Algarve ficou “mais perto” de Lisboa há 165 anos com a inauguração do telégrafo elétrico

Tratava-se então de uma tecnologia recente, que remontava às décadas de 1830/40, com a instalação das primeiras linhas no Reino Unido e nos Estados Unidos da América

Excerto da Carta da rede telegráfica em 1860 (in Memória histórica acerca da telegrafia eléctrica em Portugal).

O dia 25 de agosto de 1858 ficou registado na história do Algarve com a introdução do telégrafo elétrico. Era agora possível contactar Lisboa com celeridade, através de telegrafia elétrica.

Tratava-se então de uma tecnologia recente, que remontava às décadas de 1830/40, com a instalação das primeiras linhas no Reino Unido e nos Estados Unidos da América.

Em Portugal, ela foi inaugurada a 16 de setembro de 1855, com quatro estações ligadas por fios condutores: Terreiro do Paço, Cortes, palácio das Necessidades e Sintra.

A data coincidiu com a aclamação de D. Pedro V, como rei. Dois anos depois, a 20 de julho de 1857, era aberta ao público. A primeira ligação internacional entre Elvas e Badajoz ficou concluída em 1857.

Nestes anos foi instalado o telégrafo Breguet e posteriormente o de Morse, que se tornaria dominante no país.

Este último foi desenvolvido por Samuel Morse (1791-1872), que inventou em simultâneo um código utilizado nas transmissões (baseava-se no envio de sinais pela estação emissora, constituídos por pontos e traços, que eram traduzidos na recetora), que veio a receber também o seu nome.

 

Mesa telegráfica-Bréguet utilizada na inauguração do telégrafo elétrico em Portugal (Museu das Comunicações, Lisboa)

 

Se, na maioria dos países, os postes do telégrafo seguiram as linhas do caminho de ferro, onde desempenhavam um papel fundamental na partida dos comboios, em Portugal, dada a morosidade da construção das vias férreas, este princípio não se cumpriu.

Segundo Joel Serrão, em 1860 a extensão das linhas nacionais de telégrafo atingia os 2 000 quilómetros, já a via férrea quedava-se por 68 quilómetros.

Em 1878, todo o país estava coberto pela rede telegráfica. No ano seguinte, a extensão das linhas telegráficas era de 4 741 km, enquanto as linhas férreas totalizavam 1 099 km.

No caso do Algarve, onde a locomotiva só chegou em 1889, o traçado apontado para o desenvolvimento da via telegráfica pelo diretor das Obras Públicas foi o mais curto, isto é, de Beja deveria dirigir-se a Almodôvar, Corte Figueira, Loulé e Faro, ou seja, nas imediações de uma das estradas mais utilizadas na época, como já aqui recordámos.

Todavia, não foi esse o escolhido, nem o defendido pelo governador civil, que sustentou o que viria a ser concretizado pelo governo.

O seu parecer, ou melhor, o parecer do secretário geral Luís Cândido Teixeira de Moura, que, na época, servia de governador, foi remetido para o Ministério das Obras Públicas, em Lisboa, a 8 de outubro de 1857 e nele era taxativo: «existindo nas margens do Guadiana algumas povoações que podem considerar-se os focos do contrabando, que clandestinamente se introduz no Algarve, correndo ao longo do mesmo rio a linha limitrophe entre Hespanha e Portugal, e exercendo aquelle pais pela sua visinhança pela analogia e frequência dos acontecimentos políticos de que tem sido theatro, pelas suas relações commerciaes e por outras circumstancias uma considerável influencia no estado económico, politico e industrial do nosso paiz, parece que a linha telegrapho eléctrica, que vai estabelecer-se entre a Capital e o Algarve, deve com preferência seguir a direcção estabelecida pelo Governo, porque d’este modo, passando por Mertola, Villa Real, Tavira e Faro e ligando os ditos pontos da margem do Guadiana e do littoral com a estação Central de Faro, põe em contacto com o centro da administração do Districto os povos da raia d’Hespanha, facilitando e accelerando as communicações de quaesquer occorrencias que ali tenhão logar, occorrencias que podem ser de importantíssimo alcance em relação ao commercio, á industria e mesmo á politica do paiz: em relação, sobretudo ao tráfico do contrabando é inquestionável a vantagem que offerece a linha pela margem do Guadiana».

Por tudo isto, era «evidente que seguindo a directriz indicada pelo Director das obras publicas (…) por Beja, Almodovar, Corte Figueira e Loulé, conquanto a linha tenha menos desenvolvimento (9 léguas de differença) não poderão conseguir-se os fins que se tiverão em vista».

E reforçava: «nem poderão transmittir-se telegraphicamente á Capital do Districto as noticias de quaesquer occorrencias que tenhão logar, ou de que haja conhecimento nas terras da raia e margem do Guadiana, nem por consequência adoptar quaesquer medidas promptas que as circunstancias exijão».

Reiterava não só a criação de estações telegráficas em todos aqueles pontos, como «seria de grande conveniência e inquestionável interesse publico» que a linha seguisse além de Faro e se prolongasse até Lagos, passando por Albufeira e Vila Nova de Portimão, ficando assim «ligados todos os pontos importantes do Algarve com a estação Central (Faro) e esta Cidade com a Capital do Reino».

Acrescentava que o «accrescimo da despesa seria proficuamente compensado com as importantes vantagens económicas, politicas e administrativas que do dito melhoramento resultarão a todo o país».

Face ao exposto, a extensão da linha em mais de 35 quilómetros era plenamente justificada, com o objetivo de vigiar e fiscalizar a zona este da província, ao invés de atravessar o «desértico» Caldeirão.

 

 

Segundo Guilhermino Barros, na obra «Memória histórica acerca da telegrafia eléctrica em Portugal», a linha de Montemor-o-Novo a Faro foi construída em 1858, com as estações de Montemor, Évora (abertas em março), Beja, Vila Real de Santo António e Tavira (finais de julho) e Faro, que começou a funcionar a 25 de agosto de 1858.

Infelizmente não encontrámos na imprensa notícias sobre a inauguração. No Algarve, não se publicavam jornais naquela data e, em Lisboa, das diligências efetuadas, apenas localizámos uma breve referência no «Jornal Mercantil», na edição de 28 de agosto de 1858, que se limitou a referir: «está aberta ao publico a telegraphia para a recepção e transmissão de annuncios particulares a estação telegraphica de Faro».

Mas se o telégrafo chegava ao coração do Algarve, Alcoutim ficara a ver passar a linha.

Em novembro, nas Cortes em Lisboa, a Comissão de Obras Públicas remetia ao governo o pedido da autarquia alcouteneja, para que ali fosse construída uma estação de telégrafo eléctrico, «não havendo a despender na collocação do fio em consequência d’este passar por cima de um prédio da fazenda nacional, que poderia igualmente ser aproveitado para estação com um pequeno dispêndio».

Na mesma altura, a 22 de novembro, o deputado Hermenegildo Palma, natural de Tavira, pedia na Câmara dos Deputados ao ministro das Obras Públicas idêntico pedido para Mértola e reiterava para Alcoutim, lembrando que só assim se poderia cumprir o plano de fiscalização da raia. Súplica que repetiu a 18 de janeiro de 1861.

 

 

A extensão da linha até Sagres também era tema de debate no parlamento. Hermenegildo Palma ventilava, na mesma sessão, que «um ponto importantissimo das nossas costas que é o Cabo de S. Vicente, onde se abrigam immensas embarcações nas invernadas, onde o commercio tem muitas vezes suspensa a sua fortuna, o podia por aquelle meio tranquillisar-se; e é este ponto que está ainda sem communicação telegraphica».

O ministro considerou justas aquelas pretensões, informando que a estação de Mértola seria criada brevemente, bem como que seriam apresentados no parlamento os projetos que o governo preparara para o Algarve.

Mértola veria a sua estação concretizada em 1862 (três anos depois, a 21 de junho de 1865, era instalada a de Pomarão), para mais tarde ficou Alcoutim (teria sido estabelecida posteriormente a 1875).

Melhor sorte teve Olhão, considerado na época «um dos pontos mais commerciaes do Algarve», cuja estação abriu em 1861.

Ainda que o concurso para aquisição de 1 200 postes (400 de 9,5 m de comprimento e 800 de 7,5 m) para a ligação de Faro a Sagres tivesse sido lançado a 22 de setembro de 1859, a obra protelou-se no tempo.

 

Somente em 1865 a linha foi estendida para ocidente, servindo Loulé, Albufeira, Lagoa, Silves, Portimão e Lagos, tendo sido estreada em princípios de março.

A Sagres chegou seis meses depois, a 9 de setembro.

Para depois, ficou a ligação de Portimão às Caldas, aberta ao público a 25 de agosto de 1875 (funcionava apenas na época dos banhos).

As estações tinham um horário de funcionamento limitado. Por exemplo, em 1867, Faro e Vila Real de Santo António operavam entre as 7h00 e as 21h00, enquanto as restantes entre as 8h00 e o sol-posto.

 

 

A implementação e o traçado da linha telegráfica teve assim um duplo objetivo, não só transmitir de forma célere informações, como em simultâneo vigiar a raia, permitindo, caso fosse necessário, deslocar para aquela área força militar, ou outras.

No contexto nacional, em julho de 1858, a telegrafia elétrica era uma realidade nos distritos de Porto, Braga, Viana do Castelo, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarém, Beja e Évora, a 18 de agosto chegava a Castelo Branco.

Os últimos distritos servidos foram Viseu e Portalegre (outubro de 1858) e Guarda, Vila Real, Bragança (em 1860).

O distrito de Faro, desta vez, não ficara para o fim, as notícias ainda que condicionadas, aos horários das estações, chegavam e partiam rapidamente da região.

O progresso nas comunicações dava os primeiros passos, mas, 20 anos depois, justamente no dia 8 de fevereiro de 1878, os chefes das estações telegráficas de Vila Real e Faro falavam pela primeira vez ao telefone no Algarve.

Mas esta é uma outra história. Por agora, em agosto de 1858, o telégrafo elétrico estava ao serviço das autoridades e dos algarvios.

 

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, bem como colaborador habitual do Sul Informação.

Nota: Nas transcrições conservou-se a ortografia da época. As imagens, à exceção do mapa, são meramente ilustrativas e correspondem a bilhetes-postais ilustrados.

 

 

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub