Estudar o turismo do Algarve: contributos para um futuro sustentável

Artigo preparado na sequência da sessão de homenagem da Ordem dos Economistas, que poderá dar o mote para o ano desafiante que nos espera

Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

O Algarve é, porventura, a região portuguesa que sofreu, nas últimas seis décadas, as maiores alterações na sua estrutura económica, social e territorial.

De espaço agrícola e piscatório no início dos anos sessenta do século passado, a região transforma-se num território especializado em serviços, fortemente associados à produção e consumo da atividade turística.

O turismo tem vindo a representar, nos nossos dias, cerca de dois terços da riqueza produzida nesta região, posicionando o Algarve com uma significativa especialização nas atividades associadas às valências turística, residencial e de lazer.

Pode-se assim afirmar que o turismo tem sido, indiscutivelmente, a chave da expansão da economia desta região, muito embora este protagonismo devesse ser melhor acompanhado por outras atividades económicas potenciadoras de maior valor acrescentado e de garantia de um maior impacto do turismo na região.

Estudar a realidade turística do Algarve reveste-se, porém, de uma significativa complexidade, não só pela heterogeneidade das atividades que acolhe como pelas inter-relações que mantém com as envolventes económica, social e ambiental onde se desenvolve.

É, pois, necessária a inclusão das dimensões ambiental e social, a par da análise económica, no estudo do turismo, carecendo de qualquer sentido, por exemplo, a contraposição entre o ambiente e o desenvolvimento turístico. O ambiente deve ser um parceiro do desenvolvimento, do mesmo modo que o desenvolvimento deve adotar formas de relacionamento com os recursos naturais que cumpram alguns requisitos básicos.

O primeiro é que o processo orientado para satisfazer as necessidades da população que aqui reside e dos que visitam esta região se leve a cabo através de padrões de produção e consumo que conduzam a uma menor pressão possível sobre os recursos naturais.

Em segundo lugar, é necessário que este processo de desenvolvimento permita ao mesmo tempo uma elevada taxa de acumulação de poupança e investimento que o torne sustentável, quer do ponto de vista económico, quer igualmente do ponto de vista social e ambiental.

Em terceiro lugar, deve reconhecer-se que a atividade turística, embora possa ter alguns pontos em comum com outras atividades económicas, é, na sua essência, completamente distinta. A diferença fundamental tem que ver com o facto de o turismo estar associado a deslocação de pessoas, a experiências e ao intercâmbio de valores sociais e culturais e não à troca de bens materiais. Estas características têm estado, aliás, dramaticamente presentes na atual situação pandémica.

Neste sentido, os instrumentos de análise do turismo devem ter em consideração não só metodologias de cariz quantitativo mas também as de natureza qualitativa, bem como uma menor preocupação com conceitos de fluxo associados à medição das atividades económicas, característicos de regiões baseadas em setores industriais, e uma maior atenção com conceitos onde estejam em evidência a conservação dos recursos naturais, do património sociocultural, ou a melhoria dos conhecimentos técnico-científicos e da capacitação dos recursos humanos.

Em síntese, o estudo do turismo, como uma realidade sistémica e holística, implica uma complexa análise na fronteira de várias ciências sociais, como seja a economia, a sociologia, a psicologia, a ecologia e a geografia, entre outras.
Uma outra importante área de estudo associada ao desenvolvimento turístico nesta região e que importa destacar decorre dos grandes desafios globais relacionados com o desenvolvimento sustentável.

Trata-se de um conceito que desafia muitos dos nossos atuais modelos civilizacionais e que para além ser uma área de estudo analítico ancorada na ciência de sistemas complexos, que visa explicar e prever as interações complexas e não lineares de sistemas naturais e humanos, nos transporta também para um modelo normativo tridimensional, abrangendo o desenvolvimento económico, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental.

Do ponto de vista normativo, por exemplo, este conceito sublinha que não poderemos só ambicionar para o Algarve que esta comunidade seja economicamente próspera, mas também que seja uma comunidade socialmente inclusiva, ambientalmente sustentável e de sólidos mecanismos de governança.

Grande parte dos destinos turísticos têm vindo a incorporar este conceito de desenvolvimento sustentável que, na abordagem proposta pela Organização Mundial de Turismo, significa que um desenvolvimento turístico sustentável implicará uma melhoria da qualidade de vida das populações, da experiência dos turistas e de maiores níveis de rentabilidade económica, sem questionar a qualidade ambiental e o património cultural.

Em última análise, significará o reconhecimento da importância da participação de toda a comunidade numa dupla perspetiva de coesão social e de longo prazo. Assumir como desafio a garantia dos princípios da sustentabilidade turística para o Algarve significará ter presente a íntima relação entre a sustentabilidade e o desafio da competitividade, porque aquela sustenta a dimensão a longo prazo da competitividade das atividades turísticas.

Por outro lado, as crescentes preocupações sobre os efeitos das alterações climáticas e as relações estreitas entre o ambiente, o clima e o turismo, estiveram presentes na constituição de um Observatório para o Turismo Sustentável do Algarve em março de 2019, entre a Universidade do Algarve, a RTA, a CCDR e o Turismo de Portugal, e a sua adesão à rede internacional de Observatórios de turismo Sustentável da Organização Mundial do Turismo, em janeiro de 2020, encontrando-se já em execução um conjunto de tarefas relacionadas com a obtenção de informação pertinente, que inclui não só indicadores associados com aspetos como a sazonalidade, o emprego, os benefícios económicos para a região, ou a satisfação dos residentes e dos visitantes, a diversidade paisagística e os usos do solo, até à gestão energética e à gestão da água e dos resíduos sólidos.

A concretização de um desenvolvimento turístico sustentável nos nossos dias e para as próximas gerações é o grande desafio à nossa capacidade coletiva de moldarmos um consenso regional que harmonize as necessidades de desenvolvimento e o imperativo de minimizar os impactos negativos decorrentes da atividade turística.

Este grande desafio não poderá prescindir da construção de um modelo de avaliação que permita medir e monitorizar o desenvolvimento sustentável do turismo no Algarve, complementado com a criação de um sistema de apoio à decisão, fortemente participado pelos principais intervenientes do sistema turístico, como instrumento central de observação e monitorização contínua das dinâmicas da atividade turística na região.

 

Autor: João Albino Silva é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. Investigador e membro da coordenação científica do Centro de Investigação em Turismo, Sustentabilidade e Bem-Estar da Universidade do Algarve.

 

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