Desde a prisão ao exílio: Tertúlia Farense foi palco para 9 testemunhos sobre o 25 de Abril

Nove pessoas contaram as suas memórias do dia e dos tempos que se seguiram à Revolução dos Cravos

Liliana Palhinha – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

Liliana estava presa em Caxias, Clarinda estava no exílio, treinou técnicas de guerrilha e sabia operar uma Kalashnikov. Luís aderiu ao MFA e acabou a ditar a lei e ordem e a resolver conflitos a partir do Regimento de Infantaria nº4, em Faro. Todos eles são algarvios e deram o seu testemunho numa reunião especial da Tertúlia Farense, dedicada aos 50 anos do 25 de Abril.

Ao todo, foram nove os testemunhos, dados por pessoas que, como se percebe, viveram o dia 25 de Abril de 1974 de formas bem distintas.

E houve um traço comum a muitas das experiências relatadas: a incerteza inicial sobre o que realmente se tinha passado naquela quinta-feira de Abril, em Lisboa.

Liliana Palhinha nem sequer se apercebeu logo que tivesse havido uma revolução.

E não é de espantar: na manhã do dia 25 de Abril de 1974, Liliana acordou numa cela de isolamento da prisão de Caxias, onde se encontrava há meses, na qual apenas tinha contacto com os interrogadores da PIDE e com os guardas que abriam a portinhola para deixar comida e controlar os prisioneiros.

«Só no dia 26 é que percebemos que havia algo diferente. Os guardas não vieram espreitar pela portinhola e não foram cumpridas as rotinas. Não sabíamos o que se estava a passar e até estávamos com mais medo», contou.

A dada altura, as portas das celas dos presos políticos foram abertas, bem como as portas que separavam as diferentes alas, o que permitiu a Liliana Palhinha aceder, pela primeira vez, à área de convívio da prisão, «onde estavam os prisioneiros de delito comum», mas também ao pátio da prisão.

A certa altura, ainda no dia 26, chegaram mais informações e começou a espalhar-se a mensagem que os prisioneiros políticos iriam ser libertados, o que aconteceu «perto da meia-noite de dia 26 para 27 de Abril».

 

Maria Emília Costa – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

A adesão de Liliana Palhinha aos movimentos de contestação do regime, que lhe valeu ser detida por duas vezes pela PIDE, não esteve ligada ao Partido Comunista – «em 71/72, quando cheguei à Universidade, em Lisboa, já era muito politizada, mas não gostava particularmente do comunismo» -, mas sim ao facto de não «gostar nada do Salazar, do Regime, da guerra e da pobreza».

Clarinda Veiga-Pires também não pertencia ao Partido Comunista, mas nem por isso deixava de se assumir como uma combatente contra o regime.

Nos anos 60, esta farense aderiu ao Movimento de Ação Revolucionária, e mudou-se para Argélia com o marido.

«Tivemos treino de guerrilha no deserto. Na altura aprendi a manejar e a usar uma Kalashnikov», contou.

Quem também se exilou, mas já depois de ter «participado em várias lutas políticas», foi Maria Emília Costa, que estava na Holanda no dia 25 de Abril.

«Quando soubemos que tinha havido um golpe, pensámos que seria de direita. Só no dia 26 de Abril percebemos que o regime tinha sido deposto», conta.

Foram muitos os algarvios que temeram que o golpe militar tivesse sido operado pelo general Kaúlza de Arriaga – ou seja, que fosse um golpe de direita, para colocar no poder um novo ditador.

«Lá em casa, só ficámos descansados quando vimos a notícia no República», recordou Nídia Braz, que era ainda uma adolescente, à data – tinha 16 anos e frequentava o 6º ano do Liceu -, e vivia num seio de uma família que contestava o regime.

 

Luís Martins – – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Antes do 25 de Abril, a vida em Portugal era um inferno! Havia pobreza extrema e uma asfixia social e intelectual tremenda», afirmou Luís Martins.

No dia da Revolução dos Cravos, Luís era oficial miliciano e estava colocado em Lagos. Foi, de resto, um dos militares que alinhou com o Movimento das Forças Armadas e ajudou a tomar o centro emissor da Fóia.

Passados poucos meses, foi colocado pelo MFA no regimento de Faro, onde passou, com os outros elementos do Movimento, a servir de árbitro e juiz em situações bem distintas.

No tempo em que esteve no regimento de Faro, ordenou, por exemplo, que industriais pagassem os ordenados que deviam aos seus trabalhadores e até chegou a entregar uma empresa de construção civil aos funcionários, após o dono ter fugido.

Mas também acumulou histórias, no mínimo, caricatas, entre as quais se destaca a de uma ação de defesa da sede do PCP, em Faro, que um grupo «de algumas centenas» de farenses estavam a tentar assaltar.

O grupo que queria invadir o edifício era liderado por um homem que, por coincidência, era o pai do militar que estava a comandar o destacamento que estava a fazer a defesa. «E era vê-los a insultar-se e a chamar nomes um ao outro!», recorda.

Nesta sessão, que juntou quase uma centena de pessoas, prestaram o seu testemunho Alvaro Café, Clarinda Veiga-Pires, Isabel Valente, Liliana André Palhinha, Luís Martins, Luís Nogueira, Maria Emília Costa, Nídia Braz e Vicente Brito.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub