Presidente da República veta Programa + Habitação

Marcelo Rebelo de Sousa criticou a ausência de consenso

O Presidente da República vetou o conjunto de alterações legislativas no âmbito da habitação aprovadas pela maioria absoluta do PS no parlamento, expressando sobre elas um “sereno juízo negativo”, e criticou a ausência de consenso.

“Sei, e todos sabemos, que a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação acabada de votar. Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos”, assinalou Marcelo Rebelo de Sousa, na mensagem que dirigiu ao presidente da Assembleia da República, disponível no site da Presidência.

Marcelo Rebelo de Sousa, na carta enviada ao presidente da Assembleia da República explicanmdo o seu veto, salienta, por exemplo, que “o presente diploma, apesar das correções no arrendamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”.

Por outro lado, acrescenta, “não se vislumbram novas medidas, de efeito imediato, de resposta ao sufoco de muitas famílias em face do peso dos aumentos nos juros e, em inúmeras situações, nas rendas”.

“Tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral”, salienta o Presidente da República.

O Presidente da República devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto que aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas, com a seguinte mensagem:

«Palácio de Belém, 20 de agosto de 2023

A Sua Excelência
O Presidente da Assembleia da República,

Dirijo-me a Vossa Excelência nos termos do n.º 1 do Artigo 136.º da Constituição, transmitindo a presente mensagem à Assembleia da República sobre o Decreto n.º 81/XV, que aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas, nos seguintes termos:

1. A emergência da crise habitacional, que afeta, especialmente, jovens e famílias mais vulneráveis, mas começa a atingir as classes médias, bem como a necessidade do aumento da oferta de imóveis para habitação, levaram o Governo, há seis meses, a anunciar um ambicioso Programa Mais Habitação, logo após recriar um Ministério para a Habitação.

Esse Programa integrava significativas medidas de simplificação administrativa, acolhidas noutro diploma da Assembleia da República, que acabei de promulgar.

Mas, sobretudo, aparecia, aos olhos dos Portugueses, centrado em cinco ideias muito fortes:

1.ª – O arrendamento forçado de casas de privados, devolutas, aumentando a oferta de habitação;

2.ª – A limitação ao alojamento local, permitindo, por essa via, também, aumento da oferta de arrendamento acessível;

3.ª – O reforço do papel do Estado na oferta de mais casas, por si e em colaboração com cooperativas, alargando o citado arrendamento acessível;

4.ª – A disponibilização de estímulos públicos aos privados para fazerem aumentar a pretendida oferta;

5.ª – Medidas transitórias, entre as quais as limitações à subida das rendas, durante o período do arranque e consolidação do Programa.

Tudo visando introduzir no mercado da habitação um choque rápido, que acorresse à emergência, fosse visível até 2026 – termo da legislatura –e permitisse travar a vertiginosa subida do custo da habitação, enquanto se esperava que os juros do crédito imobiliário, que oneram um milhão e duzentos mil contratos, cessassem a sua asfixiante subida.

2. A apresentação do Programa Mais Habitação acabou por polarizar o debate em torno de dois temas centrais – o arrendamento forçado e o alojamento local. Os efeitos foram imediatos:

1.º – Apagou outras propostas e medidas e tornou muito difícil um desejável acordo de regime sobre Habitação, fora e dentro da Assembleia da República.

2.º – Deu uma razão – justa ou injusta – para perplexidade e compasso de espera de algum investimento privado, sem o qual qualquer solução global é insuficiente.

3.º – Radicalizou posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada, atacada, de um lado, de estilo proclamatório, irrealista e, porventura, inconstitucional, por recair, em excesso, sobre a iniciativa privada, e, do outro, de insuficiência e timidez na intervenção do Estado.

Logo a 9 de março, me pronunciei sobre os riscos de discurso excessivamente otimista, de expetativas elevadas para o prazo, os meios e a máquina administrativa disponíveis e, portanto, de possível irrealismo nos resultados projetados.

3. Seis meses depois, o presente diploma, infelizmente, confirma esses riscos.

1.º – Salvo de forma limitada, e com fundos europeus, o Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção de habitação.

2.º – O apoio dado a cooperativas ou o uso de edifícios públicos devolutos, ou prédios privados adquiridos ou contratados para arrendamento acessível, implicam uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU.

3.º – O arrendamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico, com custo político superior ao benefício social palpável.

4.º – A igual complexidade do regime de alojamento local torna duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos.

5.º – O presente diploma, apesar das correções no arrendamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento.

6.º – Não se vislumbram novas medidas, de efeito imediato, de resposta ao sufoco de muitas famílias em face do peso dos aumentos nos juros e, em inúmeras situações, nas rendas.

7.º – Acordo de regime não existe e, sem mudança de percurso, porventura, não existirá até 2026.

4. Em termos simples, não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez.

É um exemplo de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente.

Sem óbvia recuperação política a curto prazo, apesar do labor colocado na junção de várias leis numa e de certas ideias positivas, diluídas pelo essencial das soluções encontradas.

Isto é, tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral.

Sei, e todos sabemos, que a maioria absoluta parlamentar pode repetir, em escassas semanas, a aprovação acabada de votar.

Mas, como se compreenderá, não é isso que pode ou deve impedir a expressão de uma funda convicção e de um sereno juízo analítico negativos.

Nestes termos, devolvo, sem promulgação, o Decreto n.º 81/XV, que aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas.

O Presidente da República

Marcelo Rebelo de Sousa»

 

 

 

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