José Gusmão (BE): Habitação é tema «absolutamente central» no Algarve

Na região algarvia, «há casa quando não há trabalho e quando há trabalho não há casa», diz o candidato bloquista

José Gusmao, 45 anos, é economista, licenciado no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Foi eleito deputado ao Parlamento Europeu nas eleições de 2019 pelas listas do Bloco de Esquerda. É, há vários anos, um dos autores do blogue sobre economia “Ladrões de Bicicletas”, sendo ainda coautor de vários livros.

É agora o cabeça-de-lista do Bloco de Esquerda às Eleições Legislativas de 30 de Janeiro, pelo círculo eleitoral do Algarve, onde procura suceder ao atual deputado João Vasconcelos, que não se recandidata.

ComJosé Gusmão prossegue a série de entrevistas que o Sul Informação vai publicar, com todos os cabeças-de-lista de todas as forças políticas que se candidatam pelo círculo eleitoral do distrito de Faro.

A todos, e numa lógica de igualdade de oportunidades, foi enviado, atempadamente, um mesmo questionário com 12 perguntas.

As respostas são, naturalmente, diversas, como ficará claro ao longo dos próximos dias, com a publicação de todas as entrevistas.

 

Sul Informação – Quais são as prioridades da sua força política para a próxima legislatura para o Algarve?

José Gusmão – As prioridades são concretizar os investimentos adiados na saúde, transportes e educação, construir um parque de habitação pública para baixar as rendas em toda a região, e reduzir a sazonalidade da economia do Algarve, diversificando a oferta turística e industrial e apostando em fileiras com maior valor acrescentado, nos produtos agrícolas e no peixe e marisco.
Outras prioridades são também proteger os recursos aquíferos do Algarve da sobre-exploração. A água é o nosso recurso mais precioso e a região precisa de mais apoios para pequenos produtores e para a agricultura sustentável. Precisa também de um maior equilíbrio entre culturas de regadio e de sequeiro.
Finalmente, apostar nas energias renováveis, incluindo a microgeração e comunidades energéticas, alimentando um setor de produção e instalação de sistemas de produção e armazenamento de energias renováveis e eficiência energética, articulando setor empresarial, autarquias e a Universidade.

SI – O que levou a que aceitasse ser cabeça de lista pelo partido ou força política que representa?

JG – O Algarve é uma região que conheço, de que gosto muito e sobre a qual também tenho intervindo enquanto eurodeputado, sobretudo nas questões do ambiente e da água.
Enquanto economista, o Algarve apresenta grandes desafios. É a segunda região que mais contribui para o PIB per capita, mas tem a remuneração média mensal mais baixa do país e de longe a maior proporção de contratos precários.
O Bloco tem o contributo mais sistemático para resolver os problemas de desigualdade e precariedade. Foi para mim fácil aceitar o convite do João Vasconcelos e da organização do Bloco. E claro que foi importante que tenha havido um grande consenso em torno desta candidatura.

SI – Quais são as expectativas e objetivos da sua força política em relação a estas Eleições Legislativas?

JG – O Bloco é a terceira força política no Algarve e a única força (para além do PS e do PSD) que elege um deputado.
Queremos manter-nos como a terceira força política do Algarve, o que significa derrotar a extrema-direita e impedir que esta eleja nesta região.
Seria trágico para o Algarve que a região ficasse totalmente entregue ao bloco central ou que o deputado do Bloco fosse substituído por um deputado da extrema-direita.
Estamos confiantes de que o vamos impedir com a manutenção e mesmo reforço da votação no Bloco.

SI – O que falta fazer no Algarve?

JG – Faz falta um aumento dos níveis do investimento público executado. Ao longo de anos, o Governo e o Ministro das Finanças deixaram 4 mil milhões de euros por executar. Este valor significa que dezenas de investimentos estruturantes ficaram na gaveta.
Só com uma esquerda mais forte conseguiremos ter força para condicionar o Governo no sentido de inverter esta tendência. Uma maioria absoluta representaria quatro anos de estagnação absoluta.
Há um conjunto vasto de investimentos que são considerados fundamentais para a região: modernização da linha ferroviária do Algarve, requalificação da EN125, sistemas de transportes coletivos, construção do hospital central do Algarve, construção de um parque de habitação pública que faça baixar as rendas, requalificação e reabertura de centros de saúde, modernização do parque escolar, requalificação de sistemas de rega e de saneamento para combater o desperdício de água e a poluição, construção de represas e barragens para reter água para a agricultura e consumo humano, e muitos outros investimentos de pequena e média dimensão.
O que falta é vontade política.

SI – A Saúde é um setor deficitário no Algarve e no país. Que medidas preconiza para resolver os problemas da Saúde no Algarve?

