Cidadãos saíram à rua para exigir que posto agrário de Tavira continue a formar agricultores

Esta sexta-feira

Dezenas de cidadãos manifestaram-se esta sexta-feira em prol do Centro de Experimentação Agrária (CEAT), para que esta estrutura continue «a cumprir o objetivo pelo qual foi construído há 95 anos, que é apoiar e formar os futuros e atuais agricultores».

Este protesto, que consistiu numa marcha entre a Câmara de Tavira e o CEAT, surge na sequência da apresentação de um plano para esta polo da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, com o qual o Movimento de Cidadãos pelo Centro de Experimentação Agrária de Tavira (CEAT) e Hortas Urbanas de Tavira não concorda.

Para os manifestantes, o plano esquece os agricultores, transformando o espaço num Polo de Inovação.

Os cidadãos exigiram que «a Delegação do Sotavento da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve apoie e sirva os agricultores, os garantes da segurança alimentar e da produção dos produtos que alicerçam os valores e princípios da apregoada Dieta Mediterrânica e da alimentação sustentável».

A posição dos manifestantes consta de um manifesto que foi entregue no CEAT (ver abaixo).

 

 



 

Manifesto do Movimento de Cidadãos pelo Centro de Experimentação Agrária de Tavira (CEAT) e Hortas Urbanas de Tavira:

«Os agricultores do Algarve pedem respeito:
Pela terra que cultivam, muito antes de todos os gestores do território se terem instalado;
Pelo imenso esforço que representa para gerações e gerações de agricultores a construção da paisagem que agora , esses mesmos representantes do Estado, vendem ao turismo geriátrico como o cenário idílico “natural”.
Pela sua história e tradições que os “nomeados defensores” do interesse público teimam em ignorar, erigindo a “modernidade” dos novos cultivos como a “benção” que recaiu sobre os nossos campos, agora ocupados por multinacionais.

O caso paradigmático do Centro de Experimentação Agrária de Tavira (CEAT).

De uma forma geral, as denominadas Estações Agrárias ou Centros de Experimentação Agrária, foram criadas para apoiar e modernizar a agricultura portuguesa, nomeadamente através da realização de estudos experimentais que permitiram avaliar e seleccionar práticas, técnicas de produção que, pela sua especial relevância foram, posteriormente, transmitidas aos agricultores. Paralelamente, permitiram ainda a preservação e melhoramento das variedades genéticas mais importantes para cada região e a sua difusão pelos produtores agrícolas interessados. Foi uma aposta na capacidade agrícola do país, na sua diversidade e na resiliência do mundo rural.
É neste contexto que surge o Centro de Experimentação Agrária (CEAT)de Tavira.
O abandono desta visão, priorizando a indústria turística em que o campo é apenas paisagem, conduziu estas “estações” e “centros de experimentação” a um processo de decadência programada através do corte sistemático de verbas, não renovação de recursos humanos e encerramento das delegações locais. Na franja das urbes, a prazo, tornaram-se o alvo predilecto dos especuladores imobiliários. Apesar de ocuparem maioritariamente áreas de propriedade privada do estado, mantêm o estatuto de áreas públicas, propriedade de instituições públicas ao serviço do interesse público, devendo os seus sucessivos “administradores”, promover uma gestão que se paute pelo alcance dos objectivos para os quais foram criadas. São espaços públicos que servem o interesse público e assim se devem manter.
Apesar de conter uma das coleções de fruteiras mais importantes do Algarve e até algumas de importância nacional, desde pelo menos 2013, o Centro de Experimentação Agrária de Tavira (CEAT) tem sido votado ao abandono, fruto de uma política de desinvestimento programado, tendência que nunca vimos nenhum “gestor” inverter.
Pese embora o esforço que o Movimento de Cidadãos pelo CEAT tem vindo a desenvolver, desde 2019, para tentar retirar o CEAT desta morte lenta, nomeadamente através de campanhas públicas, recolha em video de histórias de vida para memória futura de vivências nesse espaço, reuniões técnicas com funcionários da DRAPALG em que foram apresentadas propostas concretas de intervenção, parcerias com In Loco e CM Tavira para a implementação de hortas comunitárias para os habitantes de bairros do concelho de Tavira, criando expectativas de uma efetiva valorização do espaço ao serviço dos agricultores, o resultado final é a uma deriva das entidades responsáveis que tudo aponta tornaram este Centro refém do turismo geriátrico e do entretenimento.
Entidades completamente alheias ao mundo rural, como a ABC – Biomedical Center instalam-se agora nos edifícios antigamente destinados à formação, as restantes edificações são distribuídas pelo Centro de Ciência Viva e etc. Que fique claro. Não somos contra a existência destas estruturas. Reconhecemos o papel que podem desempenhar junto da comunidade. O que contestamos é que se instalem no espaço dedicado aos agricultores e que estes sejam ignorados.
No Algarve, e de acordo com a publicação da apresentação da “Terra Futura” na qual se assinalam as sessões de auscultação pública que decorreram no país, não foi realizada qualquer sessão de auscultação no âmbito da Agenda de Inovação para a Agricultura e respectivos Pólos de Inovação. Será que, no Algarve, a agricultura não tem pernas para inovar? Será que já está num patamar tão avançado que nem valia a pena fazer por cá uma sessão? Ou será que não interessa ouvir o cada vez maior número de vozes discordantes com o que se está a passar na região?
O modelo de revitalização assumido na pré-configuração do novo Pólo de Inovação de Tavira não é de todo o modelo pretendido pelos cidadãos porque não dá na prática qualquer prioridade à formação e instrução de agricultores.

