Versão monchiquense de Romeu e Julieta numa “catedral do medronho”

A identidade de Monchique e dos monchiquenses está intimamente ligada ao medronho e, para conhecê-la, nada melhor do que uma […]

Foto: Martyna Mazurek

A identidade de Monchique e dos monchiquenses está intimamente ligada ao medronho e, para conhecê-la, nada melhor do que uma visita a uma destilaria durante a produção da afamada aguardente. As “catedrais do medronho” são mais do que o local onde se produz o «néctar divino». Há todo um ritual associado: há cheiros e sabores, histórias, conversas, convívio, muito trabalho e, entre 31 de Março e 2 de Abril, haverá também teatro.

O projeto “Lavrar o Mar” vai dar a conhecer quatro destilarias monchiquenses durante o Festival do Medronho de Monchique, mostrando não só o processo de produção, mas também a “magia” destes locais.

Giacomo Scalisi, o mentor da iniciativa, explicou ao Sul Informação que «a ideia é que, em cada noite, as pessoas cheguem ao festival às 18h30. Recebem um objeto, que as divide em quatro grupos, de 20 pessoas, que vão seguir em quatro autocarros. Cada autocarro vai a três destilarias e cada grupo vê a interpretação de três histórias. Cada grupo vai ter uma destilaria e uma história que não vê, mas que, quando houver um reencontro, os outros podem contar».

Giacomo Scalisi

A iniciativa, que dura cerca de três horas, será feita ao ritmo de um jantar: na primeira destilaria, serão servidas entradas, na segunda, o prato principal e, na terceira, a sobremesa.

A importância da alimentação durante este espetáculo itinerante é realçada por Giacomo Scalisi, porque «beber medronho sem comer é um problema e as pessoas vão beber bastante medronho, porque, em cada destilaria, vão prová-lo».

Por isso, o melhor é mesmo não arriscar no regresso a casa: «pedimos às pessoas para ficarem em Monchique, para não voltarem a casa de carro, para felicidade delas, para estarem descansadas e poderem aproveitar ao máximo o projeto».

E a estadia em Monchique até é facilitada aos participantes. «Fomos falar com os hotéis, desde o cinco estrelas, até à pensão, e estabelecemos parcerias. Há preços muito convidativos para as pessoas ficarem durante o fim de semana em Monchique e aproveitarem o Festival», adianta Giacomo Scalisi.

O responsável do “Lavrar o Mar”, juntamente com a coreógrafa Madalena Victorino, conta que, na génese deste projeto está um fascínio que Giacomo sempre teve por «este néctar divino que aqui se produz e que constitui uma das identidades fortes de Monchique. O medronho vem de uma tradição muito antiga, que continua a ser desenvolvida. Depois dos pais, os filhos estão a continuar este ritual» e «o espetáculo quer celebrar e mostrar os lugares onde este acontece, que são as destilarias».

Giacomo Scalisi diz ter ficado «surpreendido com este ritual ancestral que, mesmo com a legalização das destilarias, se mantém. Apesar de estarem a melhorar em tudo, quer nos produtos, quer nas regras de destila do medronho, o ritual antigo está lá e é forte. Os próprios lugares respiram esta atmosfera particular».

Foto: Martyna Mazurek

O mentor da ideia achou que era «interessante mostrar isto. Pensei como seria possível levar as pessoas às destilarias. Não quis mostrar numa visita como elas funcionam, mas associar isso a um momento de arte, que é, no fundo, o Lavrar o Mar».

Para isso, chamou dois escritores, Afonso Cruz e Sandro William Junqueira, que escreveram os textos que vão ser interpretados pelos atores. «Falei com o Afonso Cruz, porque temos uma relação de outros projetos e porque o próprio Afonso Cruz destila em casa. Ele faz cerveja e destilados de coisas diferentes. Por isso, tinha interesse pessoal e matéria para escrever. Já o Sandro é de Portimão e tem também uma ligação com Monchique», explica.

Durante o trabalho de pesquisa que fizeram, abriu-se uma porta «para estes rituais, com o que se come, o que se discute» e Giacomo Scalisi acredita que os textos de Sandro William Junqueira e Afonso Cruz conseguiram refletir isso da melhor maneira.

«São histórias muito profundas. Os dois conseguiram, em pouco tempo, “apanhar” qual a realidade de Monchique, É uma realidade desta serra, não existe outra igual. Acho que conseguimos “apanhar” esta maneira de estar, de se relacionar e de viver de uma sociedade muito ligada à terra. Os medronheiros, o medronho, a destila, as flores, as plantas, a lenha, a madeira, tudo isto faz parte intrínseca de cada um dos monchiquenses», explica Giacomo Scalisi.

As quatro histórias escritas estão todas ligadas ao medronho e o responsável pelo projeto Lavrar o Mar desvenda um pouco de uma delas: «o Sandro escreveu uma história muito bonita, baseada um texto que todos conhecem, o Romeu e Julieta, de Shakespeare. Será uma versão monchiquense, sobre duas famílias que produzem medronho e estão em luta. Os dois jovens gostam um do outro, querem casar, mas as famílias não querem. Pelo meio, há um incêndio, que queima tudo, e depois, ela suicida-se com etanol, que é libertado na primeira parte da destila, que mata mesmo, e ela suicida-se com isso».

Uma das destilarias onde se vai “Lavrar o Mar” | Foto: Martyna Mazurek

A destila de aguardente de medronho costuma ser, para pessoas próximas do “mestre” responsável pela produção do líquido, um momento que junta «amigos e os amigos dos amigos». O facto de receberem estranhos nas suas destilarias podia ser um problema para os produtores, mas não foi: «eu fiquei muito surpreendido, porque eles abriram as portas todas».

Também por isso, Giacomo Scalisi realça a oportunidade que será dada aos participantes da atividade. «É uma oportunidade única. Não é só uma visita para “turistas”, mas uma maneira de visitar os lugares e participarem, não só na destila, mas num evento que só aí pode ser visto. Estes textos podem ser lidos e apresentados noutros locais, mas fazem sentido e são pensados para aqueles lugares».

«Têm mesmo de ir a Monchique ver este espetáculo, não podem esperar que chegue à cidade. Se gostam de medronho – se não gostam, eu acho que não vale a pena vir – se gostam de conhecer estes lugares, que têm uma história muito grande e fazem parte desta serra, é uma oportunidade única a não perder», incita Giacomo.

Para não perder a oportunidade, pode comprar os bilhetes, que custam 10 euros, no site do “Lavrar o Mar”, na BOL, na Biblioteca de Monchique e na sede do “Lavrar o Mar”, em Aljezur. Mas apresse-se, as vagas estão quase a acabar.

Estes Encontros Artísticos, que levam o Teatro às Catedrais do Medronho, integram-se no projeto Lavrar o Mar, financiado pelo programa 365 Algarve.

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