Cooperativa GuadiMonte quer afirmar-se como «a marca de Castro Marim»

Cooperativa «é um marco histórico, quer no concelho, quer na região»

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

Das mãos de 12 jovens (e alguns menos jovens) ligados à agricultura, está a nascer a GuadiMonte, a primeira cooperativa agrícola de Castro Marim, que surge para reflorestar a área ardida no incêndio de Agosto, criar unidades de transformação dando emprego a 25 pessoas e afirmar-se como marca dos produtos locais, a fim de os valorizar e exportar.

Apaixonado pela terra e pelo campo, Duarte Fernandes, 38 anos, empresário com negócios noutros setores, sempre teve em mente a possibilidade de viver da agricultura aos 50 anos. «É algo que acredito que seja possível se não tivermos medo de sonhar», vai contando ao Sul Informação, enquanto olha o horizonte da serra de Castro Marim, devastada pelo incêndio do Verão passado.

«Não sou agricultor a 100%. Sou empresário, tenho um grupo empresarial, e, de vez em quando, vou investindo na agricultura. Nasci na serra e, faz poucos anos, decidi investir na minha origem».

Tendo como sócio de algumas empresas o irmão e, como ajudante na gestão dos campos agrícolas, o pai, Duarte começou a investir no lugar que o viu nascer, Corte Pequena (Castro Marim), através da compra de terrenos vendidos por gente que se desinteressou da serra, nos quais tem feito plantações, para que, a longo prazo, se tornem «ativos produtivos».

É o caso do fruto que já colhe nos seus pomares de medronheiros e que está a pensar em destilar, «para fazer a famosa aguardente de medronho». Para inovar no uso do medronho, Duarte está igualmente a desenvolver «outras ideias de como o utilizar para fazer novos produtos artesanais».

O empresário está também a criar uma quinta biológica, «para dar aos mais novos uma experiência no campo», mas, por enquanto, ainda se trata de um negócio de família: «fazemos carne biológica de ovelha churra algarvia, uma raça autóctone da região».

 

Duarte Fernandes – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

«Tive a possibilidade de regressar com o meu irmão à terra que me viu nascer para aqui poder entregar-me a uma das minhas paixões. Mas há outras pessoas que não têm essa capacidade financeira de investir nesta serra, pois os investimentos para aqui produzir são assustadores», sublinha.

Ainda assim, Duarte Fernandes revela ambição naquilo que tem planeado para fazer e conquistar, pois, garante, «não paro de sonhar alto». E foi no meio desses sonhos que o projeto da cooperativa GuadiMonte «foi ganhando forma».

Uma das pessoas que tem apoiado o nascimento da cooperativa é Valter Matias, que conhece bem o Nordeste Algarvio, por ser técnico de projetos na Associação Odiana e presidente da Associação Recreativa, Cultural e Desportiva dos Amigos da Alta Mora, localidade onde ele próprio se dedica à agricultura, com pomares de amendoeira.

Vendo a serra algarvia devastada pelo incêndio de Agosto, Valter Matias e Duarte Fernandes decidiram reunir alguns dos seus amigos, jovens do Nordeste algarvio, que têm dedicado um pouco da sua vida à terra.

«Somos 12 jovens ambiciosos, uns com mais medo do que outros, mas sonhamos alto. Penso que conseguimos juntar uma equipa polivalente e multifacetada», garante Duarte Fernandes.

 

Membros da Cooperativa GuadiMonte

 

Uma primeira reunião da cooperativa «serviu para falarmos sobre o que podíamos fazer e chegámos à conclusão de que não há muito que possamos fazer contra um eventual incêndio, de forma direta, mas há um compromisso que podemos ter antes dele começar e se propagar: trabalhar a terra», explica, por seu lado, Valter Matias.

Para isso, «começaram a surgir ideias», entre elas a criação de uma cooperativa que faça com que o «cooperativismo entre os agricultores da zona seja estimulado, tendo por base a nossa geração. Os individualismos têm de acabar, devemos juntar-nos e partilhar o conhecimento que cada um tem», realça Duarte Fernandes.

