A administração territorial dos fundos europeus para a próxima década

Só uma administração dedicada e dotada de autonomia e racionalidade sistémica territorial pode assegurar que as agendas transversais e instrumentais da transição ecológica e digital convergem positivamente

Agora que se discute, em várias instâncias, o envelope financeiro nacional e europeu para a próxima década, a minha proposta elege a administração territorial como um dos pilares fundamentais de uma boa política de recuperação, resiliência e coesão.

A minha proposta em 10 pontos, de modo esquemático, é a seguinte:

1) Criar o Ministério do Planeamento e Administração do Território, em substituição dos ministérios do planeamento e coesão, e uma estrutura independente de acompanhamento e monitorização,

2) Formalizar um “contrato de delegação de competências” da administração central e local para as capitais sub-regionais das CIM no âmbito da lei-quadro nº50/2018 e de acordo com as orientações vertidas para os “programas operacionais regionais”,

3) Formar um Conselho Executivo Regional presidido pelo presidente da CCDR e realizar reuniões mensais deste órgão,

4) Materializar uma nova arquitetura dos serviços regionais com base numa “plataforma analítica territorial” de base digital sediada na CCDR,

5) Formar um Conselho de Concertação Regional de cooperação entre CIM,

6) Criar em cada NUTS II uma “escola de artes e tecnologias” com a missão de apoiar a transformação digital da sociedade e promover a literacia digital dos cidadãos,

7) Nomear uma estrutura de missão ou administração dedicada em cada CIM,

8) Concretizar um Contrato de Desenvolvimento Territorial com cada CIM tendo em vista dar cumprimento à lei-quadro de transferência de competências,

9) Concretizar um programa de cooperação transfronteiriça para as euro-regiões e euro-cidades da fachada ibérica,

10) Concretizar um nível de “subvenções CIM” em cumprimento do DL nº 102/2018 de 29 de novembro e no quadro do respetivo programa operacional regional.

A unidade e consistência desta proposta em 10 pontos residem na racionalidade sistémica do próximo programa operacional regional. Lembro que ele deve garantir coerência, profundidade e densidade a quatro intervenções fundamentais para a próxima década, a saber:

– O PT 2020 que será executado até 2023,

– O Programa de Resiliência e Recuperação que será executado até 2026,

– O PT 2027 que será executado até 2030,

– Os Programas Europeus do tipo Horizonte 2030 aos quais podemos concorrer.

A estes fundos somam-se, evidentemente, as verbas nacionais inscritas nos orçamentos nacionais, assim como, todo o investimento privado.

Dada as diferentes agendas, calendários, elegibilidades, requisitos técnicos de candidatura de cada programa, podemos imaginar como a racionalidade e a governabilidade sistémica são fundamentais para assegurar coerência a todo o sistema de política e administração territorial. O nível NUTS II e o programa operacional regional são o lugar central de todo este exercício.

 

A lei-quadro nº50/2018 de 16 de agosto e o DL nº102/2018 de 29 de novembro

O país constituiu muito recentemente 23 comunidades intermunicipais (CIM), a maioria delas coincidente com as NUTS III (sub-regiões das NUTS II).

Trata-se de um nível de programação, planeamento e implementação de políticas muito relevante para reconsiderar todo o sistema de desenvolvimento integrado do interior.

Sabemos que o país tem praticamente em cada capital de distrito um instituto politécnico ou uma universidade, cujas áreas de influência e ação integram as CIM e que estas diversas instituições precisam urgentemente de refrescar e renovar a sua missão e de ganhar um suplemento de legitimação num tempo histórico de grande exigência para o país.

No mesmo âmbito territorial, o país tem associações empresariais, parques industriais e grupos empresariais que precisam urgentemente de fazer a sua prova de vida, de se recapitalizarem e demonstrarem que não são meros simulacros empresariais, mas verdadeiros projetos empresariais.

Ora, é na triangulação entre estas três entidades – as comunidades intermunicipais, os institutos politécnicos e universidades e as associações empresariais – que reside o segredo para o sucesso do próximo período de programação de fundos europeus 2020-2030.

