“Natal das Ruas” leva «amor» aos hospitais algarvios e aos profissionais da música

Nos hospitais de Faro e de Portimão

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

«O Natal é isto: é amor!». A premissa é de Miguel Baptista e não é dita apenas da boca para fora. Afinal, foi este cidadão de Quarteira que, em 2015, decidiu sair à rua no dia 24 de Dezembro, com um tacho cheio de batatas e bacalhau, para consoar com os sem-abrigo desta cidade, fazendo nascer o “Natal das Ruas”.

Em 2020, o evento chega aos hospitais da região, desta feita com uma dupla componente: animar os utentes e profissionais destas unidades de saúde e dar uma oportunidade de trabalho aos profissionais do mundo da música locais.

O primeiro concerto do “Natal das Ruas no Hospital” é já hoje, a partir das 15h00, no Hospital de Faro. No dia 23, quarta-feira, será a vez de outra unidade do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), a de Portimão, acolher a iniciativa.

Estes serão concertos em tudo normais e que necessitam da logística de qualquer outro, mas que terão uma diferença fundamental: não são espetáculos ao vivo, abertos a toda a gente.

 

Ana Castro – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Vai haver um palco físico onde vários músicos vão tocar, com todo o espetáculo de luzes e muitas surpresas.
Obviamente, o concerto irá cumprir todas as normas de segurança. Não se trata de um espetáculo com público. É, sobretudo, para quem está internado, que poderá ver da janela do seu quarto ou no seu telemóvel, porque será transmitido em streaming, em direto. Vamos todos poder acompanhar por essa via, seja onde for que estivermos. E haverá profissionais que poderão passar por lá», revelou Ana Castro, presidente do Conselho de Administração do CHUA.

A líder da equipa que administra os hospitais algarvios falou com os jornalistas à margem da sessão de apresentação do evento, que teve lugar na sede da Associação Recreativa e Cultural de Músicos (ARCM), em Faro, entidade que organiza o evento, com o apoio da Câmara de Faro e do CHUA.

A inspiração para os espetáculos de hoje e de quarta-feira é o “Natal das Ruas” de Miguel Baptista, que foi quem lançou o desafio para estes concertos. A adaptação e recriação para a realidade dos hospitais está a cargo do músico e produtor Mauro Amaral.

«Esta iniciativa une duas realidades, que foram muito influenciadas pela pandemia: a dos profissionais de saúde, que continuaram sempre a trabalhar de forma abnegada, desde o início do ano, alguns deles abdicando de férias de forma voluntária, bem como a das pessoas que estão internadas. Quisemos dar-lhes este mimo», enquadrou Ana Castro.

«Por outro lado, há aqui a questão dos profissionais do mundo da música, dos espetáculos e da parte técnica, que têm estado todo este tempo sem trabalhar», acrescentou.

 

Miguel Baptista – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Esta vertente de apoio aos profissionais do mundo da música, não apenas os artistas, mas todos os técnicos que estão envolvidos, será aquela que mais distingue o “Natal das Ruas no Hospital” do evento que Miguel Baptista promove anualmente, em Quarteira.

E o que é o “Natal das Ruas” e como surgiu?

«Eu não sou do Algarve, mas estou cá há cerca de 25 anos. A minha família são os meus filhos. E o Natal torna-se aquela situação em que as famílias se isolam e, quando se isolam, é para estar em contacto consigo próprios. Mas acabam por se isolar de todas as pessoas. Acho que o Natal é um ajuntamento de isolamentos», disse.

Em 2015, numa altura em que estava separado, pensou: «Não me apetece ir para casa de ninguém. Então, fui falar com uns sem-abrigo que conheci em Quarteira e resolvi levar uns tachos com batatas e o bacalhau, que é o tradicional».

Pouco depois de «expor o sentimento na Internet» de estar a consoar com os sem-abrigo, em Quarteira, recebeu uma resposta de alguém que não esperava.

«Fui surpreendido por uma série de pessoas que quiseram partilhar este momento comigo, mas nunca me vou esquecer do Lourenço Ribeiro, [diretor] do Epic Sana, que foi a primeira pessoa que me ligou, passados 20 minutos», contou.

«E eu dizia: “Mas tem a certeza? Olhe que eu vou fazer isto aqui na paragem de autocarros, num banco de jardim. Isto vai estar um frio do caraças e isto vai ser uma coisa muito pessoal, mas se quiser vir…”», acrescentou, a rir, Miguel Baptista.

A resposta foi afirmativa: «“Quero e vou com os meus filhos”. Fiquei ainda mais surpreendido», confessou.

 

Mauro Amaral e Miguel Baptista – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

O diretor hoteleiro é uma das muitas pessoas que, desde a primeira edição do “Natal das Ruas”, participa no evento ou ajuda à sua realização.

E de uma primeira reunião espontânea, com poucas pessoas, nasceu um movimento que foi crescendo, de modo a que são agora mais de cem as refeições servidas em cada consoada.

