Alfarroba: o crime já não compensa

Furtos de alfarroba caíram a pique este ano

Macário Correia – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

Os números não mentem: em 2022, foram apreendidos cerca de 46 mil quilos de alfarroba furtada em todo o Algarve. O tema foi polémico, eram quase diárias as notícias sobre as apreensões e até houve uma manifestação de produtores. Um ano depois, o cenário é oposto e os furtos quase desapareceram. Porquê? 

O Sul Informação foi à procura de respostas e encontrou-as junto de quem mais sabe: os produtores e quem os representa.

André Coelho, jovem produtor do concelho de Loulé, explica, com uma só frase, o que se passa: «o furto deixou de ser rentável».

«Os furtos diminuíram devido à escassez de produto e ao valor que a alfarroba tem neste momento que ronda os 10 euros a arroba [15 quilos]. No ano passado, chegou a valer 50 euros», adianta.

Em 2022, conta, foi vítima de furtos, mas este ano, com a apanha já terminada, tal não aconteceu.

Os dados gerais das apreensões, enviados ao Sul Informação pela GNR, comprovam o decréscimo no número de furtos.

Dos 45.952 quilos apreendidos em 2022 (principalmente nos concelhos de Castro Marim, Vila Real de Santo António, Silves, Albufeira e Loulé), passou-se para 166 quilos este ano (dados até 31 de Agosto).

Também em 2022, registaram-se 397 crimes; este ano, apenas 29.

«Como o valor está tão baixo… o que acontece é que o mercado atingiu um pico com que ninguém contava. Quem usa os produtos derivados da alfarroba, como o valor chegou aos 50 euros, teve de arranjar outras alternativas», exemplifica André Coelho ao nosso jornal.

 

Horácio Guerreiro e André Coelho – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

A isto junta-se o facto de a produção ter sido «manifestamente má».

«A produção baixou muito, cerca de 50%. Isso deve-se à seca: temos o pior ano de sempre na agricultura em Portugal», diz.

«A alfarrobeira é uma cultura de sequeiro. Com exceção de alguns pomares, até já temos alguma rega de apoio, mas essa rega não tem nada a ver com a água da chuva. Não há humidade, não chove há quase oito meses, estamos numa seca severa e isso afeta a produção de alfarroba», acrescenta.

«Ou seja, os furtos não existiram… mas por uma má razão», lamenta.

Horácio Piedade é o presidente do Conselho de Administração da cooperativa Agrupa – Agrupamento de Produtores de Amêndoa e Alfarroba, que tem 400 sócios.

Em declarações ao Sul Informação, o responsável adianta que teve conhecimento de «alguns furtos», mas todos «sem grande significado».

«Mesmo quem vai fazer o furto, pensa: não me vou queimar para apanhar uma arroba de alfarroba», diz.

O flagelo do furto de alfarroba levou mesmo a que, em Julho do ano passado, a Agrupa organizasse uma manifestação de produtores de alfarroba, em Loulé.

Os agricultores quiseram demonstrar o seu descontentamento pela ausência de medidas que mitigassem esses furtos.

Na altura, foi feita uma proposta de lei que resultou de um grupo de trabalho, criado pela Direção Regional de Agricultura e Pescas, que juntou a Agrupa, a AIDA (Associação Interprofissional para o Desenvolvimento da Produção e Valorização da Alfarroba), a ASAE, a Autoridade Tributária, a GNR e a AMAL.

Desse grupo, saiu uma proposta que passava pela associação de um título de posse ao ato de venda: ou seja que, quando se vende alfarroba, passe a ser necessário provar que se é o proprietário legítimo desse fruto.

Um ano volvido, o documento… «continua numa qualquer gaveta».

«Eu mandei uma carta há três meses e espero que a senhora ministra da Agricultura me responda. Aquilo que ela se comprometeu comigo não está no terreno. Se tivesse sido um ano normal, estaríamos aqui a falar do mesmo [furtos] porque a senhora ministra está impávida e serena no seu gabinete», diz ao nosso jornal.

Horácio Piedade vai mais longe. «Se o Governo não fizer nada, mantemos a ideia de cortar a EN125, agora antes das Eleições Europeias, porque infelizmente os políticos só nos ouvem quando estão em causa os votos», critica.

 

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

 

De resto, até há um projeto a andar, contra o flagelo do furto de alfarrobas, mas que é promovido pela Câmara de Tavira e pela GNR e que assenta numa plataforma que agregará informação sobre as propriedades e sobre quem tem autorização para fazer a apanha.

Para Horácio Guerreiro, é até contraproducente que o Governo não trate «com outros olhos» as alfarrobeiras.

«A ministra tem de ter o cuidado de olhar para as alfarrobeiras do Algarve porque estas são umas árvores que beneficiam o Governo neste período de seca. A alfarrobeira não precisa de grande manutenção a nível de água, apesar de precisar de chuva, por isso é uma cultura de futuro», considera.

Nessa manifestação do ano passado, houve um vulto de peso: Macário Correia, antigo presidente das Câmaras de Faro e Tavira (PSD) e ex-secretário de Estado do Ambiente, atual agricultor.

Vítima de furtos em 2022, este ano o cenário é totalmente oposto, como conta ao Sul Informação.

«Este ano, não fui vítima de nenhum furto, nem tenho notícia disso aqui à volta. Os furtos têm a ver obviamente com o valor do objeto: o que não tem valor, não é procurado. Com as alfarrobas a 50 euros, com meia dúzia de baldes junto a uma estrada fazia-se dinheiro. Neste momento, para fazer esses mesmos baldes, têm de andar o dobro do tempo e ganham menos.», diz.

A produção também caiu a pique.

«No ano passado, produzi cerca de 3 mil arrobas – este ano, cerca de 1300. Há árvores a secar, em que o stress hídrico é tanto, que entram no quociente de emurchimento e depois secam, algo que não tinha acontecido no ano anterior», relata.

A juntar a estas dificuldades, o preço da mão de obra também subiu.

 

 

 

 

«Não andamos a mendigar apoios, sabemos das oscilações, mas a verdade é que, quem trabalha em agricultura, tem visto os preços dos seus produtos a baixar», diz.

Segundo o antigo autarca, o grande problema do mercado está «na absorção da semente» que é o «mais valioso» da alfarroba.

«Dizem-me alguns especialistas que terá havido uma mudança de agulha, por parte dos industriais das químicas de ponta, que usavam a semente de alfarroba para estabilização de processos químicos e que, entretanto, estão a procurar alternativa devido ao preço dos últimos anos», explica.

A queda da produção, o preço atual, as perspetivas… tudo concorre para os receios de Macário Correia.

«Eu fiz pomares de alfarrobeira e tinha neles uma certa esperança. Mas agora, vejo-os com preocupação», conclui.

 

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