Coerência hídrica: Um problema com soluções encadeadas

Na última década, o consumo de água aumentou, tanta na agricultura, como no turismo e em outros usos

Em boa hora dei início, no Sul Informação, a um debate necessário e muito útil nestes dias, sempre com perspetivas alargadas de futuro, dado o momento delicado que se vive, em especial no Sotavento Algarvio.

Respeito e estimo muito as opiniões e as pessoas intelectualmente elegantes que são o Arqt. Gonçalo Duarte Gomes e o Eng. Pedro Monteiro. Estamos basicamente todos com a mesma preocupação e certamente que não discordaremos das soluções que não são únicas, mas sim polifacetadas e que têm que ser coerentes entre si. Coisa diferente foi um comentário no Twiter de um palerma sem graça que vive do erário público, sem nada fazer, nem saber.

Suscita-se o desenvolvimento da minha opinião vertida no artigo de há dias, na relação com o que disse em 2007, tal como referido.

Pois bem, tenho dito e escrito várias peças sobre este problema desde 1987, ano em que encontro textos claros de minha autoria. E recordo o que disse em dezenas de intervenções públicas, gravadas no Verão de 2005, aquando da seca que se viveu nesse ano.

Ninguém de bom senso deixará de defender medidas para as perdas nas redes domiciliárias, nas regas de jardins, na reutilização de águas de saneamento, na eficiência tecnológica da rega de culturas agrícolas, na educação das populações para a poupança, nos aproveitamentos de telhados para cisternas (grande tradição do barrocal), e muitas outras.

Mas a verdade dos factos é que, na última década, o consumo de água aumentou, tanta na agricultura, como no turismo e em outros usos. E verdade é que a precipitação diminuiu, donde reside aqui o óbvio problema e o dilema de se precisar de mais quando há menos.

Temos presente o modelo em que assentou o contrato de fornecimento pela Águas do Algarve ao Municípios: tinham que ter consumos mínimos obrigatórios crescentes. Não estou a brincar.

A economia regional, com as atuais dormidas turísticas, com os campos de golfe existentes, com os pomares instalados, precisa de muita água, a qual escasseia.

E não vale a pena atacar os abacates e fazer contas cuja consistência não parece nada evidente. Eles não têm consumos substancialmente diferentes das laranjeiras e de outras fruteiras. Tenhamos calma na argumentação superficial.

Sei bem que não se resolve tudo fazendo mais uma barragem, no caso a Foupana, o que me parece inevitável, à qual aludi convictamente.

Mas é óbvio que as demais medidas, todas juntas, não resolvem o problema que temos em mãos. Na primeira semana de janeiro de 2020, se não chover, no Sotavento a rega de pomares será reativada em pleno inverno. As populações vão gastando e os golfes e jardins vão pedir água também. Esta é a realidade. Se não caírem mais uns 350mm até abril, ficamos com um caso muito sério em mãos. Para o qual não há soluções de curto prazo.

Urge, sem dúvida elaborar, um Plano Hídrico de longo prazo e sujeitá-lo à participação e debate públicos. Devem ser os organismos governamentais a ter a coragem de o lançar já.

Todavia, parece existir um receio e um preconceito relativo às barragens, se me enganar, pedirei perdão a seu tempo. Isto para não falar de uma tirada anedótica na recente campanha eleitoral, em que a líder de um partido da Geringonça que queria ser ministra, disse que as barragens faziam evaporar a água, por isso era contra. Terá consciência do que disse?

Não se faz nenhuma barragem sem um sério estudo de impacte ambiental e com as adequadas medidas de minimização, mais credíveis do que o estudo do hidro aeroporto do Montijo.

Todos temos a noção de que o problema requer uma cascata de várias soluções, todas coerentes e encadeadas. Tudo o que seja poupar água, por um lado, e armazenar mais, por outro, desde a cisterna até à barragem, será necessário. Viver sem água é que não seremos capazes.

Opiniões sucessivamente desenvolvidas com a realidade dos factos são sempre bem vindas.

Mal de nós se passarmos toda a vida a dizer apenas o mesmo quando a realidade vai mudando objetivamente. Quem há 40 anos seria capaz de falar consistentemente de alterações climáticas ?

 

Autor: José Macário Correia, agricultor

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