Um SNS de 5 estrelas em Portugal? Será realidade ou pura imaginação?

«Não sejamos hipócritas, nem queiramos enganar, com mediocridade, quem não se deixará enganar facilmente»

Escrevo este artigo para retratar uma situação ocorrida no Serviço Nacional de Saúde em Portugal. Faço esta referência, pois o que vou contar, de seguida, é baseado em factos reais.

No Norte do país, ao fim da tarde, o doente iniciou uma moinha abdominal, que desvalorizou, naquela altura. A situação não aliviou e, cerca de uma hora mais tarde, a dor abdominal era tão intensa que não permitia, sequer, conduzir até ao hospital. A dor não tinha nenhuma posição de alívio, era a dor mais intensa que tinha sentido.

Contactou o 112, sendo atendido, em cerca de 1 minuto. Passaram a chamada a uma operadora do INEM, dado ser uma situação de saúde. Foi efetuada a triagem da situação, registada a localização em que se encontrava e, informou a operadora do INEM: “Vou enviar uma ambulância para o local”. Esta chamada durou cerca de 2 minutos.

O doente aguardou no local, sentado no carro, a tentar encontrar a melhor posição para suportar a dor, o que era manifestamente impossível. A ambulância chegou ao local em cerca de 10 minutos. Foi explicada a situação aos bombeiros, que mediram a saturação de oxigénio no sangue, a pressão arterial e a frequência cardíaca.

Arrancaram depois para o Centro Hospitalar Universitário de São João. A viagem foi curta, cerca de 10 minutos.

Entrou nas urgências, acompanhado dos bombeiros que trataram da sua inscrição. De seguida, foi aguardar pela triagem.

Foi triado, em minutos, e colocaram-lhe uma pulseira laranja.

Pediram, de imediato, a um assistente operacional que o levasse para o Serviço de Observações (SO), onde ficou instalado num cadeirão.

Não conhecia as urgências do hospital, mas foi possível observar a existência de instalações de excelente qualidade, muito limpas, seguranças à entrada, sem qualquer maca nos corredores e sem doentes amontoados na sala de espera.

No SO, sentado no cadeirão número 13, aguardou, cerca de 10 a 15 minutos, até que uma jovem médica veio ter consigo. Realizou a história clínica da situação, obteve todos os antecedentes pessoais e fez o exame objetivo. Perguntou pelas alergias a medicamentos, por duas vezes, e tomou nota. Informou o doente das hipóteses de diagnóstico que colocava, da medicação que ia prescrever para as dores e, ainda, que ia pedir umas análises ao sangue e à urina e a realização de uma ecografia renal.

Chega, logo de seguida, um enfermeiro que coloca um cateter na veia e inicia a medicação para as dores. Confirma a identificação de forma adequada e pergunta novamente pela existência de alergias a medicamentos.

A medicação aliviou as queixas, tendo as análises sido colhidas e, pouco depois, levaram-no para a radiologia.

Esperou, um pouco, tendo sido realizada a ecografia renal. A ecografia confirmou o diagnóstico de pedra no rim, que estava atualmente no uretero (canal que liga o rim à bexiga), daí as dores tão intensas.

Foi acompanhado, pelo assistente operacional, para o mesmo cadeirão onde tinha estado anteriormente. Algum tempo depois, veio novamente a médica transmitir que tinha sido detetada a pedra no uretero, confirmou que se tratava de uma cólica renal e que, nas análises, existia um agravamento da função renal.

A médica tinha acedido informaticamente ao processo do doente, no hospital da sua residência. Confirmou, ainda, que existia uma dilatação no cálice do rim e que era aconselhável ser avaliado pela urologia.

Algum tempo mais tarde, vêm dois médicos urologistas, discutir a situação clínica com o doente. Explicaram a situação e referiram que, ponderando os riscos e benefícios, não seria necessária a realização de uma intervenção cirúrgica imediata.

Informaram que seria medicado com anti-inflamatório, com um outro medicamento para facilitar a expulsão da pedra renal e medicação para as dores. Referiram, ainda, que seria necessário realizar análises e uma nova ecografia na semana seguinte e que poderia ter algumas queixas até que a pedra fosse expulsa. Caso tal não acontecesse, em cerca de duas a três semanas, seria de pensar então na cirurgia.

Pouco depois, entregaram uma cópia das análises e exames, bem como as receitas e explicaram como devia tomar a medicação.

O enfermeiro retirou posteriormente o cateter. Ingenuamente, o doente, achou que podia sair.

A médica do SO disse logo: “aguarde um pouco que tem que levar a nota de alta”. Esperou mais um pouco e entregaram-lhe a nota de alta.

Deram as indicações para sair e, ia a sair, quando um segurança diz: “Antes de sair tem que passar ali no secretariado”. Foi ao secretariado, verificaram que tinha a nota de alta consigo e que tinha alta dada pelo médico no sistema informático. Só após isto foi autorizado a sair.

Saiu do hospital, atravessou a rua e, viu logo uma farmácia de serviço, aberta durante 24 horas. Pôde aí comprar a medicação prescrita.

Fica aqui um relato de uma situação de um utente do SNS em Portugal, na qual tudo correu de forma fantástica.

Foi possível evidenciar a elevada qualidade dos cuidados, a segurança para os utentes a vários níveis, o aspeto fantástico das instalações, a organização do serviço, a ausência de macas nos corredores, em suma, um hospital com um nível de cuidados de topo em qualquer parte do mundo.

Isto é no SNS em Portugal! Sim, trata-se de um serviço de luxo, mas não de uma clínica privada de luxo! Apenas um hospital que apostou na qualidade!

Nalgumas zonas do país, parece inacreditável ser esta a descrição do SNS. No entanto, se aqui é possível, no resto do país também será possível! Haja vontade e, acima de tudo, capacidade para tal! Apostar na qualidade é uma aposta ganha!

Coloquem-se na pele de um doente, como este. Foquem-se, as administrações e os profissionais de saúde, em dar as melhores condições aos utentes do SNS, apostando na qualidade do serviço.

Repito: Isto é o SNS em Portugal, por isso é possível e esta qualidade deve ser o objetivo!

Não sejamos hipócritas, nem queiramos enganar, com mediocridade, quem não se deixará enganar facilmente.

O Algarve também merece esta qualidade!! É possível no SNS!

 

Autor: Nuno Marques é médico cardiologista e Professor Associado da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve

 

 
 

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