Francisco Martins lança candidatura contra o PS, mas mantém “um pé” no aparelho socialista

PS acusa Francisco Martins de «comportamento instável» e «em ziguezague», ex-autarca defende decisão de se candidatar contra o antigo partido

Francisco Martins – Imagem de Arquivo

Há cerca de um ano e meio, Francisco Martins abdicou da presidência da Câmara de Lagoa, alegando problemas de saúde. Agora, o ex-edil lagoense anunciou que se vai candidatar novamente ao cargo, mas como independente, depois de ter abandonado o PS, o partido pelo qual venceu as eleições de 2017. Os seus antigos camaradas não perdoam e acusam-no de «ziguezagues» políticos apesar de se manter num cargo para o qual foi nomeado pelo Governo socialista.

Para perceber qual é, afinal, esta “guerra” entre Francisco Martins e o partido que o apoiou em várias eleições, basta juntar os pontos.

E os pontos são, grosso modo, o manifesto do movimento cívico lançado pelo ex-presidente da Câmara a 16 de Janeiro, comentários que fez anteriormente nas redes sociais, as declarações prestadas pelo ex-autarca ao Sul Informação, a carta que Luís Graça, presidente da Federação do Algarve do PS e deputado à Assembleia da República, enviou aos militantes socialistas lagoenses e a tomada de posição pública do PS de Lagoa, cujo presidente era, até Novembro passado…Francisco Martins.

Logo após o anúncio feito pelo antigo autarca de que deixara de ser militante do PS, Luís Graça enviou uma missiva aos socialistas de Lagoa onde revelava surpresa pela «inconsistência de rumo» do ex-camarada.

«A verdade é que nos últimos anos temos assistido a um comportamento inconstante e aos ziguezagues, na intervenção política do Francisco Martins. Ainda assim, surpreende que, felizmente ultrapassadas as limitações de saúde e depois de ter aceite ser nomeado membro de um gabinete ministerial e mais recentemente vogal da Administração Regional de Saúde pelo Governo do Partido Socialista, volte de novo a abandonar o barco e a fazer mais um ziguezague», acusa.

Também o PS de Lagoa vinca esta “almofada” dada pelo partido ao seu ex-presidente. «Importa referir que, apesar deste comportamento instável e em ziguezague, o Partido Socialista ainda deu a mão ao Francisco Martins, nomeando-o para o cargo de secretário da Secretária de Estado da Saúde e, posteriormente, para o cargo de vogal da ARS Algarve, cargo político que ainda ocupa até hoje», diz a estrutura partidária, num comunicado.

 

Contactado pelo Sul Informação, Francisco Martins confirmou que continua a ocupar o cargo para o qual foi nomeado pelo Governo PS, em Agosto, afirmando não ver «nenhuma incompatibilidade» entre a sua tomada de decisão em sair do partido e de se candidatar contra ele, num movimento independente, e a sua permanência como vogal da ARS. Isto, apesar de se tratar de uma nomeação política, «em regime de substituição» e que nunca foi sujeito a concurso.

«Quando saí da Câmara, fui trabalhar como enfermeiro para a Santa Casa da Misericórdia, que é o meu local de trabalho», enquadrou.

Só passados alguns meses surgiu o convite de Jamila Madeira, então secretária de Estado da Saúde, para integrar a sua equipa.

«Depois disso, houve esse convite para a ARS. É um trabalho técnico, é a minha área profissional. Mas se for de confiança e a partir do momento em que essa confiança esteja quebrada, pois, obviamente, convidam-me para sair e eu sairei sem ondas nenhumas», assegurou.

Para já, «não houve indicação nenhuma nesse sentido», revelou, salientando que, durante «todo o mandato do PS no governo anterior», a pessoa que estava no mesmo lugar era «um destacado militante do PSD». Só que essa pessoa tinha-se submetido a concurso através da CRESAP, o que não acontece com Francisco Martins.

Como se percebe, esta é uma história já com um longo passado, apesar de, num primeiro momento, parecer remeter para o futuro, já que as Eleições Autárquicas deverão ter lugar em Outubro próximo.

Quase desde o momento em que saiu da Câmara de Lagoa, por iniciativa própria, em Julho de 2019, Francisco Martins deu a entender  que nem só os problemas graves de saúde que enfrentou – e que, entretanto, debelou – motivaram a sua saída.

Uma entrevista ao jornal local «Lagoa Informa», em Setembro de 2019, foi um dos primeiros pontos de tensão entre o ex-presidente, de um lado, e o executivo que pegou nas rédeas da Câmara, após a sua saída, bem como os militantes socialistas locais, do outro.

 

 

O PS de Lagoa acusa-o, agora, de ter dito que  «afinal não tinham sido só os problemas de saúde, que afinal era algo mais, numa tentativa de denegrir a imagens daqueles que cá ficaram a segurar o barco e a mostrar-se disponível para ser candidato por outros partidos».

«Mais tarde, quando quis continuar como líder do Partido Socialista de Lagoa, apresentou-se aos militantes, justificando a sua entrevista, afirmando que não tinha atacado nenhum dos vereadores e camaradas que tinham ficado, mas sim os funcionários da Câmara que lhe boicotavam o trabalho. Ou seja, primeiro era só a doença, depois era a equipa dele, mas por fim, já eram os funcionários da Câmara Municipal», acusam os socialista lagoenses, no seu comunicado.

Já Luís Graça, na carta que enviou aos militantes, deixa claro que o mal-estar com o PS e a sua direção regional e nacional começou pouco depois da eleição do autarca para o segundo mandato como presidente da Câmara, para o qual obteve maioria absoluta.

«Quatro meses após a tomada de posse, [Francisco Martins] pretendeu virar costas a Lagoa e deixar a presidência da câmara em troca de ir para a Região de Turismo. Depois disso, no ano de 2019, pediu-nos sucessivas vezes para ir para Lisboa e para a Assembleia da República, até que o próprio, decidiu, alegando razões de saúde, renunciar ao mandato que o povo de Lagoa lhe havia atribuído por intermédio do Partido Socialista e abandonar a Câmara», disse o presidente da Federação Socialista.

O PS de Lagoa, no comunicado que lançou, aponta o gorar destas expetativas pessoais como o motivo para a sua decisão de sair da Câmara.

Isto porque, alegam, o ex-presidente da Câmara «viu nas eleições legislativas de 2019 a sua derradeira oportunidade para dar o salto, pressionando o Partido Socialista a levá-lo para a Assembleia da República. Não vendo a sua pretensão concretizada, cumpriu com aquilo que já tinha prometido, abandonar Lagoa e os lagoenses».

Ao Sul Informação, Francisco Martins recusou taxativamente esta versão. «Não teve influência absolutamente nenhuma na minha decisão. E o senhor Luís Graça devia saber, aliás, sabe, que o que ele diz não é verdade», afirmou.

«Não interferiu em nada. Eu tinha dito ao Luís Graça, muito tempo antes, mal ele tomou posse como presidente da Federação, que estava com problemas de saúde e que poderia não acabar o mandato», assegurou ao nosso jornal.

«Infelizmente, tive de renunciar ao mandato por questões de saúde. Por muitas coisas que digam, foi isso que se passou», afirmou.

No entanto, admitiu, também sentia, na altura «que, muitas vezes, o poder administrativo se sobrepõe ao político. Até disse isso no seguimento de uma afirmação do presidente da Câmara do Porto, que eu subscrevo».

«O que acontece é que, quando nós estamos nas nossas plenas capacidades, conseguimos lutar contra isso. E eu, infelizmente, estava numa situação em que não podia lutar contra isso. Daí ter dito que poderia estar a prejudicar o meu concelho. E entendi, portanto, sair. Mas não eram picardias internas. Nunca me ouviram fazer comentários a quem lá ficou. Nem nessa altura, nem agora», disse.

«Eu não vou estar aqui a rebater essa carta [de Luís Graça], nem pouco mais ou menos. Sei as conversas que tive com ele e seria muito cómodo para mim revelar todas as conversas que tivemos e deixámos de ter. Mas não vou entrar por aí, quero fazer uma campanha pela positiva, limpa e sem maledicências», rematou.

 

Francisco Martins (arquivo)

Mas porquê voltar agora, menos de um ano e meio depois de ter renunciado ao cargo?

«Passado este tempo, sinto-me com capacidades e vontade de continuar o que comecei», justificou Francisco Martins.

«Nós estamos a estruturar um movimento independente e a constituir as nossas equipas. O nosso objetivo é concorrer, e vamos concorrer, a todos os órgãos do poder local em Lagoa – Câmara, Assembleia Municipal e Juntas de Freguesia. Temos praticamente fechado todo o processo de escolha dos cabeças de lista e vamos apresentá-los no princípio de Fevereiro», revelou o futuro candidato independente à Câmara de Lagoa.

No entanto, tudo poderia ser bem diferente, caso o PS tivesse aceitado a proposta original de Francisco Martins, a de ser ele a encabeçar a lista socialista à Câmara de Lagoa, dentro de alguns meses, em detrimento do atual presidente Luís Encarnação, que subiu ao cargo após o abandono do agora putativo candidato.

Uma ideia que se ficou pelos círculos da concelhia e que não colheu o beneplácito nem do PS regional, nem do nacional.

«Nos últimos anos, o Partido Socialista tem observado a regra de recandidatura dos presidentes de Câmara e de Junta de Freguesia que estão no exercício de funções. Regra que, com a participação do Francisco Martins, foi novamente aprovada na última reunião da Comissão Nacional do PS», lembrou Luís Graça.

«Não vemos nenhuma razão para que este princípio não seja aplicado em Lagoa, onde todos reconhecem o bom trabalho que o Luís Encarnação e a sua equipa estão a fazer», afirmou.

Afinal, o atual presidente de Câmara é «um gestor e autarca experiente, que, num tempo muito difícil, tem sabido com humildade, dedicação e o apoio solidário dos lagoenses e da sua equipa na Câmara, nas Juntas de Freguesia e na Assembleia Municipal, conduzir Lagoa, protegendo as pessoas e as empresas desta pandemia e simultaneamente concretizando e lançando no terreno muitos projetos e obras importantes para o concelho e que eram compromissos do PS com os lagoenses», elogiou o líder do PS/Algarve.

Já Francisco Martins lamentou o facto de a decisão ter sido tomada por «gente de fora do concelho», depois da direção nacional ter avocado o processo de escolha do candidato. Disse mesmo que discorda desta prática.

«Tem havido grandes guerras, ao nível do partido e mesmo aqui na região, por não aceitarem que outros interferissem nos destinos do concelho. Há outros que, quando as coisas lhes convêm, aceitam essa interferência. Eu não aceito. Não aceito, pronto! É legítimo», defendeu.

«Cada um segue o seu caminho. Gostaria que fosse com respeito e com sentido democrático. Infelizmente, vê-se que não é. Mas pronto, paciência. Cada um terá a sua consciência e cada um tem que gerir e falar por ela. Eu entendi que tinha reunidas essas condições. Disponibilizei-me para que o partido, dentro da sua estrutura, tivesse as suas escolhas, a nível local, como é evidente. Assim não foi entendido, pronto. Eles têm o seu candidato e eu avanço como independente», disse.

Ou seja, aquela que, até agora, tem sido uma batalha de palavras, em breve se tornará numa batalha eleitoral.

 

 

Ajude-nos a fazer o Sul Informação!
Contribua com o seu donativo, para que possamos continuar a fazer o seu jornal!

Clique aqui para apoiar-nos (Paypal)
Ou use o nosso IBAN PT50 0018 0003 38929600020 44

 

 



Comentários

pub