Meias verdades é desinformação

Uma notícia é, por natureza, uma informação nova, verdadeira e de interesse coletivo

Há 48 anos, tantos quantos durou a ditadura do Estado Novo, Sophia de Mello Breyner escreveu um poema sobre a verdade toda. Foi a 20 de Maio de 1974, ainda a Democracia Portuguesa era uma criança de dias, mas nessa «hora limpa da verdade» já havia quem dissesse ser «preciso dizer a verdade toda».

Quando um povo regressa de um longo exílio deve ser-lhe «proposta uma verdade inteira e não meia verdade». Para Sophia, «Meia verdade é como habitar meio quarto // Ganhar meio salário // Como só ter direito // A metade da vida”(…). Meia verdade é medida do demagogo que “diz da verdade a metade // E o resto joga com habilidade (…)».

Isto era sentido, pelo menos pelos poetas, em 1974, quando ainda nem sonhávamos com os algoritmos que determinam a informação que consumimos, em tempo real, a toda a hora e em todo o lugar. Quando a expressão inglesa fake news (falsas notícias) era uma contradição inexplicável e inaceitável.

Uma notícia é, por natureza, uma informação nova, verdadeira e de interesse coletivo. Se uma informação não é verdadeira então não é uma notícia. Daí a impossibilidade da existência das falsas notícias. As fake news são apenas mentiras, boatos. E as meias verdades? Meias verdades é desinformação, como até a Poesia identifica. Pelo menos a Poesia de Sophia de Mello Breyner.

Parafraseando o jornalista Serge Halimi, que reflete sobre o jornalismo neste mundo global e totalitário, será que nós, jornalistas e intelectuais, podemos, ou não, ainda jogar o papel do contrapoder, dando voz aos sem voz, reconfortando os que vivem na aflição e inquietando os que vivem no conforto? Nós que às vezes caímos excessivamente para o lado dos mercados financeiros e da ortodoxia liberal?

Que papel nos cabe, a nós, profissionais da informação, neste universo global e totalitário? Para continuar a citar Serge Halimi. É um facto que muitos mídia estão a transformar-se num teatro de guerra ideológica e que um dos modelos de jornalista de sucesso contempla a aceitação dos mercados, da modernidade da livre-troca e até das desregulamentações e das privatizações.

Por antítese, a não modernidade e o arcaísmo é o Estado Providência, os sindicatos e até mesmo o povo, acusado de estar sempre inebriado com o populismo.

É neste enquadramento dominante que passa muita da desinformação. Principalmente muita daquela que assenta nas meias verdades que há 48 anos entraram na poesia de Sophia.

 

Autor: Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

 



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