tinha pensado entrar no Mercado, depressa é contagiado pelo entusiasmo de um divertido casal de gigantones, que, de megafone na mão, incita os mais indecisos.

Mas não é só para fora que se promove iniciativas. No dia 16 de Dezembro, a Junta de Freguesia de Silves vai promover, no Mercado da cidade, «um jantar partilhado, para o qual estamos a convidar os produtores e comerciantes. É para, à noite, estarmos aqui todos, a conviver».

O jantar partilhado, segundo explicou o autarca Tito Coelho ao Sul Informação, tem ainda outro objetivo: a solidariedade com as famílias mais carenciadas. «Também tem o objetivo de angariar alimentos para doarmos à paróquia, que fará a distribuição às pessoas necessitadas. É que há muitos, muitos pedidos de ajuda».

Entretanto, até ao dia 8 de Dezembro, no átrio central do Mercado de Silves, está a ser montado um presépio, com «grandes peças únicas em barro, feitas por um artesão». No dia de Nossas Senhora da Conceição, feriado nacional, o presépio será inaugurado.

«Será mais um atrativo para as pessoas virem ao mercado», defende o presidente da Junta de Freguesia.

«Temos falta que a malta jovem venha mais ao Mercado. Os de mais idade já frequentam, mas precisamos de renovar os clientes. A remodelação do edifício veio ajudar, mas precisamos de ir criando aqui pontos de atração». Um deles é o presépio, mas a mais se seguirão.

Apesar de os vendedores andarem desanimados com a falta de clientes, há quem não baixe os braços. Que o diga a D. Odete: «estas coisas são boas para divulgar os nosso Mercados! Precisamos de mais iniciativas deste género para ter aqui mais gente!».

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 

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