O “programa operacional regional” deve ser a sede para a receção desses fundos, mas, também, estar na origem de um contrato de desenvolvimento para as CIM em cumprimento do que dispõe a lei-quadro nº50/2018 de 16 de agosto e o DL nº102/2018 de 29 de novembro, se quisermos, uma via verde para a cooperação, o agrupamento, a fusão e a extensão empresariais vocacionadas para o desenvolvimento empresarial do interior do país, no quadro do que eu aqui designei por “subvenções CIM”.

No mesmo contrato de desenvolvimento, ficariam os três promotores habilitados à apresentação de uma “proposta de reforma da administração pública intermunicipal” que considere não apenas uma nova “carta dos bens comuns intermunicipais”, mas, também, a possibilidade de formação de uma “autarquia de 2º grau” para levar a bom termo os projetos de desenvolvimento integrado.

 

Tirar partido da dupla transição, ecológica e digital

Finalmente, e no plano da transição ecológica e digital, a novidade seria a constituição de uma “plataforma analítica territorial NUTS II” que, em cada CCDR, coordenaria as plataformas colaborativas da região em diferentes áreas de atividade.

De facto, em plena sociedade digital, no tempo dos hubs tecnológicos, das start-ups, das apps e dos espaços de coworking, estamos obrigados a dar provas concretas desta nova inteligência coletiva territorial em comunidades intermunicipais de serviços comuns, por exemplo, na gestão de serviços de transporte, serviços de saúde, serviços de educação, serviços de emprego, formação e mercado social de emprego, economia circular e serviços ambientais, gestão de redes de energia, gestão de marcas coletivas, contratos de institutional food, redes de microcrédito regional e crowdfunding, gestão de espaços de cooperação transfronteiriça, sempre numa lógica de comunhão e partilha de interesses comuns com a sociedade civil.

As Euro-cidades, por exemplo, poderiam ser um excelente campo de ensaio para desenvolver estas iniciativas, mas, também, os parques naturais e outras unidades de paisagem.

A este propósito, recordo a proposta do governo para o programa de resiliência e recuperação e os três pilares em que se organiza: a resiliência, a transição climática e a transição digital. Cada um destes pilares subdivide-se em várias linhas de trabalho, programas e estes em muitas medidas de política.

Insisto mais uma vez. Dada a enorme diversidade destas linhas, programas e medidas de política e as várias velocidades de candidatura e implementação de cada uma, só uma administração dedicada e dotada de autonomia e racionalidade sistémica territorial pode assegurar que as agendas transversais e instrumentais da transição ecológica e digital convergem positivamente e garantem a resiliência do primeiro pilar onde estão em causa as várias vulnerabilidades sociais, o potencial produtivo das nossas empresas e a coesão dos territórios.

 

Nota Final

Em jeito de síntese, necessitamos de uma administração territorial com um mínimo de autonomia nos planos regional e sub-regional – NUTS II e CIM – e de um programa regional que possa contemplar algumas medidas que considero fundamentais como sejam:

1. Infraestruturas digitais de banda larga (4G+5G) para todo o território,

2. Literacia e capacitação digital, uma “escola regional de artes e tecnologias”,

3. Um programa de regeneração do capital natural da região,

4. Um programa de envelhecimento ativo e serviços ambulatórios,

5. Um programa para cidades inteligentes e criativas,

6. Um programa para a eficiência das redes (saúde, energia, água, mobilidade),

7. Um programa para modernização digital das fileiras económicas regionais,

8. Uma escola profissional para a formação de empresas e empresários,

9. A criação do polo regional de inovação digital,

10. Uma rede regional de ciência, tecnologia e inovação.

Agora que se prepara o Programa de Resiliência e Recuperação (PRR) e, logo de seguida, o próximo quadro de apoio comunitário para 2030, talvez seja esta a altura para inovarmos em matéria de administração territorial e regional, tal como sugerem a Lei-quadro nº50/2018 de 16 de agosto e o DL nº 102/2018 de 29 de novembro.

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