A noite em que o céu “ameaçou cair” sobre os algarvios: 9 de outubro de 1933

Sem poluição luminosa, o céu tinha uma outra visibilidade, contribuindo ainda mais para o assombro das populações

Há 90 anos, a noite de 9 de outubro foi temerosa para a maioria e de pânico para muitos mais. O céu parecia querer tombar sobre as cabeças de todos aqueles que saíam à rua ou o olhavam mesmo da soleira da porta – uma chuva de estrelas, na verdadeira aceção da palavra, cruzou os céus durante algumas horas.

O fenómeno não se restringiu obviamente ao Algarve, foi presenciado em todo o país (ou melhor, nos locais onde não havia nebulosidade), bem como na Europa, em França, Itália, Alemanha, Bélgica ou Espanha.

Sem poluição luminosa, porque eram pouquíssimas as localidades que tinham iluminação pública elétrica, o céu tinha uma outra visibilidade, contribuindo ainda mais para o assombro das populações.

A tudo isto juntava-se o analfabetismo, rei e senhor do país, de que o Algarve não era exceção, pelo que aquele acontecimento inusitado só podia ser o prenúncio de grandes catástrofes ou mesmo do fim do mundo.

No norte do país, houve localidades onde os sinos tocaram a rebate, precipitando-se os fiéis para as igrejas que encheram rapidamente, enquanto na linha de caminho de ferro do Minho e Douro os passageiros pretenderam abandonar os comboios em que seguiam, receosos de «pavorosas calamidades», que acreditavam iminentes.

O correspondente do «Diário de Notícias» (DN) do Porto descreveu detalhadamente o que viu naquela cidade, que não terá sido dissemelhante do presenciado no Algarve: «o fenómeno registou-se de maneira pouco vulgar, dando a impressão de que o panorama celeste se modificava a cada instante, por um movimento rítmico e conjugado de milhares e milhares de estrelas. Visíveis aqui e além, em maior ou menor quantidade, aquelas miríades de centelhas luminosas desfaziam-se lentamente, numa chuva de ouro e numa poalha de luz, não dando, sequer, tempo bastante para se poder fixar o mesmo aspecto por mais de um ou dois segundos». Um céu em constante movimento contrastava com a quietude normal de todas as noites.

Quer o DN, quer «O Século», deram amplo destaque ao acontecimento nos dias seguintes, contextualizando-o do ponto de vista científico, com os conhecimentos da época, e inserindo notícias das mais variadas localidades do país, entre elas do Algarve.

O correspondente de Olhão escreveu: «em Faro e aqui, cerca das 21 horas. Começou a vêr-se uma verdadeira chuva de estrelas e a notar-se uma faixa branca na linha de água. Pouco depois, levantou-se um enorme nevoeiro, tão denso que, dificilmente, se distinguiam as luzes. Os barcos que andavam na pesca regressaram, rapidamente. Cêrca das 21 e 15, repetiu-se o fenómeno».

Mais a sotavento, em Vila Real de Santo António: «ao princípio da noite, foi, aqui, observado o fenómeno astronómico, que chamou a atenção de muita gente. Depois, levantou-se um nevoeiro muito denso».

 

 

Mais esclarecido e detalhado foi o correspondente de Monchique: «Em Monchique, também foi admirada a “chuva de estrelas”. O fenómeno teve ali as seguintes características: a oeste da Ursa Maior estabeleceu-se um centro de movimento, invisível pelo menos à vista desarmada, donde irradiavam, em todas as direcções, centenas de estrelas cadentes, como faíscas a saltar de uma roda de fogo num rápido movimento de rotação. Por vezes, havia a impressão de que algumas dessas estrelas atravessavam a atmosfera em zigue-zague, pois surgiam, desapareciam e voltavam a riscar o firmamento mais adiante; outras, por sua vez, deixavam no espaço rastos luminosos, que só se desvaneciam passados seguramente dois minutos. Muitas pessoas saíram para a rua, a contemplar o espectaculo, e, como sempre, apareceu quem julgasse estar próximo o fim do mundo».

Houve ainda notícias oriundas de Santa Bárbara de Nexe, São Brás de Alportel e Paderne. Nesta última aldeia, os mais idosos recordavam-se de um fenómeno semelhante, que havia ocorrido «há uns cinquenta anos». Já em Estoi, o prodígio foi observado durante três horas.

Também em Alte, «o curioso fenómeno da chuva de estrelas (…) foi observado por muitas pessoas, supondo muita gente, principalmente do campo, que era chegada a hora do “Dia do Juizo”…».

Certo é que quem presenciou o fenómeno jamais o esqueceu. Naquela noite, terão cruzado os céus cerca de 20 000 meteoritos por hora, provenientes do cometa Giacobini-Zinner, motivo pelo qual são conhecidos por Giacobínidas, ou ainda por Draconídeas, pois surgem vindos de noroeste, da constelação de Dragão, como noticiara o correspondente de Monchique.

 

 

Apesar de se tratar de um acontecimento anual, desde então não se repetiu uma chuva de estrelas torrencial, como a de 1933.

Para todos aqueles que acreditavam que o fenómeno antevia catástrofes e era sinal de guerras, estas não tardaram: a guerra civil em Espanha, logo em 1936; e três anos depois a II Guerra Mundial.

A antecipar esta última, a 25 de Janeiro de 1938, um outro fenómeno singular semeou novamente o pânico e o terror em muitos portugueses e algarvios em particular.

Na noite fria e escura o céu ficou vermelho, da cor do fogo, do qual se desprendiam raios luminosos brancos e verdes incandescentes, algo nunca visto por estas latitudes.

Era tão somente uma aurora boreal a cruzar os céus de Portugal, mas isso ignorava a maioria, e para a turba ignorante amotinada só podia ser o apocalipse e o fim do mundo…

Mas isto é uma outra história e um outro fenómeno, mais raro que o primeiro.

Porque a chuva de meteoros Draconídeas é anual e imprevisível, quem sabe se logo ao princípio da noite o fenómeno não se repete? Pelo sim, pelo não, valerá a pena olhar o céu. Boa sorte!

 

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