Sindicato exigiu em Faro fim do «boicote patronal» ao aumento dos salários na hotelaria

Trabalhadores também apontam o dedo ao Governo

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Representantes dos trabalhadores da hotelaria do Algarve voltaram a sair à rua em protesto, esta quinta-feira, dia 19 de Agosto, em Faro, para exigir aumentos nos salários e denunciar o que consideram um «boicote patronal» a que isso aconteça.

Cerca de duas dezenas de pessoas participaram nesta «ação simbólica», que visou «denunciar publicamente a situação que os trabalhadores deste setor, da hotelaria, do turismo, da restauração, estão a viver», revelou ao Sul Informação Tiago Jacinto, coordenador do Sindicato da Hotelaria do Algarve.

«Há vários anos que os trabalhadores do turismo e da hotelaria veem os seus salários congelados, por força do bloqueio que as associações patronais têm feito à revisão das tabelas salariais», acrescentou.

No protesto de ontem, os manifestantes empunharam, num primeiro momento, tarjas e cartazes com frases como “Exigimos melhores salários” e “Temos direito a uma vida digna”, para mais tarde fazer o caminho até às sedes da Associação dos Industriais Hoteleiros e Similares do Algarve (AIHSA) e da Região de Turismo do Algarve, para entregar uma moção.

Segundo Tiago Jacinto, o alegado bloqueio das associações patronais «está a levar a que cada vez mais trabalhadores estejam já a receber o salário mínimo nacional. E isso nós não podemos aceitar».

Os números do sindicato, que constam da moção entregue à AIHSA e à RTA e que será «enviada à Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA)», indicam que, atualmente, são «cerca de 80%» os trabalhadores a receber ordenado mínimo no setor, fazendo da hotelaria a área «que paga os salários mais baixos em Portugal».

 

Tiago Jacinto a falar durante o protesto – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Só entre 2011 e 2019, os proveitos na hotelaria registaram um aumento de 124%, enquanto a remuneração base média dos trabalhadores teve um aumento de apenas 4%, ao mesmo tempo que a taxa de inflação foi cerca de 10%», lê-se na moção.

«Na maior parte das empresas, os direitos dos trabalhadores não estão a ser cumpridos, nomeadamente em relação ao pagamento das folgas, feriados, horas extra, abono para falhas, entre outros, como o direito ao gozo de 25 dias úteis de férias», resume o mesmo documento.

O coordenador do sindicato reforça, dizendo que há «uma tentativa por parte do patronato de introduzir a desregulação dos horários de trabalho completo, do banco de horas, da adaptabilidade, para não pagar o trabalho suplementar».

A isto, junta-se a intenção de «reduzir o pagamento do trabalho em dia de feriado ou não pagar mesmo esse trabalho, para tornar esse dia num dia normal de trabalho», bem como de «diminuir de dois para apenas um dia de descanso» semanal.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

As relações do sindicato com as duas principais associações do setor, no Algarve, a AIHSA e a AHETA, são bem distintas.

«Nós só temos contrato coletivo de trabalho com AIHSA, que foi a primeira associação patronal aqui da região, e temo-lo desde sempre. Mas, nos últimos 13 anos, só em 3 anos é que foi possível chegar a acordo, é que a AIHSA esteve disponível para rever a tabela salarial e as outras cláusulas», resumiu Tiago Jacinto.

A última atualização salarial «foi em 2018». Mesmo tendo em conta que, entretanto, surgiu a pandemia, o «grande patronato e também algumas médias empresas tiveram o acesso aos apoios públicos e os lucros dos anos anteriores assegurados», pelo que agora já há condições para renegociar, acreditam os sindicalistas.

«Nós fizemos uma proposta de contrato coletivo de trabalho em 2019, só que a posição tanto da AHETA como da AIHSA é que só admitem dar um aumento salarial em troca da retirada de direitos. E isso nós não podemos aceitar. Há aqui uma chantagem permanente sobre os sindicatos, sobre os trabalhadores, para aceitarem perder os direitos que foram duramente conquistados ao longo dos anos», disse.

Elidérico Viegas, presidente da AHETA, considera esta posição «perfeitamente desproporcionada e desajustada», tendo em conta que a associação que dirige «nunca se recusou a negociar».

«Eles enviaram-nos uma proposta e nós devolvemos uma contraproposta, à qual nunca obtivemos resposta. A bola está do lado deles», disse.

Quanto às acusações de perda de direitos, Elidérico Viegas diz que a proposta feita ao Sindicato da Hotelaria do Algarve, afeto à CGTP, tem condições idênticas ao que está em vigor «há 25 anos» com o SITESE, o outro sindicato deste setor, ligado à UGT.

O mesmo responsável assegura, mesmo, que o sindicato que hoje esteve em protesto «só recentemente se mostrou interessado em negociar» um contrato coletivo de trabalho com a AHETA e que «as reuniões têm sido desmarcadas por iniciativa deles».

 

 

Mas não é só às associações empresariais que o sindicato aponta o dedo.

«Há aqui uma responsabilidade, também, do Governo, para a qual nós queremos alertar. As normas gravosas do código do trabalho que foram introduzidas pelos vários Governos, nomeadamente pelo atual do Partido Socialista, estão a incentivar o patronato a fazer este bloqueio», acusou Tiago Jacinto.

Em causa, está a caducidade dos contratos coletivos de trabalho, sempre que haja um determinado período de impasse nas negociações entre os trabalhadores e as empresas, o que, na visão do dirigente sindical, dá um trunfo aos patrões «para chantagear os trabalhadores».

«Isto precisa ser alterado e é isso que nós estamos aqui a reclamar. Por um lado, que as associações patronais da região tenham abertura para que possamos negociar a melhoria dos salários e das condições de trabalho. Por outro lado, para exigir ao Governo e à Assembleia da República que tomem as medidas necessárias para revogar essas normas gravosas que estão a servir de sustento a este boicote patronal», resumiu Tiago Jacinto.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 

 

 



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