Recordemos as primeiras visões estratégicas e propostas concretas apresentadas pelo Movimento já em meados de Maio de 2020:

Face à actual situação ambiental, social e económica , defendemos que o CEAT deve ser preservado e revitalizado de forma a cumprir a missão para a qual foi criado, adaptando-se aos desafios contemporâneos.
A investigação, experimentação e difusão de variedades tradicionais vegetais e práticas agrícolas apropriadas deve constituir uma prioridade para fazer face às alterações climáticas, ao problema da escassez de água, à desertificação, aos desequilíbrios dos ecossistemas criados pela indústria agroquímica convencional e pela actual acção do ser humano, pelo que um bom desempenho do CEA Tavira neste contexto é vital.
Sublinha-se que a sobrevivência e soberania do país, dependem cada vez mais de uma aposta séria no mundo rural, na sua diversidade e capacidade agrícola, assente em práticas que garantam a sustentabilidade deste sistema, constituindo a investigação e formação eixos basilares destes objectivos;
Reafirmando a importância nacional e a abrangência especificamente regional do património genético das diversas coleções de fruteiras que o CEA Tavira alberga, constituindo um capital de valor inestimável para o país e especialmente para o Algarve, a sua preservação e dinamismo é uma responsabilidade que deve ser partilhada entre o governo central e todas as instituições da região algarvia.
Entendemos que só através de uma visão holística, abrangente e complementar deste espaço se poderá realizar todo o potencial deste Centro, pelo que desde o início deste processo demonstramos o nosso empenho e disponibilidade para colaborar em todas as acções que partilhassem estes objectivos.

Programa de trabalho proposto por iniciativa do Movimento em Junho de 2020, elaborado em reuniões oficiais com os técnicos da DRAP:

– Realização de um levantamento do espaço, recursos, actividades e principais constrangimentos do CEAT;
– Elaboração de uma listagem de eventuais parceiros e mecenas que possam envolver-se na revitalização do CEAT;
– Estabelecimento de uma estratégia de sensibilização e envolvimento destas instituições e das populações em geral para a importância do CEAT a nível regional e nacional e do património genético que integra, através de abordagens directas (reuniões, comunicação escrita, encontros, eventos) e de campanhas nos media;
– Construção de um projecto global, para a área agrícola e edificado existente, de concretização faseada a curto, médio e longo prazo, integrando parceiros estratégicos, incluindo a elaboração de candidaturas para financiamento no âmbito do próximo Quadro Financeiro de Apoio (QCA) , do PRP e de outros fundos nacionais e europeus.
Grandes metas a curtíssimo prazo para o CEA Tavira:
a) Investigação, experimentação e formação agrária, nomeadamente nas áreas de agricultura regenerativa, sintrópica, permacultura e gestão ecológica da água:
b) Educação ambiental e turismo:
c) Entreposto para os pequenos produtores regionais:
– Infraestruturas de armazenamento em frio, permitindo pela grupagem o aumento da escala de produção e potenciando assim a exportação;
– Fornecimento de legumes biológicos a entidades do concelho, como escolas e lares;
– Realização de feiras/mercados
– Criação de zona para hortas e pomares comunitários:
– Programas de voluntariado;
– Compostagem urbana;
– Circuito de manutenção física;
– Organização de debates.
d) Propôs-se ainda a realização de pequenas ações pontuais, de forma a dinamizar e divulgar o CEAT desde já e estreitar laços com a comunidade da região.
– Mesa Posta (picnic);
– Apoio dos cidadãos a actividades agrícolas que o CEA Tavira necessite;
– Horta e/ou cantina comunitária;
– Mercadinho Biológico periódico, de forma a apoiar os pequenos produtores e artesãos regionais;
– Programação regular de palestras relativa à temática de ambiente e agricultura ecológica.
(…).

Como se pode constatar, este movimento de Cidadãos tem sido incansável desde o primeiro momento em que se formou e definiu os seus primeiros objectivos, inicialmente para travar o atravessamento de uma estrada, seguidamente para motivar a implementação de hortas comunitárias que hoje se instalam na localidade por via duma parceria alargada constituída para esse fim, e este movimento não vai parar até que o CEAT- Centro de Experimentação Agrária de Tavira seja efectivamente revitalizado e a agricultura, bem como a recuperação e resiliência económica e ambiental das comunidades, seja justamente alavancada nesta região».

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