Outra das ideias que surgiu foi a de «reflorestar uma boa parte da área queimada pelo incêndio», com a plantação de espécies autóctones «que preservem o ambiente, consigam sobreviver com a pouca água que há, se conciliem com os animais de caça e sejam um ativo produtivo para o futuro do território».

Este tornou-se assim no primeiro grande objetivo da GuadiMonte: serem plantadas nos terrenos ardidos, bem como em locais próximos, nos quais os proprietários também o queiram, no prazo de dois anos, árvores como a alfarrobeira, a oliveira ou o medronheiro. Trata-se de «espécies que duram muitos anos, através das quais, ao fazermos este investimento, estamos a transformar estes terrenos num ativo produtivo para a população».

Para isso, a cooperativa está já a pensar nos próximos passos para «definir quais as condições que vamos oferecer aos proprietários para nos arrendarem a terra. Vamos ter que definir um plano para apresentar aos agricultores, de modo a explicar-lhes muito bem qual a mais-valia destes nossos projetos», esclarece Duarte Fernandes.

 

Área ardida que a GuadiMonte pretende reflorestar – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

É que a cooperativa GuadiMonte pretende, em parceria com a Câmara Municipal de Castro Marim, que ali seja criada uma Área Integrada de Gestão da Paisagem (AIGP), semelhante à existente em Monchique. «Esta não é uma zona de alto risco de incêndios, mas, uma vez que já arderam bastantes hectares no Verão passado, pode ser pedida essa classificação ao ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas», explica.

«Esta classificação permite-nos obter uma série de benefícios, inclusive alguns fundos a 100%, o que para nós é extraordinário, uma vez que temos a ambição de que o projeto alcance uma área de intervenção de 500 hectares, mas ninguém tem dinheiro do seu bolso para isso».

Assim sendo, «a criação de uma cooperativa traz-nos maior facilidade para conseguirmos apoios do Estado e dos fundos europeus. Sem isso, seria impossível avançar com a ideia».

«Estamos já a trabalhar para que sejam feitas candidaturas a fundos europeus, nomeadamente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e temos tido a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAPAlg) ao nosso lado», revela Duarte Fernandes.

Em declarações ao Sul Informação, Pedro Valadas Monteiro, diretor regional de Agricultura, explica que o apoio prestado pelo organismo que dirige se insere no âmbito do projeto de «criação de uma rede de produtores locais do Algarve, da qual é nosso objetivo que a GuadiMonte faça parte».

«Para a última reunião desta rede, convidámos já um representante da cooperativa para vir apresentar o projeto e as ideias que têm, a fim de ver se a GuadiMonte pode ganhar escala e envolver outros agricultores e produtores do Sotavento algarvio», acrescenta.

Existem também «outros apoios, principalmente fundos europeus, a que a GuadiMonte se pode candidatar». A DRAPAlg afirma-se disponível para os ajudar também «nas questões ligadas à capacitação dos membros da cooperativa, no modo de produção biológico, bem como no licenciamento das atividades destes jovens empreendedores», realça Pedro Valadas Monteiro.

 

Valter Matias, presidente da Cooperativa GuadiMonte – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Segundo Valter Matias, outro dos objetivos da GuadiMonte é a criação de uma marca que englobe os produtos artesanais, como o medronho, o mel, o azeite ou os frutos secos, para que se torne a «marca de Castro Marim» e se afirme no estrangeiro, de modo a exportar «o que de melhor se faz no concelho».

«Queremos conseguir ter uma marca forte para exportarmos e, assim, acrescentar valor ao nosso produto. Assim, poderemos vender em grande escala. Podemos ir ao mercado estrangeiro, escoar o produto, combatendo a manipulação de quem vem cá comprar mais barato», explica Valter Matias.

