Investigadores e docentes da UAlg manifestaram-se para «dar uma pedrada no charco»

Foi entregue um manifesto ao reitor

Foto: Nuno Costa | Sul Informação

«Dar uma pedrada no charco» e exigir o fim da precariedade laboral de investigadores e docentes da Universidade do Algarve foi o grande objetivo de um protesto que teve lugar hoje, terça-feira, dia 5 de Dezembro, no Campus das Gambelas da instituição, em Faro.

A manifestação, uma iniciativa conjunta do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), afeto à FENPROF, e da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), juntou cinco dezenas de investigadores e docentes da UAlg, além de representantes das entidades promotores do protesto.

A ação culminou com a entrega de um manifesto a Paulo Águas, reitor da UAlg, que recebeu uma comitiva com os representantes das diferentes entidades.

Segundo José Contreiras, da SPZS, um dos objetivos do protesto foi «falar com os colegas, dar a conhecer as nossas reivindicações, mas também as nossas preocupações, que já são antigas e que não só são da Universidade de Algarve, mas também são um pouco nacionais».

Ainda assim, os problemas «têm bastante mais acutilância, aqui na Universidade do Algarve, porque nós temos um peso muito grande ao nível da precariedade, não só ao nível da investigação, mas ao nível também da docência».

 

José Moreira – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Segundo José Moreira, do SNESup, «um dos principais problemas prende-se com a precariedade. Sem exagero, 90% dos investigadores são precários. Houve uma evolução nos últimos anos, com a passagem de contratos de bolsa para contratos de trabalho, mas estes contratos de trabalho são todos precários».

«Agora finalmente vai haver uma pequena janela de oportunidade com a colocação de cerca de 1400 pessoas, a nível nacional, em contratos por tempo indeterminado», acrescenta.

O sindicalista, que também é docente na Universidade do Algarve desde 1999, refere-se ao programa FCT-Tenure, uma medida lançada pelo Governo que visa dar contratos permanentes a parte dos investigadores e docentes precários, mas que, com a queda do Governo, está envolta em incerteza.

«Aqui na Universidade do Algarve, temos umas largas dezenas de investigadores que estão em vias de perder os seus empregos, de acabar os seus contratos de trabalho, não sabemos o que é que vai acontecer. Veremos quantos serão integrados por esta via do FCT-Tenure, que dará alguns contratos permanentes, quer para a docência, quer para a investigação», disse José Moreira.

Em causa estão investigadores que celebraram contratos de 6 anos, ao abrigo de um decreto de lei publicado em 2016, ligação às instituições que termina «no ano que vem».

 

José Contreiras – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Houve um decreto que permitiu dar alguma estabilidade à maioria destes profissionais altamente qualificados, mas que neste momento voltam a não ter solução à vista», ilustra José Contreiras.

Uma pessoa que está nessa situação é Sofia Lisboa, vice-presidente da ABIC, associação que nasceu para combater a precariedade no setor científico.

Em 2019, com o Programa de Regularização de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP), muitos investigadores viram a sua situação regularizada, embora o processo não tenha corrido bem na Universidade do Algarve, com o número de investigadores a verem a sua situação estabilizada a ser bem inferior ao esperado.

Apesar de alguns avanços, a luta que levou a que houvesse contratos para os investigadores não foi dada como encerrada pela ABIC, que continua a batalhar, «porque tem de haver uma valorização dos investigadores como trabalhadores, como qualquer outro trabalhador».

«São investigadores, são técnicos de laboratórios, são gestores de ciência, são, enfim, pessoas que estão a trabalhar, a construir a ciência deste país, que muito serve para nos gabarmos quando recebemos prémios internacionais, etc», ilustra Sofia Lisboa.

«Mas depois, na prática, estas são pessoas que têm a sua vida assente na maior das precariedades, sem saber ao certo como é que vão pagar as contas no mês seguinte», acrescenta.

Uma das coisas que a ABIC defende é que os bolseiros que estejam a fazer doutoramento, mas também precários pós-doc, tenham acesso «a um contrato de 4 anos, que é o tempo do doutoramento».

Este não seria um contrato «para entrar já na carreira científica», mas sim um vínculo laboral que permitirá a estes investigadores «ter, por exemplo, o 13º e 14º mês. Nós não temos 13º e 14º mês, nós não temos descontos para a Segurança Social como deve ser, temos uma coisa chamada Segurança Social Voluntária, que é, assim, uma pseudo-segurança social».

Com as bolsas de investigação, os cientistas não têm acesso a direitos «como licença de maternidade, baixas médicas, subsídio de desemprego. Somos pessoas que estamos a trabalhar, que, ao fim e ao cabo, não temos direitos, não somos reconhecidos como trabalhadores».

«Esta é uma luta maior, é a luta contra a precariedade neste setor e para que se perceba que a ciência não se faz de precariedade. Ao contrário do que disse a ministra [da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato], de que é preciso haver precariedade, porque a estabilidade mata a ciência, nós dizemos o contrário: a precariedade é que mata a ciência! Uma pessoa conseguirá contribuir muito mais para a investigação científica e para a resposta às suas perguntas se tiver estabilidade na sua vida».

 

Sofia Lisboa – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Mas não só os investigadores que enfrentam problemas, também os docentes procuram melhores condições.

«Temos bastantes dificuldades na progressão da carreira. Temos a aplicação das quotas na avaliação de desempenho, que é quase um caso único em Portugal, somos praticamente a única instituição que aplica quotas sobre os docentes que têm excelente para reduzir a progressão. Mesmo que tenham excelente, nem todos os professores conseguem subir na carreira», enquadrou José Contreiras, referindo-se à UAlg.

Isto tem implicações nos aumentos salariais, mas não é o único fator que prejudica a remuneração dos académicos algarvios.

Outra «questão importante» é a dos vencimentos, uma vez que os professores universitários, mas também os investigadores, «à semelhança de outros quadros superiores da administração pública, têm mais de 30% de perdas acumuladas no que toca ao poder de compra».

«Nada contra que os trabalhadores com menores vencimentos tenham aumentos mais substanciais, mas nós mais uma vez fomos aumentados abaixo do índice de inflação previsto, portanto o nosso aumento de investigadores e docentes é de 3%, a inflação prevista é de 4,9% a 4,7%», José Moreira.

Outra preocupação demonstrada pelos manifestantes foi com o financiamento da UAlg, «porque temos um novo orçamento, com uma nova fórmula de cálculo de financiamento, que ninguém sabe o que é, e que está para ser aplicada no próximo ano. De momento, não sabemos», ilustrou José Contreiras.

 

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub