João Porfírio mostra em Portimão o horror da guerra que viu na Ucrânia

Mostra estará patente até 16 de Outubro e poderá ser visitada das 17h00 às 23h00

João Porfírio – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

O fotojornalista João Porfírio passou 75 dias na Ucrânia. Esteve em Kiev, Odessa, Bucha, Mykolaiv… Ainda hoje, há imagens brutais que não lhe saem da cabeça. Viu casas destruídas, corpos jazidos no chão, enrolados em sacos de plástico, mães desesperadas. Ainda na Ucrânia, começou a pensar em fazer uma exposição, com tudo o que foi fotografando e gravando. De regresso a Portugal, é em Portimão, cidade onde nasceu, que vai cumprir esse sonho.

Foi no primeiro dia de guerra que o editor de fotografia do “Observador” chegou à Ucrânia. «Eram dez da noite de dia 24 de Fevereiro», recorda ao Sul Informação, numa conversa à beira do Rio Arade.

Nas suas costas, está a Antiga Lota de Portimão, o espaço em que João Porfírio mais tem estado nos últimos dias.

É lá que vai ser inaugurada este sábado, às 18h00, a exposição “75 dias na Ucrânia” que surge de um convite da Câmara Municipal ao fotojornalista portimonense.

A mostra, apesar de ter nas fotos o seu ingrediente principal, vai muito além disso.

«Tem também áudio, vídeo e objetos de militares ucranianos e russos que fui apanhando. Há insígnias, algumas munições perdidas, uniformes», diz.

 

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

Tanto as fotografias como os vídeos são da autoria do jovem algarvio, enquanto o áudio teve a curadoria do maestro Martim Sousa Tavares (que estará na inauguração com mais cinco músicos da Orquestra Sem Fronteiras).

Nesta exposição, o áudio desempenha mesmo um papel importante. João Porfírio quis que assim fosse.

«O Martim fez uma complicação de música clássica escolhida por ele que, a trechos, vai ser interrompida por sirenes de ataque aéreo», conta o fotojornalista.

Desde o primeiro dia em que chegou à Ucrânia, João Porfírio percebeu a «ligação muito forte» daquele país com a «música clássica».

«Em imensas ruas de muitas cidades ouviam-se pessoas a tocarem piano ou saxofone à janela – no meio daquele caos todo era um contraste brutal. E é um bocadinho isso que eu quis trazer, obviamente sem o perigo e a densidade que existe na Ucrânia, mas para que as pessoas se sintam um pouco lá enquanto visitam a exposição», explica.

No total, a mostra tem 26 fotografias de todos os locais onde João Porfírio esteve.

E foram muitos: Kiev, Mykolaiv, Kharkiv, Odessa, Zaporizhzhya, Lviv, Bucha, Irpin, Borodyanka, Hostomel.

Nas paredes da antiga lota de Portimão, um dia antes da inauguração da exposição, algumas das fotografias já estão colocadas – outras ainda não, mas hoje, às 18h00, tudo estará pronto.

As fotos têm diferentes formatos (seja 60 centímetros, 1 metro ou até 2 metros), mas cada uma «fará sentido no local em que for colocada», garante João Porfírio, enquanto vai ajudando na montagem de tudo, que está a cargo da equipa do Museu de Portimão.

As fotografias serão acompanhadas por legendas em português, inglês e ucraniano, possuindo um código QR associado que, ao abrir, fará ligação direta às reportagens originais e permitirá o acesso gratuito ao “Observador” durante sete dias.

A ordem das fotos foi pensada ao pormenor e, nas fotografias, vemos vários cenários: um míssil a cair, casas destruídas, um edifício totalmente arrasado, corpos mortos deitados em macas.

 

Foto: João Porfírio | Observador

 

Das 26, o fotojornalista do Observador destaca duas.

A primeira é a própria fotografia do cartaz, em que se vê uma criança, no vidro de um comboio, a despedir-se do pai. A história ainda está muito viva na memória do algarvio.

«Foi uma das primeiras fotografias que tirei e aconteceu num dia em que não estava à espera de apanhar a estação de comboios de Lviv naquele caos. A criança estava na plataforma, a brincar com o pai, e depois vai com a mãe para dentro do comboio. O pai fica porque não podia sair do país. A fotografia é o momento exato em que a criança se está a despedir do pai e a imagem daquele homem ali, imóvel na plataforma, foi qualquer coisa», conta.

A segunda fotografia que mais marcou o fotojornalista portimonense será a maior de todas na exposição (com mais de dois metros de largura).

Nela, vemos uma mãe, «completamente entalada», a segurar o filho num vão de escadas, tentando chegar à plataforma de comboios.

«Há um momento em que a mãe é obrigada a dar o filho a uma mulher que já estava na plataforma. O filho vai. A mãe fica. Percebe-se ali uma troca de contactos alguma coisa. Toda a história mexeu bastante comigo», conta.

Na Ucrânia, por mais que uma vez, João Porfírio teve de se esconder em bunkers. Na exposição que é hoje inaugurada, o fotojornalista quis também retratar essa experiência.

 

Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

Por isso, quem visitar a mostra, será surpreendido por uma instalação em que, sacos de areia empilhados em cima uns dos outros, simulam um desses espaços em que os ucranianos se protegem.

No meio estará uma televisão, onde passarão todos os vídeos captados por João Porfírio durante as suas reportagens – e onde, muitas vezes, esteve em perigo.

Dois dos momentos mais tensos passaram-se em Mykolaiv, numa altura que o fotojornalista estava quase de regresso a Portugal.

«Nós tínhamos ido fazer uma reportagem sobre a falta de água. A cidade estava sem água nenhuma devido a um ataque dos russos e eram voluntários de Odessa que levavam camiões-cisterna e garrafas. E eu vi pessoas de todas as idades a encherem garrafas, cantis, idosos a carregarem baldes de água pesadíssimos. Ver o ser humano sem água é o fim. É o limiar da dignidade», recorda.

Mas, o pior (ainda) estava guardado.

Já no hotel, assim que anoiteceu, João Porfírio começou a «avistar e a ouvir drones».

Cerca das 3h00, começaram a cair «bombardeamentos consecutivos perto de nós». «Caíam mísseis como se fosse chuva e nós aí tivemos a perfeita noção de que seriam mais 10, 15 minutos, meia hora. Mas ia cair em cima de nós».

«O hotel não tinha bunker. Numa linha da frente com tiroteios, podes escolher ficar encostado numa parede e não sair de lá – ali, podia-te cair um míssil em cima e não podes fazer nada para o impedir. Essas três horas foram uma coisa que mexeu muito comigo», recorda.

Felizmente, o algarvio escapou ao ataque e está cá para contar a história daqueles 75 dias – os «mais desafiantes» da sua vida enquanto fotojornalista.

 

Foto: João Porfírio | Observador

 

«Foram 24 horas, 7 dias por semana, sempre sob pressão, sob perigo», diz. Mas, acrescenta prontamente, se for preciso voltar, nem hesita.

«O conflito chegou a uma fase de impasse, de estagnação, mas o objetivo com esta exposição também é que a guerra não caia em esquecimento», explica.

Já dentro da Antiga Lota, João Porfírio vai ajudando a equipa do Museu na montagem da exposição – é um filho da terra que, depois do horror da guerra, regressa para mostrar o seu trabalho.

«Esta é a minha terra: a cidade onde nasci, cresci, onde tenho os meus amigos. É especial expôr aqui», conclui.

 

 



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