JG – O principal problema da saúde é a falta de profissionais. António Costa prometeu, em 2015, que todos os utentes teriam médico de família. Estamos em 2022 e o número de utentes sem médico de família aumentou.
Nos hospitais de Portimão e Faro, há várias especialidades com falta de médicos e, em alguns casos, com menos de metade dos médicos necessários.
É preciso abrir vagas em exclusividade que permitam ao SNS oferecer condições de remuneração e carreira que lhe permitam disputar médicos ao setor privado e à emigração.
Com os enfermeiros e auxiliares, a situação é semelhante. Os hospitais do Algarve funcionam com muito menos enfermeiros e auxiliares do que seria necessário, porque as carreiras não são valorizadas. Isso leva a que se preste um serviço muito pior e se gaste mais dinheiro a contratar privados.
A agravar todos estes problemas, o Algarve tem a segundo mercado de habitação mais caro do país, o que afasta estes e outros profissionais da região.

SI – E quanto ao Hospital Central do Algarve? Quando deve avançar e porquê?

JG – O Hospital Central do Algarve é uma promessa que tem quase duas décadas, mas continua por cumprir. Durante os anos da Geringonça e a partir de 2019, o Bloco não parou de propor a sua concretização.
No orçamento para 2020, que negociámos e aprovámos, ficou consagrado o início dos procedimentos necessários para a sua execução. Mais uma vez, o Governo não cumpriu o próprio Orçamento que aprovou, como aconteceu com tantos outros projetos.
Estamos em 2022 e não há novidades. Este será um compromisso do Bloco para a negociação de futuros orçamentos aprovados à esquerda.

SI – O Governo anterior avançou com a Descentralização de Competências para os Municípios. Que balanço faz desse processo?

JG – O balanço é claro e confirmado por autarcas de todas as forças políticas. Sob a capa da descentralização de competências, o Estado tem transferido competências para as autarquias sem transferir os recursos financeiros necessários.
É uma política de corte na despesa pública escondida através da sobrecarga financeira das autarquias, que têm de retirar dinheiro a outras competências que já tinham.

SI – Um futuro Governo deverá avançar com a Regionalização? Porquê ou porque não?

JG – Sem dúvida! A vitória da direita no referendo da regionalização custou mais de duas décadas de planeamento e de investimento público estruturante em todo o país.
Defenderemos que se avance de vez para essa reforma essencial e consideramos que o Algarve é uma das regiões que mais tem a ganhar com essa democratização do nível de poder regional.
O poder regional tem de passar a ser eleito e escrutinado, em vez de ser determinado pelos negócios de nomeações entre os partidos do bloco central, como voltou a acontecer recentemente.

SI – Na Assembleia da República, têm-se sucedido as resoluções para acabar com as portagens na Via do Infante ou, pelo menos, para introduzir descontos significativos. O que pensa deste tema e que soluções preconiza?

JG – Grande parte dessas resoluções foram apresentadas pelo deputado do Bloco João Vasconcelos. O Bloco foi a grande força de oposição às portagens na Via do Infante e vai continuar a ser.
Lutaremos, pelo menos, para forçar o PS a cumprir a promessa de António Costa de as reduzir em 50% e criar um sistema de isenções.
Também por aí se vê como seria trágico perder essa representação, deixando a região entregue aos dois partidos das portagens, PS e PSD.

SI – No início da atual crise da pandemia, o Governo anunciou um plano específico para o Algarve, que nunca chegou a ser concretizado. O que precisa o Turismo do Algarve para recuperar da pandemia?

JG – O turismo do Algarve precisa de apoios até que a pandemia termine e precisa de investimento e promoção da diversificação da sua oferta, de forma a poder criar oferta e trabalho durante todo o ano e não apenas na época alta, e de forma a cobrir todo o território e não apenas a faixa litoral.
A sazonalidade do turismo não é só um problema do turismo. É um problema da restauração, do pequeno comércio e da atividade económica em geral.

SI – No caso de questões mais fraturantes, como a regionalização, as portagens na Via do Infante e a saúde, entre outras, se for eleito, votará na AR de acordo com a sua convicção, mesmo que vá contra as orientações do seu partido?

JG – O Bloco não tem disciplina de bancada, o que permite que os seus deputados votem livremente.
Felizmente, este não é um problema em qualquer caso, porque sobre estas matérias o Bloco tem defendido as posições que melhor protegem a região.

SI – Quer acrescentar mais algum tema ou questão?

JG – Um tema absolutamente central é o da habitação. O Algarve tem a remuneração média mensal mais baixa de todo o país. Mas tem as rendas mais caras do país, com exceção de Lisboa.
Esta situação é insustentável, até porque, para além disso, a oferta de habitação é sazonal e em contraciclo com a atividade económica. Há casa quando não há trabalho e quando há trabalho não há casa.
Isto afeta a capacidade da região para atrair professores, médicos e outros profissionais qualificados, fornecer habitação digna a quem trabalha no turismo, na restauração, no pequeno comércio, na agricultura ou na pesca, e disputar estudantes e investigadores a outros centros universitários.
A solução tem de passar pelo investimento em habitação pública, não apenas habitação social, que pressione o mercado de arrendamento para baixar as rendas, e também pela penalização do absentismo, para que as casas estejam no mercado, aumentando a oferta.

 

 



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