Dominado o incêndio, «é hora de arregaçar as mangas e trabalhar»

Chamas foram dominadas mas continuam a ser tema de conversa

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

Não se fala de outra coisa pelas aldeias serranas dos concelhos do Sotavento algarvio senão sobre o incêndio que deflagrou na madrugada de segunda-feira, 16 de Agosto, na localidade de Pernadeira, Odeleite (Castro Marim) e que, depois de dominado, voltou a reacender e chegou aos concelhos vizinhos de Tavira e Vila Real de Santo António.

Foram cerca de 6.700 hectares de área florestal que ardeu em dia e meio de incêndio. O fogo causou momentos de sobressalto e pânico junto das populações, mas foi dominado na tarde desta terça-feira, 17 de Agosto, estando agora em fase de conclusão.

Num pequeno snack-bar na localidade de Estorninhos, na União de Freguesias de Conceição e Cabanas de Tavira, é esse um dos temas de conversa enquanto se almoça. As chamas não deixaram os moradores dormirem descansados, mas, agora que as coisas estão mais calmas, é tempo de olhar para trás e fazer um balanço da situação.

Durante a conversa, surgem boatos de que «já sabem que foi fogo posto na Pernadeira, em Odeleite». Maria Conceição diz que lhe «contaram» que «existem poucos bombeiros a combater as chamas», mas também lhe falaram do fogo que atingiu o campo de golfe do Monte Rei, a poucos quilómetros, em Vila Nova de Cacela, «onde ardeu um dos edifícios, o café do espaço».

«Aqui não houve muitos estragos de valor, o que ardeu foi mato e umas coisas por aqui e por além. Mas aqui perto ardeu uma casa», diz Maria Conceição durante a conversa.

A pouco mais de três quilómetros, no Faz Fato, as chamas começaram a subir montes e aproximaram-se da estreita estrada de alcatrão. Uma casa, com o calor que se fez sentir, começou a arder após os vidros da porta se estilhaçarem.

O Sul Informação sabe que se trata de uma casa arrendada por uma senhora inglesa, que viu assim o local onde habitava ser destruído pelas chamas. À chegada ao local, o nosso jornal já não encontrou ninguém próximo da habitação.

 

Casa destruída pelo fogo em Faz Fato, Tavira – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

Também na Cortelha, em Castro Marim, um armazém foi consumido pelas chamas, quase na totalidade, tendo ardido cereais, alfarrobas e outros produtos agrícolas que os proprietários tinham armazenados. Ficaram ainda destruídas máquinas agrícolas e viaturas automóveis.

Para ajudar estes e outros lesados do incêndio, a autarquia de Castro Marim decidiu criar um Gabinete de Crise, pois «os apoios do Estado, carregados de burocracia e morosidade, podem não responder a estas situações, que requerem ajudas urgentes», explica Francisco Amaral, presidente da Câmara Municipal, numa nota enviada às redações.

O autarca sublinha que existiram «falhas no combate ao incêndio», nomeadamente «na retirada dos meios aéreos quando o incêndio foi declarado como dominado» da primeira vez, na tarde de segunda-feira.

 

Combate a reacendimentos na localidade de Malhada do Peres – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Durante a manhã de ontem, terça-feira, apesar de a situação parecer mais calma, ainda havia pontos quentes a reacender junto à localidade de Malhada do Peres, na União de Freguesias de Conceição e Cabanas de Tavira.

A rápida resposta dos meios aéreos que sobrevoavam o perímetro do incêndio foi suficiente para controlar os pequenos reanimares das chamas.

Uma das preocupações que tinha surgido durante a conversa de Maria Conceição dizia respeito à «Mata Nacional da Conceição de Tavira que ardeu quase toda durante a madrugada».

José Manuel Guerreiro, vice-presidente da Câmara Municipal de Tavira, disse ao Sul Informação, que o fogo entrou, começou a consumi-la e depressa «devastou cerca de 80% do seu território», incluindo grande parte dos 24 hectares que o Parque de Lazer.

Apesar de o Município não ter ainda «um levantamento dos hectares que arderam», o autarca não tem dúvidas de que se tratou de um incêndio «muito marcante» para o concelho.

«A Mata Nacional, um santuário de uma série de espécies que aqui se reproduzem, está em grande parte ardida. Apenas ficaram, neste Parque de Lazer, os gamos que aqui habitam», lamentou.

Já esta manhã, 18 de Agosto, os trabalhadores do município avançaram com a reposição da vedação do Parque de Lazer da Mata da Conceição, nas zonas onde ficou danificada, de forma a proteger os animais e impedir a entrada de predadores.

 

Parque de Lazer na Mata Nacional da Conceição de Tavira – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Quanto às consequências económica para os habitantes da freguesia, o autarca realça que, «ao arderem árvores e plantas como a alfarrobeira, a amendoeira, a laranjeira ou as vinhas», está a ser destruída «uma das fontes de rendimento de muitas pessoas que vivem na serra».

«Mesmo que [as pessoas que aqui vivem] tenham a coragem de voltar a replantar aquilo que ardeu, não vão ter em vida o prazer de voltar a ver este espaço, estes hectares ardidos, da mesma forma que os viram antes do incêndio», realçou José Manuel Guerreiro.

Uma preocupação partilhada por Ana Paula Martins, presidente da Câmara Municipal de Tavira, que salienta que «o incêndio teve um forte impacto na zona serrana», tendo afetado «vários aglomerados»

A autarca manifestou, na sua página de Facebook, «a solidariedade para com todos os que tiveram perdas neste incêndio», afirmando «a disponibilidade para, juntamente com as equipas do município, ajudar a minimizar os impactos sofridos».

Depois de agradecer a todos os que ajudaram no combate a este incêndio, Ana Paula Martins salientou: «agora que tudo está mais calmo, é hora de arregaçar as mangas e trabalhar para reparar as perdas».

No vizinho concelho de Vila Real de Santo António, em Santa Rita, as chamas devastaram um abrigo ilegal para cães, que morreram todos queimados. Apenas restaram as chapas e grades de ferro de um espaço sem condições. O ICNF já abriu um inquérito para saber como é que este canil clandestino podia estar a funcionar, naquele local, com aquelas condições.

 

Abrigo ilegal em Santa Rita, Vila Real de Santo António – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

Este incêndio, que devastou 6700 hectares dos concelhos de Castro Marim, Tavira e Vila Real de Santo António, deflagrou à 1h05 da madrugada de segunda-feira, 16 de Agosto, no sítio da Pernadeira, na freguesia de Odeleite, tendo obrigado a evacuar habitantes dos montes, na sua maioria idosos, para o Azinhal.

O ataque dos meios aéreos mal o sol nasceu permitiu que o incêndio entrasse em fase de resolução às 10h20, mas, a meio da tarde, houve um reacendimento forte, que se propagou rapidamente.

O fogo voltou a ser dado como dominado ontem à tarde, 17 de Agosto, cerca das 16h00, entrando em fase de rescaldo.

Esta manhã, 18 de Agosto, o incêndio entrou em fase de conclusão, com a desmobilização de uma parte dos meios que se encontravam no terreno. No rasto de dois dias de chamas, ficou destruído o trabalho de uma vida de muitas pessoas, nomeadamente jovens agricultores, que insistem em viver no interior e ali tinham investido as suas economias.

 

Fotos: Rúben Bento | Sul Informação

 

 



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