Será a pensão de velhice um bom investimento?

Se este estudo influenciar apenas um leitor a poupar mais e/ou investir melhor, já valeu a pena

Quando confrontados com um problema complexo, sem solução aparente, mas que não nos afetará no curto prazo, qual tende a ser a nossa reação? Nenhuma – empurramos com a barriga. E se a solução para o problema for vital para a nossa subsistência na velhice? A resposta mantém-se.

O Português médio não possui poupanças alocadas à reforma, e quando possui, é manifestamente insuficiente para fazer face às suas necessidades. Dados do EUROSTAT mostram que os agregados familiares portugueses apresentam uma Taxa Bruta de Poupança de 14%: 33% menos do que a média europeia e 53% menos do que a Suécia, onde os agregados familiares apresentam a maior Taxa Bruta de Poupança da Europa.

É fácil “apontar o dedo” a potenciais responsáveis pela baixa taxa de poupança:

– Baixos níveis de literacia financeira;
– Baixos rendimentos familiares;
– Elevada carga de impostos diretos e indiretos;
– Baixos apoios (designadamente incentivos fiscais) à poupança para a reforma;
– Pouca atratividade dos produtos financeiros direcionados à poupança para a reforma;
– Preguiça;
– Risco;
– Complexidade;
– “A pensão de velhice do Estado chega/os apoios do Estado chegam”.

Vamos focar-nos no último ponto, crença que eu acredito estar fundamentalmente errada. Para melhor analisar esta questão, criei um modelo para calcular a Taxa Interna de Rendibilidade (TIR) de cada euro que nós pagamos à segurança social. Eis as minhas conclusões:

1 – É incrivelmente complexo calcularmos quanto é que vamos receber de pensão de velhice

No website da Segurança Social, podemos consultar a fórmula de cálculo da pensão de velhice: Pensão = (Total de Remunerações Anuais Revalorizadas de Carreira ÷ (Anos de Contribuições x 14)) x Taxa Global de Formação x Fator de Sustentabilidade.

O meu modelo precisou de 17 inputs (7 diretos e 10 indiretos) para calcular a Taxa Interna de Rendibilidade da pensão de velhice. O Professor Richard H. Taler, laureado com o Prémio Nobel da Economia em 2017, explica no livro “Nudge” como a complexidade é inimiga da poupança e como a criação de um sistema de incentivos adequado, simples e automático promove boas decisões financeiras. Em contraste, na Suécia e no Reino Unido, a fórmula da pensão de velhice do Estado (primeiro pilar) apenas tem dois inputs: Número de Anos de Contribuições x Valor Anual.

2 – Dada a incerteza de saber se a pensão de velhice é suficiente para subsistir na reforma ou não, a tendência é para não fazer nada e esperar que seja suficiente

Uma das bandeiras que arvoro na minha vida profissional é “a esperança não é uma estratégia de investimento”. Em artigos anteriores neste tema da reforma e fundos de pensão (pode ler aqui ou aqui), escrevi que um dos fatores que leva a 1) taxas de poupança elevadas e 2) reformas maiores em países como Suécia e Reino Unido, é saber que a pensão do Estado, por si só, é manifestamente insuficiente para ter uma reforma adequada.

Como consequência, os contribuintes e empresas responsabilizam-se por financiar este défice de rendimento na reforma, e o Estado contribui com incentivos fiscais à poupança.

2 – A Taxa Interna de Retorno da pensão de velhice é muito baixa

Se o leitor recebesse a seguinte proposta: investir todos os meses entre 21.4% a 34.75% do seu vencimento mensal numa anuidade, à qual só pode aceder aos 66 anos e 6 meses (pode aceder antes, mas as penalizações são elevadíssimas), e cuja taxa de retorno anual é entre 1%-3% aceitaria?

Um investimento com uma taxa de retorno maior aumentaria o seu rendimento disponível na reforma. Historicamente, uma carteira de investimentos diversificada gera retornos muito mais atrativos em horizontes temporais semelhantes.

Analisando um caso hipotético (1-A):

O João começou a descontar para a segurança social como trabalhador por conta de outrem aos 21 anos, tendo auferido no seu primeiro ano de trabalho €12,000 anuais. O vencimento anual do João cresce a uma taxa de 2%, ele pretende reformar-se aos 66 anos e 6 meses e vive até aos 86 anos de idade.

Resultados 1-A:

– Último vencimento pré-reforma: 28,680.64€ anuais
– Total remunerações durante a carreira: 862,712.52€
– Total pago em contribuições segurança social: 299,792.60€
– Pensão de velhice: 21,302.57€, uma perda de 7,378.06€ (26%) face ao vencimento pré-reforma
– Taxa Interna de Rendibilidade: 1.78%

Cenário 1-B: por motivos de saúde, o João deixa de trabalhar aos 61, pede a reforma antecipada aos 63, mas vive até aos 90 anos de idade.

Resultados 1-B:

– Último vencimento pré-reforma: 26,496.48€ anuais
– Total remunerações durante carreira: 751,320.27€
– Total pago em contribuições segurança social: 261,083.8€
– Pensão de velhice: 9,077.20€, uma perda de 17,419,28€ (66%) face ao vencimento pré-reforma
– Taxa Interna de Rendibilidade: 0.65%

Cenário 2-A e 2-B: igual aos cenários anteriores, mas o João é trabalhador independente (prestação de serviços) em vez de trabalhador por conta de outrem.

Resultados 2-A:

– Último vencimento pré-reforma: 28,680.64€ anuais
– Total remunerações durante carreira: 862,712.52€
– Total pago em contribuições segurança social: 129,234.34€
– Pensão de velhice: 21,302.57€, uma perda de 7,378.06€ (26%) face ao vencimento pré-reforma
– Taxa Interna de Rendibilidade: 4.27%

Resultados 2-B:

– Último vencimento pré-reforma: 26,496.48€ anuais
– Total remunerações durante carreira: 751,320.27€
– Total pago em contribuições segurança social: 112,547.78€
– Pensão de velhice: 9,077.20€, uma perda de 17,419,28€ (66%) face ao vencimento pré-reforma
– Taxa Interna de Rendibilidade: 3.04%

Conclusão? É crucial que cada indivíduo invista na sua literacia financeira e comece a poupar e investir desde cedo. Boas taxas de poupança, por si só, não chegam para afastar o espetro da pobreza na terceira idade.

A verdadeira Taxa de Rendibilidade Interna da Segurança Social não está refletida neste estudo, pois a segurança social dá-nos muito mais do que a pensão de velhice.

Se este estudo influenciar apenas um leitor a poupar mais e/ou investir melhor, já valeu a pena – as boas decisões financeiras são aquelas que nós tomamos hoje a pensar no longo prazo.

 


Autor: João Martins é licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Finanças Empresariais pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.
É membro estagiário da Ordem dos Economistas e assume-se como um apaixonado e entusiasta por mercados financeiros.
Atualmente é consultor financeiro na Abacus Wealth Management, empresa sedeada na Quinta do Lago.
Algarvio de há várias gerações, considera-se um sortudo por viver, ter estudado e trabalhar no Algarve.
Salienta o facto de ter um irmão gémeo como uma das suas maiores riquezas e privilégios.

 


Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 



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