Josefa Mealha comemora hoje 102 anos de vida

O pequeno aglomerado de Portela de Messines, freguesia de S. B. Messines, concelho de Silves, conhece atualmente um raro momento […]

O pequeno aglomerado de Portela de Messines, freguesia de S. B. Messines, concelho de Silves, conhece atualmente um raro momento de longevidade de um dos seus habitantes. Trata-se de Josefa do Carmo Ganhão Mealha, ou Zéfinha, como carinhosamente é tratada, que comemora hoje o seu centésimo segundo aniversário.

Nasceu em Santa Margarida, freguesia de Alte, a 11 de Abril de 1910, embora oficialmente tenha sido registada a 3 de Abril, ou seja oito dias antes da data efetiva. Uma outra curiosidade prende-se com o seu batizado, que ocorreu imediatamente após o nascimento, “in extremis”, como então se dizia, por os familiares a julgarem em perigo de vida. Situação que hoje evoca com uma sonora gargalhada: “Já morreram todos e eu ainda cá estou, 102 anos depois!”

O pai, Francisco Rodrigues Ganhão, natural dos Soidos, trabalhou nas Minas de Rio Tinto, província de Huelva, fixando-se depois em Santa Margarida, onde casou com Maria do Carmo Palma, descendente de famílias com algumas posses. Do casamento resultaram oito filhos, três rapazes e cinco raparigas, uma das quais Josefa.

Aprendeu a ler e a escrever na aldeia natal, onde frequentou, por pouco tempo, a escola. Dessa altura recorda: “Aprendi a escrever e a ler quase à minha conta. Andei na escola paga algum tempo. Quando compravam sabão, ia embrulhado num bocado de jornal e eu lia-o logo. Livros que tinha lá em casa lia-os todos. Lia tudo bem. Gostava de ler.”

Este hábito apenas o abandonou há cerca de vinte anos, quando se iniciou um processo irreversível de perda de visão, pois até então fora frequentadora assídua da Biblioteca Móvel da Fundação Calouste Gulbenkian.

Agora reconhece que o costume de ler à noite (durante o dia dedicava-se às lides agrícolas), junto ao candeeiro a petróleo, ter-se-á refletido sobremaneira na saúde dos seus olhos.

No 100º aniversário, com a neta, bisneto, filha e a irmã

Mesmo assim e apesar de já não ver, tal não impede que tome banho e se vista sozinha, ou que entre ou saia da banheira da mesma forma, ou ainda que vá ao quarto de banho sem qualquer auxílio dos familiares.

Embora descenda de uma família onde a longevidade é frequente, até lhe “custa pensar que é tão velha”, para de seguida dizer, com alguma ironia: “Agora quando me perguntarem a idade digo que tenho dois anos”.

Detentora de uma memória prodigiosa e de um ouvido afinado, mantém um ar jovial e simpático, a que junta uma excelente boa disposição que cativa o visitante. Adora ainda conversar e partilhar memórias de outros tempos, com minúcia e vivacidade.

Perguntámos-lhe que lembranças tinha dos nevões que fustigaram o Algarve em 1945 e 1954, e a resposta não se fez esperar: “Já estava aqui [Portela de Messines], choveu muita neve, tanto num ano, como no outro. A minha sogra chorava com medo que caísse o telhado, caiu uma grande camada, e estes não estavam preparados para a neve. Tapou a estrada toda e só passou um carro, vinha muito devagarinho (…). Depois choveu e deu em derreter. Graças a Deus nunca mais choveu. Ela tem caído agora na Serra da Estrela”.

A neve em 1954 em Messines

E a Pneumónica, em 1918? “Também me lembro. As pessoas estavam boas, caíam e morriam logo. Morria tudo. Também estive muito doente. A minha mãe lavou-me com vinagre, embrulhou-me numa toalha e deitou-me em cima de uma caixa grande. As camas estavam todas ocupadas. Só a Carolina [irmã] nunca adoeceu, não esteve doente. O meu pai andava com aguardente e jogava para cima da gente. (…) O meu irmão Inácio soltou-lhe o sangue e foi a sorte dele”.

Em Santa Margarida, como em todo o Algarve, faleceram famílias inteiras, num dos períodos mais negros da nossa história recente.

Evoca igualmente os tempos difíceis que então se viveram: “Naquele tempo não havia nada. Eram tempos de miséria, muita miséria. Que nunca venha esse tempo. Mas parece-me que eles estão a trabalhar para isso. Não sei que governos são estes agora. Não fazem as coisas bem feitas como devem fazer. Ainda me lembro dos patacos, dos vinténs, dos 5 reis, depois veio os meios tostões…”

E atualmente converte facilmente os euros em escudos e vice-versa.

E já agora que recordações tem do ciclone (1941)?, Interrogámos. “Ai, ai … A minha mãe fazia anos nesse dia. Nunca me hei-de esquecer. As portas batiam todas, abria tudo. Tinha um armário na cozinha, ao canto da casa, onde tinha loiça, aquilo fazia uma batida. Íamos segurar as portas. A gente fechava à chave mas abria tudo. Era mais vento que chuva. O vento era Levante, e arrancou muitas árvores, muitas oliveiras, a nossa terra ficou cheia de lenha. Mas nós não ficámos sem árvores. Tivemos lenha para muito tempo”.

Para o forno? “E para a casa”, respondeu. Não havia fogões a gás… Interrompemos! “Ah … nesse tempo era no chão. Tínhamos uma cozinha com um pano de chaminé muito grande e nós sentávamo-nos à volta. A minha mãe tinha uma panela de ferro que estava o dia todo ao fogo. Éramos cinco irmãs. Tempos que já passaram, tenho saudades desse tempo”.

Josefa Mealha casou aos 32 anos com José Cabrita Mealha, natural da Portela de Messines, para onde mudou então residência e onde permanece há 70 anos.

Do casamento resultou uma filha, com quem vive, e também dois netos e dois bisnetos. O marido acabou por falecer muito novo, após 21 anos de feliz matrimónio, mas Josefa não voltou a casar, não seguindo o exemplo da avó que o fizera por três vezes.

Quase a terminar, a questão inevitável: qual o segredo para atingir tão proveta idade? Não se fez rogada: “O segredo é muita saúde e comer bem. Eu gostava de tudo, mas hoje estou muito bicosa. Gostava muito de gaspacho, mas agora já não. Um tomatinho com sal esse ainda gosto”. Junta-lhe igualmente os ares puros da Portela e a boa qualidade da água da zona.

Josefa Mealha, ou melhor a Zéfinha, levanta-se por volta das 11 horas da manhã, depois de tomar o pequeno-almoço ainda na cama, mas, não fosse a traição da visão, ainda hoje faria a lida da casa, trataria da horta e visitaria a vizinhança com maior assiduidade.

Assim e quando por qualquer motivo está sozinha (vive com a filha, o genro e um neto), aproveita para cantar ou versejar. E foi o que fez antes de sairmos:

“Ah Zéfinha, ah Zéfinha

A Zéfinha ainda não morreu

Ainda aqui cá está a Zéfinha

A Zéfinha sou eu.”

 

À aniversariante, mas também a todos os seus familiares, desejamos, neste dia tão especial, muita saúde e uma sonora e merecida salva de palmas.

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