Morreu Margarida Tengarrinha

Vivia, desde que saiu da Assembleia da República, na Praia da Rocha

Margarida Tengarrinha, resistente anti-fascista, membro destacado do Partido Comunista e artista plástica, morreu esta quinta-feira, dia 26 de Outubro, aos 95 anos, soube o Sul Informação junto de fonte ligada à família. Estava internada no hospital de Faro, onde veio a falecer.

Nascida em Portimão a 7 de Maio de 1928, Margarida Tengarrinha foi artista, escritora, professora, revolucionária, deputada da Assembleia da República, militante e dirigente do Partido Comunista Português. Foi ainda professora de Artes na Universidade Sénior de Portimão, bem como membro fundador e dirigente do Grupo dos Amigos do Museu de Portimão.

Oriunda de uma família da pequena burguesia de Portimão (o seu pai era o diretor do Banco de Portugal na cidade), desde muito nova que Margarida privou com artistas, nomeadamente com Samora Barros ou com o seu próprio pai. Foi este que, contra a vontade da mãe, a apoiou quando manifestou o desejo de ir estudar para a Escola de Belas Artes, em Lisboa.

Aí, Margarida Tengarrinha viria a conhecer o seu futuro companheiro e pai das duas filhas – Teresa e Margarida -, tendo também iniciado os seus contactos com o mundo da resistência à ditadura.

Foi nas Belas Artes que, em 1948, iniciou a sua atividade política, como coordenadora dos alunos dessa escola no Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil, de oposição ao Estado Novo. Mais tarde, fez campanha pela saída de Portugal da NATO, participando nas manifestações em Fevereiro de 1952, em Lisboa, aquando da cimeira dessa organização na capital lisboeta.

 

Margarida Tengarrinha, no tempo das Belas Artes

Foi isso que levou à sua expulsão da Escola de Belas Artes (com 81 outros alunos e professores, nomeadamente José Dias Coelho). Foi também proibida de dar aulas na Escola Preparatória Paula Vicente, onde era professora, bem como de se inscrever noutro estabelecimento de ensino público.

Sem meios de subsistência, foi uma outra grande mulher oposicionista, Maria Lamas, que lhe deu trabalho, na revista «Modas & Bordados», onde escrevia sob pseudónimo.

Durante a ditadura de Salazar, viveu na clandestinidade, com o seu companheiro José Dias Coelho, a partir de 1955. Os dotes artísticos do casal foram aproveitados pelo PCP para a falsificação de documentos, como Margarida Tengarrinha contou no seu livro «Memórias de uma Falsificadora», editado em 2018.

Durante esse período, vivendo em vários locais do país, sempre na clandestinidade, com nome e identidade falsa, Margarida Tengarrinha foi ainda redatora dos jornais A Voz das Camaradas e Avante!.

O seu companheiro José Dias Coelho foi assassinado a tiro, pela PIDE, poucos dias antes do Natal, a 19 de Dezembro de 1961. Margarida só veio a saber da morte uns dias depois, através de um seu camarada do PCP. Desde então, o Natal, que lhe dizia pouco, passou a ser um tempo de tristeza.

Na sequência deste triste episódio, Margarida saiu da clandestinidade para ir para a União Soviética, para Moscovo, onde trabalhou (de 1962 a 1964) diretamente com Álvaro Cunhal, então secretário-geral do PCP, no exílio. Ajudou Cunhal na escrita do seu livro «Rumo à Vitória – As tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional».

Seguiu depois para Bucareste, na Roménia, onde foi editora da Rádio Portugal Livre, que era transmitida clandestinamente para Portugal.

As várias identidades durante a clandestinidade

 

Como sempre desejou voltar a Portugal, regressou em 1968, entrando de novo na clandestinidade, em Lisboa, no Porto e em Vila Real. Voltou igualmente a trabalhar nos jornais do partido, nomeadamente n’A Terra, publicação destinada aos camponeses, e no Avante!

Depois da revolução de 25 de Abril de 1974, regressou a Lisboa, trabalhando na definição da política do PCP para a Reforma Agrária e tornando-se membro do Comité Central do partido, onde se bateu pela inclusão de mais mulheres nos órgãos de direção e nas listas de deputados.

Foi ela própria eleita deputada pelo Algarve, entre 1979 e 1983. Descontente com o trabalho como parlamentar, regressou ao Algarve em 1986, vivendo desde então na Praia da Rocha, num apartamento de frente para o mar, num prédio construído no local onde o seu pai tinha uma casa de férias.

 

Entrega do Prémio Maria Veleda

 

Em 2016, foi a primeira distinguida pelo prémio Maria Veleda, criado pela Direção Regional de Cultura do Algarve, para destacar e reconhecer a atividade cultural de personalidades algarvias, protagonistas de intervenções particularmente relevantes e inovadoras na região.

Ao longo dos anos, publicou diversos livros: Samora Barros: Pintor do Algarve (1990), Da memória do povo: recolha da literatura popular de tradição oral do concelho de Portimão (1999),  Quadros da Memória (2204), Memórias de uma falsificadora (2018).

Fez ainda ilustrações para dois livros: Um Algarve outro, contado de boca em boca: estórias, ditos, mezinhas, adivinhas e o mais, texto de Glória Marreiros (1999) e Leonor Leonoreta : ensaio de ternura : novela poética, texto de Filipe Chinita (2015).

 

Margarida Tengarrinha e Gisela Lima, voluntárias do Grupo dos Amigos do Museu de Portimão

 

No campo das artes plásticas, fez várias exposições, depois do 25 de Abril de 1974. Em Maio de 2009, aquando da inauguração do Museu de Portimão, foi com uma exposição sua, denominada «Matamorfoses», que abriu a sala de exposições temporárias dessa estrutura museológica.

Margarida Tengarrinha viria a ser membro fundador e grande entusiasta do Grupo de Amigos do Museu de Portimão, do qual era atualmente vice-presidente da Assembleia Geral. Foi também voluntária em muitas das atividades do GAMP, nomeadamente nos Dias da Pré-História, nos Monumentos Megalíticos de Portimão.

Mulher sempre destemida, recebeu como prenda dos seus 90 anos um voo de parapente. Nunca chegou a cumprir o seu sonho de saltar de paraquedas.

Em Maio e Junho do ano passado, na sua última exposição, denominada «Raízes», que teve lugar no Museu de Portimão,  a artista fez uma visita guiada para o Sul Informação, contando alguns episódios ligados às obras expostas, como se pode ver nesta reportagem em vídeo, clicando aqui.

Na mesma ocasião, Margarida Tengarrinha teve uma longa conversa autobiográfica com o nosso jornal, naquela que ela própria classificou como a sua «última entrevista». Reveja aqui a entrevista em vídeo.

Fonte ligada à família informou que as exéquias de Margarida Tengarrinha estão marcadas para dia 31 de Outubro. O corpo estará na casa mortuária junto à Igreja do Colégio, em Portimão, a partir das 9h30, seguindo às 12h30 para o crematório de Albufeira.

 

Margarida Tengarrinha

 

Atualizada às 17h20, acrescentando a informação sobre as cerimónias fúnebres.

 

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