O arvoredo que nos falta

Não se deve perdoar às autoridades centrais, regionais e locais que se esqueçam, e antes se deve delas exigir, que corrijam os defeitos das estruturas urbanas

Apenas uma pequena nota sobre coisas que todos sabemos, mas que é bom recordar.

Nos climas de tipo mediterrânico como o nosso do sul do País e concretamente do Algarve, há um elemento fundamental para ajudar a modificar, para melhor, o microclima urbano: o arvoredo.

Se as pessoas e as autoridades acreditarem mesmo que as alterações climáticas estão aí e se irão agravar, cada vez com mais fenómenos extremos de secas e excessos torrenciais de chuvas, há muito que deveriam estar a exigir e a ser tomadas medidas para minimizar os seus efeitos.

Se as grandes chuvadas ainda podem ter algum acolhimento nas barragens que existem, embora muita da água se perca com a excessiva torrencialidade das linhas de drenagem, já as secas prolongadas e as altas temperaturas durante uma boa parte do ano causam sérios problemas de desconforto e de saúde pública.

A excelência da vida urbana exige que a estrutura verde da cidade seja capaz de conferir aos habitantes as condições de vida saudável, de alta qualidade do ar e de espaços de ar livre onde se possa praticar desporto.

A área de espaços verdes urbanos, aprende-se na escola especializada, deve andar pelos 30 metros quadrados por habitante; tudo o que for a mais nunca será demais…

E por espaço verde urbano não deve pensar-se logo em jardins e relvados, os quais, nas nossas condições climáticas, são de dispendiosa manutenção, nomeadamente por exigirem muita rega – a água é um factor limitante, como já se referiu.

Nas zonas europeias temperadas, como a Europa central ou a Grã Bretanha, a manutenção dos jardins é facilitada pela abundância de chuva precisamente nos meses mais quentes, que são aqueles em que a vegetação cresce mais – por isso, os vastos greens do golfe são um elemento natural das suas paisagens.

Nas nossas latitudes, quando os meses são mais quentes, e muito mais quentes do que para norte, é quando chove menos – daí que os jardins e os relvados sempre verdes não sejam característicos das nossas paisagens. Por cá, teremos prados de sequeiro, os quais, desde que bem conservados, também são bonitos – e são nossos. Isto são verdades lapalicianas

Mas o arvoredo pode e deve ser implementado com abundância, pois, desde que sejam utilizadas árvores próprias da nossa ecologia, elas são menos exigentes em água. A sombra é um factor fundamental para melhorar o conforto urbano.

Em cidades como Faro, mesmo usufruindo da proximidade do mar e das suas brisas refrescantes, há períodos prolongados de estiagem em que se sente a falta de sombra e dos seus efeitos nas propagação de oxigénio e das brisas interiores.

E, nas povoações algarvias do interior, sobretudo nas que têm maior expressão edificada, como Loulé, S. Brás de Alportel, etc., essa necessidade acentua-se.

Já tenho falado na necessidade de mais bosques urbanos em Faro, e respondem-me que estão previstos… mas os anos passam e as previsões não se cumprem.

Nas antigas estruturas das velhas povoações, o mundo rural – o campo – penetrava até ao centro do edificado, e dentro das urbes havia quintas, hortos, cercas de conventos, que realizavam as funções principais dos espaços verdes.

Tudo isso foi desaparecendo com o urbanismo especulativo praticado, de nada tendo valido as propostas que, desde o século XIX, vários arquitectos tentaram promover nas cidades europeias e norte-americanas onde a industrialização mais se fez sentir.

Por cá também.

Pedaço a pedaço, todo o miolo verde das povoações foi sendo comido. E hoje, com o conhecimento que se tem de todas estas questões essenciais para uma boa qualidade de vida urbana, não se deve perdoar às autoridades centrais, regionais e locais que se esqueçam, e antes se deve delas exigir, que corrijam os defeitos das estruturas urbanas – enquanto restarem umas migalhas de terrenos que possam ser transformados em bosques urbanos.

 

Autor: Fernando Santos Pessoa é engenheiro silvicultor e arquiteto paisagista…e escreve com a ortografia que aprendeu na escola.

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