Para que este objetivo se possa tornar uma realidade, o projeto prevê que, até daqui a três anos, estejam instaladas e prontas a funcionar uma destilaria, um lagar e uma moagem, ambos com linhas de embalamento e conserva. Está também planeada a instalação de um centro de compra e venda de frutos secos.

Estas unidades de transformação «serão importantes para os produtores da zona, pois não existem infraestruturas destas em Castro Marim».

De modo a certificar os produtos, os membros da cooperativa serão também incentivados a conseguir licenças de certificação biológica. «A maior parte dos agricultores não têm esta certificação biológica, mas deviam ter, porque valoriza aquilo que produzem», realça Valter Matias.

Com a criação destas unidades de transformação e toda a logística envolvida, está prevista a criação de entre 20 a 25 postos de trabalho permanentes. O presidente da GuadiMonte considera que estes empregos «serão importantes para a nossa zona». «Quem vier trabalhar para o interior, poderá passar a morar aqui, constituir aqui as suas famílias e, assim, também estaremos a combater a desertificação da serra algarvia».

A GuadiMonte ainda mal nasceu, mas já se afirma cheia de projetos, alguns deles inovadores e capazes de levar nova dinâmica àquela zona do Nordeste Algarvio.

É por isso que o diretor regional de Agricultura faz questão de elogiar a cooperativa:  «é um projeto constituído por jovens empreendedores que não baixam os braços perante a adversidade e vão à luta, pois querem recuperar e fazer melhor do que aquilo que existia».

Pedro Valadas Monteiro salienta que este projeto «tem, desde logo, uma primeira coisa importante, que é a cooperação entre os elementos, pois juntos são mais fortes. Mas tem também um conjunto de valências fundamentais, como o ordenamento florestal intercalado com a parte agrícola, a questão da produção pecuária com raças autóctones e as questões ligadas à própria agricultura».

«Estamos a trabalhar em rede, também em parceria com a Câmara, para permitir que este projeto tenha muito sucesso», conclui o diretor regional.

 

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Filomena Sintra, vice-presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, também vinca o seu entusiasmo em relação a este projeto. «Acreditamos que uma nova geração de empreendedorismo rural está a acontecer, através da nova visão destes jovens com ligação à terra e que estão mesmo predispostos a investir e a trabalhar».

«É uma grande esperança para o Nordeste Algarvio, cada vez mais despovoado e desertificado», sublinha a autarca, em declarações ao Sul Informação.

O Município castromarinense vê nesta cooperativa o instrumento de concretização de uma política para o desenvolvimento do interior algarvio.

«Há muitos anos que se fala nisso, mas é preciso gente que faça acontecer e que concretize os seus projetos agrícolas. Há aqui um conjunto de pessoas de uma nova geração com outra formação e visão, que já tem projetos agrícolas no território», acrescenta a vice presidente da autarquia.

«Acima de tudo, queremos que a GuadiMonte crie escala para ter uma visão de intervenção agrícola com carácter produtivo, uma estratégia firme de mercado e, no conjunto, que consiga alcançar outra massa crítica. Enquanto cooperativa, os produtores têm outra capacidade para se dedicar a atividades colaterais, como o marketing ou as estratégias de divulgação e comercialização dos seus produtos. Acima de tudo, uns produtores podem alavancar e motivar os outros», sublinha Filomena Sintra.

Com os objetivos bem delineados, é tempo de «chamar mais agricultores e produtores interessados em integrar a cooperativa e de mostrar às pessoas que estamos aqui para trabalhar e fazer acontecer», salienta Duarte Fernandes. «Não somos apenas mais uma cooperativa. Queremos fazer mais e melhor pelos nossos agricultores e pela região».

«Podemos e devemos fazer alguma coisa pelo sítio onde nascemos e eu penso que a GuadiMonte é um marco histórico, quer no concelho, quer na região».

«Mesmo que apenas consigamos fazer 20% daquilo a que nos propomos, já vamos combater, em grande parte, a desertificação do interior do Nordeste Algarvio. E isso será gratificante», conclui.

 

Fotos: Rúben Bento | Sul Informação

 

 



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