Pobretes, mas alegretes

Uma análise bem-humorada ao jogo de ontem da seleção no Algarve

Foto: Nelson Inácio | Sul Informação

Num dia em que a discussão em torno do Orçamento de Estado marca a actualidade, aferindo quão fundo vai o Governo escarafunchar nos bolsos dos contribuintes, a Selecção Nacional verteu um bálsamo preventivo sobre o ânimo dos portugueses (e, já agora, cerca de 15% da população estrangeira residente no Luxemburgo, cortesia deste jardim à beira-mar maltratado), expondo que o dinheiro não é tudo, através de uma goleada de mão cheia, imposta a um país que supera o nosso em vários indicadores económicos.

Afinal, e vistas as coisas com olhos de ver, de que interessa ter um ordenado mínimo de praticamente 2200 €, se depois saem goleados de um país onde o salário médio bruto, incluindo subsídios e tudo e tudo, anda à volta dos 1227 €? Incha, Luxemburgo, e lembra-te desta noite na próxima reunião do Eurogrupo…

 

Rui Patrício

“Ah, se era para ser estar aqui especado como um mero espectador, mais valia ter comprado bilhete, que me dava jeito o desconto em cartão!”, pensou amiúde o guardião das redes nacionais. De qualquer maneira, foi o jogador que mais beneficiou deste calor serôdio que se tem feito sentir, poupando qualquer coisita nos exercícios de aquecimento que foi fazendo para não adormecer. Tempo não lhe faltou para revisitar todas as suas internacionalizações, no dia em que completou a bonita marca da centésima.

 

João Cancelo

Começou muito bem, cheio de dinamismo, mas rapidamente percebeu o desperdício em que estava a incorrer, e corrigiu o seu nível exibicional para níveis mais eficazes. Perto do final, quis o árbitro equilibrar a equipa nacional, brindando-o com um cartão amarelo, para não ficar atrás do companheiro da ala esquerda.

 

Rúben Dias

Sabem aqueles amigos que ficamos uns tempos sem ver, nem saber deles? O reencontro é sempre um momento de alguma atrapalhação, até nos assegurarmos de que, pese embora o afastamento, nada mudou na amizade, e tudo é como era antes. Assim foi com Rúben e a bola, quando reunidos em frente à baliza adversária, após tantos e tantos minutos de afastamento.

 

Pepe

O Luxemburgo é um dos países da União Europeia com menor percentagem de pessoas idosas. E isso nota-se pela deferência com que os luxemburgueses agem perante uma, quando a encontram, fazendo tudo para não a incomodar ou dar muito trabalho.

 

Nuno Mendes

É conhecida uma certa dificuldade de definição dos Millennials relativamente ao que querem da vida, fruto do ambiente volátil em que cresceram. Nuno Mendes não é excepção. Neste jogo, tão depressa se mostrou um velocista como um candidato às provas de slalom dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno, circulando por entre jogadores do Luxemburgo transformados naquelas bandeirinhas espigadotes, para logo de seguida, se candidatar descaradamente a uma vaga nos CTT, entregando cruzamentos com uma precisão capaz de fazer corar qualquer carteiro. Felizmente aparenta ser imune à toxicidade do politicamente correcto que caracteriza esta geração, pois caso contrário não faria tantas maldades a um adversário tão simpático.

 

Palhinha

Alguém atrás de mim na bancada dizia, a cada toque do nosso camisola 16 na bola “não é Palhinha, é Palhão!”. E tem toda a razão. Incansável, dá ideia que levou o Luxemburgo mais a sério do que qualquer jogador do Grão-Ducado. Ao ponto de ter a amabilidade de lhes tentar elevar o ânimo, fazendo de conta, na celebração do golo marcado, de que tinham sofrido mais um do melhor do Mundo…

 

João Moutinho

O Fernando Santos gosta muito da minha tia. Sempre que sabe que ela está a ver o jogo, é certo que o Moutinho está em campo. Havendo quem diga que são pequenos gestos sem consequência, eu prefiro destacar que ainda há cavalheirismo neste mundo.

 

Bruno Fernandes

Marcou, assistiu e participou activamente do “meiinho” com que Portugal brindou o Luxemburgo na primeira parte, e tentou colar os cacos do jogo na segunda. Quem mais gostou da sua exibição foi claramente o miúdo que foi brindado com a sua camisola no final. É sempre bonito de se ver.

 

Bernardo Silva

Ser grande é também ser humilde. Numa noite em que rapidamente percebeu que a estrela maior seria outra, não se quis colocar em bicos dos pés. Ainda assim, no seu caso, optar por um registo mais modesto continua a querer dizer um tratamento VIP da bola, com passes, reviengas, dribles e assistências.

 

Cristiano Ronaldo

A par da certeza de entrar em campo sendo o único com um PIB per capita comparável ao do Luxemburgo, Ronaldo teria a dúvida sobre se era desta que estes “nos amis” iam saltar para a frente das vítimas preferidas da sua veia goleadora, ao serviço da Selecção. Pois bem, se essa incerteza rapidamente se desfez, com mais um hat-trick para engordar o pecúlio, certamente que para durar fica a frustração de aquele extraordinário pontapé de bicicleta ter sido defendido pelo guardião adversário – ou não fosse o capitão obcecado com a perfeição. Ele que arquive o assunto no capítulo da solidariedade entre malta rica, e não pense mais nisso, porque, afinal, a noite foi bonita!

 

André Silva

Sendo inegavelmente um bom avançado, e inclusivamente latagão, o facto é que, de quando em vez, apresenta-se numa versão de bolso, que desta feita coube até nas algibeiras da defesa luxemburguesa. Ainda tem duas “finais” para abrir o livro.

 

João Mário

A irrepreensível postura ergonómica em campo do João Mário, que por vezes lhe dá um ar frio e distante em jogo, não foi suficiente para esconder a notória felicidade de voltar a integrar o meio-campo com o qual se sagrou campeão nacional na época passada.

 

Rúben Neves

Gosto de jogadores que entram em campo determinados a satisfazer as necessidades da plateia. Depois de 73 minutos a ler o sentimento das bancadas, Rúben entrou em campo com a clara consciência do que era preciso fazer: dar o hat-trick a Ronaldo. E assim fez.

 

Rafael Leão

O apontamento sádico de Fernando Santos neste jogo. A um quarto de hora do fim, com o Luxemburgo já a contar minutos para acabar o seu sofrimento, larga em campo um poço de pujança e voluntarismo. Com a agravante de, pela alegria que tem no jogo, correr o risco de ver o seu sorriso ser mal interpretado, como alguma forma de desrespeito pelo adversário. Demonstrando uma maturidade que a sua idade não faria prever, soube comedir-se e não abusar da qualidade. Bem, miúdo.

 

Gonçalo Guedes

Hoje sim, entrou em campo apenas para ouvir não sei quantos “sai da frente, Guedes” a partir da bancada.

 

Matheus Nunes

Oportunidade para matar saudades de trocar umas bolas com o João Mário. Ou vice-versa.

 

Autor: o Gonçalo Duarte Gomes é um arquiteto paisagista com a mania de que percebe muito de futebol…e escreve segundo o anterior Acordo Ortográfico

 

 

 



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