O colapso do Dragão

Com efeito, esta tempestade perfeita tem condições para gerar uma crise financeira 10 vezes pior comparativamente à de 2008 no EUA

Ser proprietário duma habitação, seja uma moradia ou apartamento, é considerado como o pináculo da existência para muitas famílias. Ser dono do seu lar, e nele acolher, nutrir e crescer a sua família.

Na China, tal objetivo tem semelhante importância, mas ainda mais durante as últimas décadas, quando as famílias depositaram enormes montantes de confiança no mercado imobiliário, quando ser dono de propriedades assumiu elevada importância no meio cultural.

As famílias apostaram em investimentos imobiliários por forma a planear para a reforma, assim como homens com propriedades são mais atrativos para efeitos de casamento, sendo o montante de propriedades que cada um é “dono” reflexo proporcional do “status” social de cada individuo.

De maneira que a procura por casas foi tão dramática, que as propriedades começaram a ser vendidas mesmo antes da construção começar. No entanto, ainda depois da construção finalizar, os apartamentos acabariam por ficar vazios, isto é, tinham proprietário, mas não tinham ninguém fisicamente lá a viver.

Em 2020, segundo o Globaltimes.cn, num artigo de Dong Dengxin publicado a 29 de abril do mesmo ano, é constatado que cerca de 70% da riqueza das famílias chinesas estava concentrada em investimentos imobiliários.

A construtora “Evergrande” aproveitou o vento em popa que o setor imobiliário gozava tornando-se uma das maiores empresas do setor, na China. De facto, a certa altura em 2018, subiu ao primeiro lugar do pódio das construtoras asiáticas.

Acontece que empresas como a “Evergrande” receberam o dinheiro das famílias que lhe haviam pago para a construção das suas casas, em grande parte originário de empréstimos à habitação, e utilizaram essas verbas para alavancar a compra de mais terrenos para construir mais casas, em vez de construir as casas que aquele dinheiro tinha efetivamente como objetivo.

Como se não bastasse, a “Evergrande” chegou ao limite de incluir essas propriedades, que ainda não estavam construídas, no seu balanço como forma de obter mais empréstimos bancários de maneira a alavancar ainda mais a sua posição.

No entanto, essa prática não é de todo correta, visto não se tratarem dum ativo da empresa, dado que já haviam recebido o dinheiro da compra por parte das famílias, sendo um ativo destas e não da “Evergrande”.

Com uma atividade alavancada duma forma tão assoberbada, basta um pequeno deslize para que tudo caia como um baralho de cartas. E foi o que aconteceu quando uma das empresas subsidiárias da “Evergrande” falhou o pagamento num dos empréstimos, o que gerou o caos nos mercados, passando os olhos do mundo a estarem postos neste gigante que assim ficou debaixo do microscópio.

Este cenário encubou a tempestade perfeita. Desde fornecedores aos proprietários, todos se voltaram para a “Evergrande” a exigir explicações, de um lado a exigir dinheiro de faturas por pagar e, do lado dos proprietários, a exigir a entrega das casas que tinham sido pagas, mas que a empresa nunca acabou por construir. O caos instalou-se. O Partido Comunista Chinês interveio para evitar uma catástrofe bíblica, mas movimenta-se muito lentamente. Casas vendidas em 2018 ainda não estão construídas.

O boicote aos pagamentos das prestações dos créditos à habitação começou e alastrou-se ao país inteiro num ritmo vertiginoso. Segundo um artigo da ABC NEWS Austrália, de Samuel Yang a 27 de julho de 2022, estima-se que cerca de 220 mil milhões de dólares americanos de crédito malparado dizem respeito a projetos de construção inacabados, o que representa cerca de 4% do total dos créditos à habitação na China, sendo o setor imobiliário responsável por cerca de 30% do PIB do país.

De facto, as pessoas falharam os pagamentos dos créditos por vontade própria e saíram para as ruas em protesto para chamar a atenção e na expectativa que o governo chinês intervenha para tentar solucionar o problema.

Com efeito, esta tempestade perfeita tem condições para gerar uma crise financeira 10 vezes pior comparativamente à de 2008 no EUA. No entanto, ao contrário de 2008, os empréstimos têm uma hipoteca sobre um imóvel que não está construído. O banco não pode tomar posse da casa na eventualidade das prestações do crédito não serem honradas.

Se esta bola de neve continuar a progredir, pode até levar a que alguns bancos venham a falir. E tal já se começa a sentir. Num artigo de HUIZHONG WU Associated Press, publicado no ABC NEWS a 12 de julho de 2022, relata que clientes de 6 bancos na província chinesa de Henan foram impedidos de levantar dinheiro, numa tentativa de evitar uma corrida aos bancos pela população, no meio dum clima de incerteza.

O futuro dirá se o governo chinês conseguirá de alguma forma controlar esta crise de maneira a não colocar o país em recessão, com a certeza, porém, que os ingredientes duma crise nefasta estão lá todos. E nós conhecemo-los bem em 2008.

 

Autor: Luis da Ponte é membro efetivo da Ordem dos Economistas.
É licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Finanças Empresariais pela Universidade do Algarve e licenciado em Administração Pública pela Universidade do Minho.
Profissionalmente, é proprietário das empresas “VDP – Consultoria | Seguros”e “TSE Industrial”.

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

 



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