E tudo isto sem dinheiro.

«Houve pessoas, até mesmo do Norte, que me contactaram a dizer que queriam mandar dinheiro, mas eu recusei. Então as pessoas mandaram encomendas para baixo com diversas coisas. E é este um pouco o espírito que eu quero que se mantenha. Afinal o dinheiro não é tudo na vida. E o ser humano quando quer fazer coisas, elas acontecem», disse.

«O objetivo disto é que exista apenas o espírito humano e que as pessoas se foquem muito mais na parte de humanidade. Quem já lá esteve, percebe o quão incrível aquilo é: que é qualquer coisa, de facto, fantástica. Não nos falta absolutamente nada, desde um chão alcatifado, aquecedores, ecrãs gigantes, músicos e comida», bem como presentes, como não pode faltar na noite de Natal.

Mauro Amaral, que ajudou a ideia de Miguel Baptista a chegar à Câmara de Faro, de modo a obter os apoios necessários à realização da iniciativa no hospital, e que tomou em mãos a tarefa de a produzir, foi um dos músicos que esteve no evento, no ano passado, e não esconde que ficou «de coração cheio» e verdadeiramente impressionado com o que viu.

«Tenho falado com o Miguel ao longo deste ano e também toquei no espaço dele, onde ele está a montar o seu próprio projeto. Ele surgiu com a ideia, também depois de ver o que fizemos aqui no Verão, com a Feira Kriativa», disse o músico farense.

«Como temos uma colaboração muito estreita com o município, nomeadamente com o vice-presidente Paulo Santos, falámos logo com eles, porque isto faz sentido para todos», acrescentou.

E se, no passado, os músicos fizeram parte da festa como voluntários, este ano, em que a pandemia afetou de forma profunda o setor cultural, são um dos destinatários da iniciativa.

 

João Melro – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Ainda assim, tudo foi pensado de forma a não passar «uma imagem de miserabilismo, de precisarmos de uma ajudinha. Nós queremos fazer coisas, ter a oportunidade de trabalhar. A solidariedade é interna, é para nós, e tivemos a sorte de conseguir também que o nosso objeto de trabalho sejam as pessoas e as emoções», disse Mauro Amaral.

Já João Melro, presidente da ARCM, lembra que arranjar formas de permitir aos músicos e técnicos que trabalhassem foi uma das prioridades da associação, após a ordem para desconfinar.

«Nós percebemos desde logo que a ARCM, enquanto associação, não estava em risco de sobrevivência por causa da pandemia. Por isso, pensámos no que podíamos fazer para ajudar. Procurámos beneficiar os músicos que temos aqui nas salas de ensaio, perdoando algumas rendas», disse.

«A partir do momento em que deu para abrir, temos tido a preocupação de fazer uma programação, de modo a tentar manter os músicos a trabalhar», contou João Melro.

Rogério Bacalhau, presidente da Câmara de Faro, uma das entidades que financiará a iniciativa, realça que não serão pagos «cachets por aí além», mas salientou que esta é «uma oportunidade que estes profissionais têm de trabalhar, num ano em que ficaram sem rendimento».

«À semelhança do que já fizemos com o Teatro, esta é uma iniciativa que vem aqui ajudar. É uma ajuda singela, mas que, para as pessoas, faz alguma diferença», disse o edil farense.

 

Rogério Bacalhau – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

A ideia do “Natal das Ruas” também entusiasmou Ana Castro, que abriu as portas das unidades do CHUA.

«Agradecemos este gesto, que para os doentes e profissionais vai ser um gesto de carinho e reconhecimento e que para nós é muito importante», afirmou.

A gratidão é extensível às duas Câmaras envolvidas, a de Portimão e a de Faro, «que ajudaram a montar este projeto em cada um dos hospitais».

Por fim, a presidente do CA do CHUA agradece «à equipa toda do evento pelo que têm feito, que tem sido incrível, bem como à nossa equipa de comunicação, que tem andado a ajudá-los a montar isto num tempo recorde».

«Do que estamos a falar aqui é de uma colaboração entre diversas instituições que nem sempre é fácil. É preciso estarmos todos alinhados para conseguirmos montar uma coisa destas em tempo recorde. Tenho a certeza que irá correr bem e que deixaremos uma marca nas pessoas que estão ali, debilitadas, no hospital e nos que lá trabalham que, neste momento, podiam estar de férias ou com a família», rematou Rogério Bacalhau.

O “Natal das Ruas” conta com a assessoria e apoio técnicos das empresas Mentecapta e Dirtysock.

A Associação Recreativa e Cultural de Músicos criou também o Fundo Solidário ARCM, para o qual é possível contribuir através dos seguintes meios: MBWAY 968506072 ou Nib 0036 0221 99100007204 31. Os donativos angariados revertem a favor dos músicos algarvios.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

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