Exploração mineira em Alcoutim e Castro Marim ameaça qualidade da água de Odeleite

Hoje há reunião informativa sobre o projeto nas Furnazinhas, dirigida à população

A eventual exploração de minérios nos concelhos de Alcoutim e Castro Marim, para a qual a empresa Emisurmin solicitou direitos de prospeção e pesquisa, poderá ter impactos negativos «muito significativos» nas águas superficiais e «vir a influenciar negativamente a qualidade da água», numa área que abrange a bacia de apanhamento da Barragem de Odeleite, denunciou o Movimento de Salvaguarda do Nordeste Algarvio.

Hoje, quarta-feira, dia 14, às 18h30, terá lugar nas Furnazinhas, em Castro Marim, uma reunião informativa sobre este processo, dirigida à população.

O objetivo da sessão de hoje, como as que ocorreram antes no concelho de Alcoutim, «sem a divulgação necessária para mobilizar a população», é dar a conhecer o processo às populações afetadas, revelou o Movimento de Salvaguarda do Nordeste Algarvio, que se opõe à «concessão de direitos de prospeção e pesquisa/exploração de minérios na área designada por Ferrarias».

Um dos grandes receios do grupo de cidadãos está ligado aos recursos hídricos, uma vez que a atividade mineira produz resíduos, entre os quais barragens de lamas e de águas ácidas.

Na eventualidade de haver drenagem destas águas ácidas, as águas afetadas, «de um modo geral, não são potáveis, apresentando teores elevados de diversas substâncias, nomeadamente de metais pesados, que condicionam o seu uso, quer doméstico, quer industrial. Desta forma, a degradação da qualidade da água pode conduzir à impossibilidade da sua utilização».

A este risco, juntam-se outros, como a poluição atmosférica, a acumulação de resíduos sólidos e o dos sítios mineiros ficarem inativos e degradados.

 

 

Na prática, a Emirsurmin propõe-se a procurar e, eventualmente, explorar «depósitos minerais de ouro, prata, cobre, chumbo, zinco e minérios associados» nos concelhos de Alcoutim e Castro Marim, numa área de 494 quilómetros quadrados, nas Freguesias de Alcoutim e Pereiro, de Martim Longo e de Vaqueiros (Alcoutim) e de Azinhal e Odeleite (Castro Marim).

Neste momento, diz o movimento, «o processo já ultrapassou a fase da emissão de parecer sobre as condicionantes legais existentes por parte das entidades públicas, bem como a da consulta pública», pelo que «importa que se esclareça, com transparência e clareza, o que está em causa, quais os eventuais benefícios e impactes negativos para as áreas diretamente afetas ao projeto, bem como todo o território que se encontra a jusante da intervenção (Castro Marim e Vila Real de Santo António)».

Até porque, na visão do grupo de cidadãos, o processo nem devia ter chegado tão longe, tendo em conta os alertas que chegaram de entidades como a Câmara de Alcoutim, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Os alertas mais preocupantes, porque validam os receios do movimento, chegam da parte da APA/Administração da Região Hidrográfica do Algarve.

Para esta entidade, os sistemas que merecem maior preocupação são as albufeiras e as águas superficiais, nomeadamente «a bacia de apanhamento da Albufeira de Odeleite, principal origem de água do Sotavento do Algarve». Por isso, a APA alerta para «a elevada exigência e prováveis condicionantes à eventual exploração futura dos depósitos minerais, nomeadamente no que respeita ao risco de contaminação das águas».

«Este aspeto assume uma relevância acrescida face à situação de escassez hídrica que a região atravessou nos últimos anos e o facto de os diferentes cenários de alterações climáticas apontarem para um agravamento substancial da situação até final do século, com maior gravidade no Sotavento».

A área em estudo, acrescenta a APA/ARH, «interfere com uma parte muito significativa da bacia da ribeira da Foupana, praticamente o último curso de água com potencial de regularização e possível reforço das origens de água no futuro, eventualmente através da execução de uma captação para abastecimento público no curso de água».

A Câmara de Alcoutim, por seu lado, chamou a atenção para o facto do polígono de prospeção incluir «zonas de ocupação urbana, sítios arqueológicos e outras áreas que, devido à sua localização, estão sujeitas a interferência na atividade humana e riqueza cultural e natural».

«Dependendo da localização da intervenção, esta pode prejudicar a qualidade de vida dos habitantes locais, interferir com a potencial atração turística, social e paisagística do território, bem como interferir com possíveis espaços agrícolas, florestais ou agroflorestais», alertou o Município.

Já a CCDR Algarve salienta que a área de prospeção se sobrepõe «a albufeiras, margens e zonas inundáveis, zonas florestais e agroflorestais, imóveis classificados, REN, RAN e Sítio – PTCON0036 Guadiana da Rede Natura 2000 e áreas urbanas, para as quais existem muito fortes condicionantes, podendo mesmo a operação de exploração vir a estar sujeita a Avaliação de Impacte Ambiental».

 

Ribeira da Foupana

 

Só os riscos apontados por estas entidades – que, apesar disso, não colocaram entraves à atribuição da licença, desde que respeitados os condicionalismos -,  «seriam suficientes para inviabilizar esta pretensão», defende o Movimento de Salvaguarda do Nordeste Algarvio.

No entanto, «tal não mereceu a atenção dos decisores políticos, que remataram os seus pareceres com a eterna falácia de “nada a opor, desde que cumpridos os condicionantes”, porque consideram que se está apenas na fase de “prospeção e pesquisa” e, portanto, num momento mais ou menos inócuo deste processo».

O movimento não partilha esta perspetiva e faz-se valer do enquadramento legal deste tipo de licenças para o justificar.

Legalmente, uma entidade que garanta um contrato de prospeção e pesquisa ganha direito a «obter a concessão da exploração dos recursos revelados, desde que preenchidas as condições legais e contratuais aplicáveis, sem prejuízo da possibilidade de recusa de atribuição da concessão de exploração por razões de interesse público e mediante indemnização do requerente no montante dos custos diretos incorridos».

Ou seja, o Estado não é depois obrigado a conceder uma licença de exploração, mas, se não o fizer, terá de compensar a empresa.

A partir do momento em que uma empresa ganhe uma concessão de exploração, diz ainda a lei, pode «utilizar, observando os condicionalismos legais, as águas e outros bens do domínio público do Estado que não se acharem aproveitados com base em outro título legítimo; (…) e) Requerer a expropriação por utilidade pública e urgente dos terrenos necessários à realização dos trabalhos e à implantação dos respetivos anexos, ainda que fora da área demarcada, ficando os mesmos afetos à concessão; f) Obter a constituição, a seu favor, por ato administrativo, das servidões necessárias à exploração dos recursos».

Desta forma, diz o movimento, se «forem atribuídos ao requerente direitos de prospeção e pesquisa, automaticamente fica com acesso aos direitos de exploração, pelo que o que está verdadeiramente em causa é a exploração dos recursos e não apenas a sua prospeção».

Também preocupante, na visão do grupo de cidadãos, é o facto de «as propriedades privadas integradas na área do projeto poderem vir a ser expropriadas, bem como as das áreas circundantes ou outras que venham a ser consideradas necessárias. A própria legislação que gere este território poderá ser suspensa para acomodar esta pretensão».

«Sublinha-se ainda que a inexistência dos pareceres obrigatórios do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, da Direção Regional de Cultura, da Câmara de Castro Marim, que são obrigatórios, ferem de ilegalidade todo este processo», conclui o Movimento de Salvaguarda do Nordeste Algarvio.

 

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub