A região-cidade do Algarve, uma estrutura de missão para a década

A região-cidade é uma forma mais inovadora de olhar para a geoeconomia do território

Volto ao tema da região-cidade do Algarve e à sua implementação no terreno, não apenas na sequência da publicação da lei-quadro nº50/2018 de 16 de agosto relativa à transferência de competências para as autarquias e entidades intermunicipais (artigo 30º) e do D.L nº102/2018 de 29 de novembro sobre as competências especificas no domínio dos projetos financiados por fundos europeus e programas de captação de investimento, mas, sobretudo, devido a três razões de força maior.

Em primeiro lugar, uma grave crise económica e social na sequência da pandemia e, como bem se comprova, a urgência em diversificar a base económica regional.

Em segundo lugar, a extrema necessidade em programar com eficácia e gerir com eficiência os fundos europeus para a próxima década.

Em terceiro lugar, a circunstância singular de termos no Algarve uma coincidência plena entre Nuts III, Nuts II, Distrito, Região, Associação de Municípios constitui uma excelente oportunidade para formar uma estrutura de missão, um ator-rede, uma administração dedicada para a próxima década.

Por estas razões, estou convencido de que a “região-cidade do Algarve” é uma promessa conceptual e prática cheia de futuro e que a parceria formada pela AMAL/CCDR/UALG/NERA é a estrutura de missão mais indicada para administrar o próximo ciclo de grandes transições – climática, energética, sociodemográfica, económica, digital – até 2030.

A projeção do próximo futuro

Na sequência dos efeitos devastadores da pandemia da covid 19, a região está prisioneira do seu principal setor de atividade e, ao mesmo tempo, de uma oferta deficiente de serviços públicos, com os serviços de saúde à cabeça. Agora que se discute a descentralização e a transferência de competências para vários níveis de administração (regional, intermunicipal e municipal) importará saber em que níveis de governo e administração vamos colocar a provisão de serviços comuns fundamentais, por exemplo:

– Os transportes públicos e a sua interoperabilidade à luz da mobilidade suave,
– O combate contra as alterações climáticas e a redução das nossas várias pegadas,
– O abastecimento local de alimentos, a agricultura comunitária e o institutional foods,
– A oferta de assistência médica, cuidados ambulatórios e serviços de apoio domiciliário,
– A oferta de serviços agroambientais e biofísicos e serviços culturais de lazer e recreio,
– A oferta de serviços de segurança pública e proteção aos grupos mais vulneráveis,
– A oferta de serviços públicos administrativos, de serviços postais e bancários,
– A oferta de serviços de ensino e formação profissional para a transição digital,
– A oferta de incentivos para novas cadeias de valor de base regional.

As comunidades intermunicipais (CIM), já constituídas e em funcionamento, julgo que merecem uma oportunidade de se instituírem como territórios de referência, mesmo que, em alguns casos, tenhamos dúvidas acerca da sua maior ou menor pertinência.

Quando refiro as comunidades intermunicipais estou a pensar, em especial, na arte da composição dos territórios em rede e, nesta composição, o papel da quadratura virtuosa – CIM, CCDR, UALG, NERA – numa estrutura de missão para administrar o próximo programa operacional regional até 2030.

Vivemos na sociedade do conhecimento. Os nossos problemas são, em boa medida, devidos aos défices de conhecimento. Vejamos o que se passa à nossa volta.

Nos últimos anos foram criadas em muitas regiões do país, com o apoio de fundos europeus e nacionais , o que poderíamos denominar como o “embrião de comunidades inteligentes”: parques de ciência e tecnologia, centros de investigação e desenvolvimento, polos tecnológicos, centros de negócios, ninhos de empresas, incubadoras e aceleradoras de startup, espaços de coworking, uma rede de smart cities, uma rede de living labs, uma rede nacional de associações de desenvolvimento local, uma rede rural nacional, sociedades de capital venture, uma rede Start up Portugal, uma associação de business angels, hubs tecnológicos e criativos, para além de muitas associações empresariais de geometria muito variável.

Pensemos, por um momento, nos imensos efeitos difusos e dispersivos, de duvidosa sustentabilidade, com origem em todas estas presumidas comunidades inteligentes, pensemos no seu débil impacto aglomerativo e coesivo sobre os territórios de baixa densidade e ficamos, de imediato, com um amargo de boca no que diz respeito à sua eficácia, eficiência e efetividade. Com algumas exceções, como é evidente.

E porque é que isto acontece? Por faltar, justamente, um ator-rede ou uma curadoria territorial que cuide de saber e praticar que o todo é maior que a soma das suas parcelas. Não há coesão territorial e smartificação das CIM que resistam a estes efeitos difusos e dispersivos.

Muitos dos efeitos externos das entidades referidas não são monitorizados e, mais tarde ou mais cedo, acabam por perder-se na secura e na fragilidade dos frágeis tecidos empresariais municipais e intermunicipais.

A metodologia da região-cidade

A região-cidade é um novo instrumento de programação e planeamento e uma forma mais inovadora de olhar para a geoeconomia do território. No século XXI, depois da infraestruturação material dos seus concelhos, cabe agora aos municípios acomodar as expectativas e as aspirações dos seus munícipes, desde os bens imateriais até aos bens de relação.

A cooperação entre vilas e cidades é um recurso perfeitamente acessível e um instrumento valioso para introduzir um novo padrão de relações cidade-campo, se quisermos, uma nova arquitetura para a visitação e o turismo em espaço rural, mas, também, uma via de acesso privilegiada para a nova arquitetura da sociedade sénior.

Além disso, a ecologia e a economia, a arte e a cultura, abrem a porta a inúmeros fatores imateriais e intangíveis que contribuem fortemente para recriar as cadeias de valor hoje existentes. É uma grande oportunidade para as regiões mais pobres em recursos materiais. Vejamos, então, a metodologia prática da região-cidade (R-C):

1) Os parceiros escolhem a estrutura de missão da R-C: compete a esta estrutura de missão promover a região-cidade e redigir a convenção fundadora que institui a R-C e define as suas missões fundamentais; ao Conselho Geral da região-cidade compete a aprovação da convenção regional;

2) As linhas gerais do plano verde (transição ecológica) da R-C: a estrutura de missão elabora as linhas gerais do plano verde da região-cidade, que o Conselho Geral da R-C aprovará, desta vez no contexto particular do programa de recuperação e do pacto ecológico europeus;

3) A infraestrutura tecnológica e digital (transição digital) da R-C: no quadro da agenda digital europeia e nacional, a estrutura de missão elabora as condições gerais que servirão de orientação à cobertura digital da R-C e, em especial, a smartificação do território da região-cidade, que o Conselho Geral da R-C aprovará,

4) A matriz ecológica e energética (transição energética) da R-C: no quadro do plano verde, a estrutura de missão estabelece as linhas gerais em matéria de matriz energética, rede de abastecimento de água e provisão de serviços de ecossistema, que o Conselho Geral da R-C aprovará,

5) A lista dos bens e serviços comuns da R-C: a estrutura de missão propõe uma lista dos bens e serviços comuns, fixos e ambulatórios, e as condições gerais da sua provisão pela região-cidade, que o Conselho Geral da R-C aprovará,

6) Os sinais distintivos territoriais (bens identitários e simbólicos) da R-C: a estrutura de missão propõe uma lista dos sinais distintivos territoriais, a carta do seu património natural e cultural, cuja estrutura narrativa passará a constituir o principal elemento de visitação da nova região-cidade, que o Conselho Geral aprovará,

7) A reconfiguração do sistema produtivo local (SPL): a estrutura de missão propõe uma base produtiva mais bem articulada entre a infraestrutura ecológica, o sistema alimentar local (banco de solos local), o sistema agroflorestal local, o subsistema patrimonial e a provisão de serviços de ecossistema, como elementos principais de mobilização para o programa de desenvolvimento da região-cidade que o Conselho Geral aprovará,

8) O desenho da economia circular da região-cidade: a estrutura de missão propõe um novo desenho para o sistema de vasos comunicantes da região-cidade, o seu metabolismo e política 4R – redução, reciclagem, reparação e reutilização – tendo em vista reduzir todas as suas pegadas e aumentar a sua autonomia estratégica que o Conselho Geral aprovará;

9) A matriz das comunidades inteligentes e suas plataformas colaborativas: a estrutura de missão propõe o desenho da “região-cidade plataforma” e o nível de intensidade-rede que as diferentes comunidades inteligentes e respetivas plataformas colaborativas (de que destaco a plataformas dos jovens empresários como subsistema operativo fundamental da região-cidade) devem estabelecer e manter entre si, que o Conselho Geral aprovará,

10) A estratégia de comunicação e marketing da região-cidade: a estrutura de missão prepara a nova estrutura narrativa (a imagem de marca) da região-cidade, a sua iconografia e coreografia político-cultural e, bem assim, a sua política de relações exteriores e respetivos “embaixadores”, que o Conselho Geral aprovará.

Notas Finais

A região-cidade é um novo instrumento de programação e planeamento operacional e uma forma mais inovadora de olhar para a geoeconomia do território. A preparação do próximo programa regional da região para 2030 é um momento único e excecional.

Não podemos permitir que a região fique prisioneira de um só setor de atividade ou de uma próxima pandemia. A região tem, pelo menos, quatro clusters ou cadeias de valor que podem constituir uma promissora economia de aglomeração no futuro próximo: a economia do turismo, a economia agroindustrial e alimentar, a economia azul e a economia das indústrias culturais e criativas.

Não simplifiquemos, porém. Perante a gravidade das alterações climáticas, a escassez de recursos hídricos, o envelhecimento da população, as assimetrias regionais da cobertura digital e as contradições do “turismo total”, a região estará obrigada a ter tantas medidas de mitigação e remediação como medidas de recuperação e desenvolvimento territorial.

Mas não tenhamos ilusões. Se a revolução tecnológica abre um campo imenso de possibilidades e oportunidades é prudente que a região-cidade do Algarve promova duas outras “pequenas revoluções”: em primeiro lugar, ao lado de uma economia de bens e serviços globais é necessário recriar uma economia de recursos e produtos “relocalizada”, um verdadeiro sistema produtivo local com muitas relações interregionais; em segundo lugar, ao lado de uma economia do emprego estandardizado e em contração é necessário recriar uma economia do trabalho feita por medida, num universo laboral onde o fracionamento do mercado de trabalho, a pluriatividade e o plurirrendimento passem a ser uma norma social plenamente reconhecida.

Há muito trabalho a fazer nestas duas áreas, no ecossistema digital da região, na literacia do capital humano e social, e na transformação tecnológica e digital do universo empresarial da região. Uma estrutura de missão nesta altura pode cumprir bem esse papel de curadoria territorial.

 

 

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