Consulta pública ao licenciamento do Aterro do Sotavento foi «uma artimanha», acusa a ZERO

Associação defende que o aterro está «a funcionar ilegalmente desde 2017»

Imagem de Arquivo

Uma «artimanha para fugir à Avaliação de Impacte Ambiental». É desta forma que a associação ZERO classifica a Consulta Pública do processo de Licenciamento Único de Ambiente do Aterro do Sotavento Algarvio, que terminou ontem.

Segundo a ZERO –  Associação Sistema Terrestre Sustentável, este aterro, situado na zona da Cortelha, concelho de Loulé, «encontra-se a funcionar ilegalmente desde 2017, altura em que pela força das alterações profundas de ampliação do projeto existente deixou de estar eficaz a licença ambiental que possuía».

A consulta pública que terminou ontem «esconde que a obra de ampliação do aterro, iniciada em 2017 e concluída em 2018, com a construção da célula C, deveria ter sido sujeita a avaliação de impacte ambiental, conforme previsto na lei».

A lei estabelece «que as instalações destinadas a operações de eliminação de resíduos não perigosos (…), nomeadamente os aterros de resíduos urbanos ou de outros resíduos não perigosos devem ser sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental, sempre que a sua capacidade seja igual ou superior a 150 000 toneladas/ano».

«Para além disso, tratando-se de uma ampliação que veio a superar os 20% da capacidade instalada e também da área de instalação que já existia, deveriam ter sido adotados os procedimentos obrigatórios para a avaliação de impacte ambiental», acrescenta a ZERO.

«Em qualquer dos casos, constata-se que, mais uma vez, quer a Agência Portuguesa do Ambiente, quer a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, foram permissivos à continuada ilegalidade de incumprimento das regras ambientais favorecendo o infrator, em detrimento das populações que há muito reclamam sobre a má gestão do aterro», acrescentam.

As principais queixas estão ligadas aos maus cheiros e à contaminação das linhas de água, «nomeadamente da Ribeira do Vascão, contaminação essa que se deve à descarga das águas residuais do aterro cujo processo de tratamento se tem revelado ineficaz, afetando significativamente valores naturais ameaçados como o Saramugo (Anaecypris hispanica), pequeno peixe de água doce, e o mexilhão-de-rio (Unio tumidiformis), bivalve de água doce, ambos endemismos ibéricos, protegidos por legislação europeia».

«As águas residuais provenientes do aterro (lixiviados), as quais resultam do processo de biodegradação dos resíduos e se caracterizam pela elevada carga poluente, mesmo após tratamento continuam a ultrapassar os limites legais tendo em conta os Valores Máximos Admissíveis (VMA)»,  diz a associação.

 

Ribeira do Vascão

 

A ZERO baseia-se no Relatório Ambiental Anual, referente ao ano 2020, cujos resultados da monitorização realizada nos locais a jusante do ponto de descarga do efluente tratado, «revelam que os níveis de compostos azotados (Azoto amoniacal e Azoto total) e de sulfatos são os que mais frequentemente ultrapassam o VMA; no entanto, parâmetros como os Cloretos, o Zinco e a CBO5 também apresentam níveis superiores aos limites legais».

«Também ao nível das águas subterrâneas, os resultados da monitorização têm revelado níveis acima do VMA para vários parâmetros analisados (Ferro, Manganês, Cloretos, Níquel e pH) sendo particularmente relevante e frequente a contaminação das águas subterrâneas por Cloretos», acrescentam.

Estes resultados relativamente à qualidade do efluente tratado e ao impacto na qualidade das águas superficiais e subterrâneas, «há muito que deveriam ter levado as entidades competentes a exigir da ALGAR, entidade responsável pela exploração do aterro, a implementação de medidas corretivas com vista a um processo de tratamento eficaz e ao cumprimento dos requisitos de legais em relação à qualidade do efluente tratado com o objetivo de a rejeição das águas residuais tratadas não comprometerem a qualidade do meio recetor, mas, inexplicavelmente, nada aconteceu até agora».

O Aterro do Sotavento Algarvio recebe os resíduos urbanos dos concelhos de Alcoutim, Castro Marim, Faro, Loulé, Olhão, São Brás de Alportel, Tavira e Vila Real de Santo António, «o que corresponde a cerca de metade da população do Algarve, sendo os resíduos produzidos pela outra metade encaminhados para o aterro do Barlavento Algarvio, em Portimão».

Instalado na Serra do Caldeirão, na bacia hidrográfica do Guadiana, o aterro encontra-se em exploração desde Junho de 2000, inicialmente com duas células, atualmente encerradas, tendo tido início a construção de uma terceira célula em 2017 e cuja exploração teve início em Julho de 2020.

«A construção desta terceira célula permite, de acordo com a informação que consta dos documentos em consulta pública, que o aterro possa continuar a receber resíduos até 2026, o que, no entender da ZERO, não representa uma solução de longo prazo para os resíduos produzidos na região e apenas perpetua um modelo de recolha assente na recolha de indiferenciados com base no contentor na via pública, o qual privilegia a deposição em aterro, em prejuízo da reciclagem, da redução da produção de resíduos e com um benefício económico claro para a entidade privada concessionária do serviço público de tratamento de resíduos urbanos».

No entender da ZERO, «o historial do aterro no que respeita à contaminação dos cursos de água adjacentes, deveria merecer maior cuidado na monitorização da qualidade da água e dos sedimentos, nomeadamente a inclusão de pontos de monitorização adicionais, localizados a jusante da descarga e dos pontos já previstos na Licença de Utilização de Recursos Hídricos, de forma a ser possível avaliar o impacto das águas residuais descarregadas para além dos 2 000 metros definidos na licença, em particular na ribeira do Vascão (parte integrante da Rede Natura 2000)».«

Perante o exposto, a ZERO sugere às entidades com competências ao nível do licenciamento, a importância de uma auditoria à situação legal dos aterros sanitários em Portugal, por acreditar que a situação de ilegalidade em que se encontra o Aterro Sanitário do Sotavento Algarvio não será caso único», conclui.

 

 

 

 



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