Quatro cenários para a economia algarvia

O principal fator de confiança na região reside na qualidade e diferenciação dos serviços prestados e no respeito pela etiqueta social

O ano que decorre daqui até à Páscoa de 2021 será decisivo para a gestão de expetativas, pois quase tudo, nesta matéria, gira à volta da gestão de expetativas, seja do lado de quem nos procura e visita, seja do lado de quem administra a oferta de serviços.

Uma expetativa positiva significa mais confiança e faz antecipar uma decisão, uma expetativa negativa retira-nos a confiança e faz adiar uma decisão.

E a gestão de expetativas vai variar ou depender de quatro ordens de razões. Em primeiro lugar, a expetativa em relação à data de imunização e/ou vacinação, ou seja, quanto mais próxima estiver essa data, maior a expetativa positiva.

Em segundo lugar, as regras de etiqueta e distanciamento social, ou seja, uma maior severidade nessas regras (hotéis, alojamento local, transporte aéreo, praias, eventos sociais) significa maior confiança e, portanto, em princípio uma expetativa mais positiva.

Em terceiro lugar, a retoma económica nos nossos parceiros estimula a procura externa, ou seja, estamos dependentes da maior ou menor velocidade da retoma nos países de origem dos fluxos turísticos tradicionais.

Em quarto lugar, a maior ou menor generosidade do plano de ajudas de emergência e recuperação gera um sentimento maior ou menor de confiança e, portanto, uma maior ou menor resiliência face à crise da Covid-19.

Esta gestão de expetativas e estas quatro ordens de razões podem, portanto, ser distribuídas no tempo. Assim, eu distinguiria três períodos de expetativa positiva decrescente, sendo que a Páscoa de 2021 funcionaria como uma linha vermelha, não obstante o otimismo da estação.

A primeira data-limite, a mais positiva, seria o final do 3º trimestre, ou seja, a crise estaria praticamente terminada em 30 de Setembro. Esta expetativa positiva faria com que os meses de Verão, o 3º trimestre, já fossem mais suaves, em particular para o turismo interno e o turismo transfronteiriço.

A segunda data-limite seria o final do ano de 2020, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2021, estaríamos a voltar à normalidade e a preparar a nova estação balnear. Teríamos perdido praticamente o ano de 2020.

A terceira data-limite seria a Páscoa de 2021, todavia, o anúncio da vacina para o primeiro ou segundo trimestre do ano criaria, apesar de tudo, um novo alento na população e nos agentes económicos.

O período pós-Páscoa, ou seja, um ano completo de prejuízos acumulados, será uma verdadeira tragédia em termos económicos e sociais.

Em todo este trajeto de seis, nove e doze meses, estamos a contar com uma gestão prudente, mas firme, da emergência sanitária e do confinamento social e, nessa medida, acreditamos que: irão surgir novos medicamentos antivirais ao longo do ano de 2020, iremos cumprir todas as regras de etiqueta social em vigor, iremos controlar e delimitar eficazmente os novos surtos da covid 19, estaremos muito atentos e punir os abusos de comportamento que ponham em risco a paz social.

 

Os 4 cenários de saída para a economia algarvia

A ciência económica considera, geralmente, quatro cenários para a saída de uma crise e todos eles assentes em critérios de gestão de expetativas.

Neste caso, a Covid-19 é verdadeiramente o vírus do medo e da desconfiança, pois o facto de os seus efeitos serem, muitas vezes, assintomáticos, tornam-no um vírus insidioso e traiçoeiro.

Em função do que dissemos anteriormente acerca da gestão de expetativas e dos três períodos de confiança, eis os 4 cenários em perspetiva, os primeiros mais otimistas, os segundos mais pessimistas.

– O cenário em V
Este é o cenário mais otimista e tudo aponta para que a gestão de expetativas e a confiança estejam em alta, de tal modo que o 3º trimestre já seria de recuperação económica efetiva.
Digamos que a chegada do Verão fez recuar abruptamente o coronavírus, os indicadores de emergência sanitária melhoraram significativamente, os medicamentos antivirais produziram efeito e as regras de comportamento social foram exemplarmente respeitadas.
Neste caso, ficamos, porém, todos à espera de que o último trimestre do ano não nos traga uma nova vaga e novas réplicas da Covid-19.

– O cenário em U
Este cenário é menos otimista do que o anterior, porque o tempo de recuperação é mais longo e dilatado no tempo (final do ano) e com mais informação e resultados contraditórios acerca do vírus, o que confunde os cidadãos e os fluxos turísticos.
Por exemplo, surgem pequenos surtos um pouco por todo o lado, há cidadãos já recuperados que voltam a infetar a população, as melhorias sanitárias continuam a suscitar algumas dúvidas.
Ao mesmo tempo, muitas empresas e pequenos serviços são obrigados a fechar, porque não aguentam a estagnação da procura até ao final do ano.

– O cenário em W
Enquanto nos dois primeiros cenários controlámos bem a emergência sanitária, neste terceiro cenário, voltamos a estar à mercê da Covid-19 e da emergência sanitária, ou seja, este é o cenário das sucessivas recaídas, dos comportamentos sociais abusivos e de novos surtos de infeção, não obstante os serviços de saúde reafirmarem constantemente o controlo da situação e a retoma da atividade económica ser um facto indesmentível.
Entretanto, a reincidência dos pequenos surtos faz com que a população passe a usar a máscara em permanência na sua vida quotidiana.
Estamos claramente num novo normal.

– O cenário em L
O cenário mais pessimista é o cenário mais dilatado no tempo, muito provavelmente para lá da Páscoa de 2021.
É um cenário que até pode apresentar uma melhoria real da situação sanitária, os antivirais e a vacina produziram efeitos muito positivos, mas esta melhoria coexiste com uma estagnação prolongada da atividade económica e um nível de desemprego muito elevado.
Os serviços públicos de saúde estão exaustos, as finanças públicas estão exauridas, os nossos parceiros comerciais estão em crise e as nossas exportações marcam passo, os efeitos da política europeia de recuperação ainda não se fazem sentir, a recuperação do turismo é muito lenta.

 

Notas Finais

Estão em curso três emergências – sanitária, social e económica – cada uma com o seu ritmo próprio de resolução, mais ou menos dilatado no tempo.

A convergência ou a sintonia destas emergências não é uma tarefa fácil paras autoridades que têm a seu cargo esta pesada responsabilidade pública.

No caso do Algarve, a forte dependência do turismo internacional recomenda que a prioridade seja atribuída à emergência sanitária e segurança pública, logo, ao reforço do investimento em serviços hospitalares e cuidados de saúde pública.

O principal fator de confiança na região reside na qualidade e diferenciação dos serviços prestados e no respeito pela etiqueta social e estas são as únicas razões seguras para encurtar os períodos de recuperação da atividade económica.

Porém, tenho muitas dúvidas de que, doravante, o modelo massificado e intensivo de turismo seja o mais recomendável na região, não apenas por causa dos efeitos recorrentes da pandemia, mas, também, por ser um modelo que abusa de recursos que serão sempre escassos.

Aproveitemos, então, a oportunidade, não apenas para sair da tripla emergência em que estamos mergulhados, mas, também, para refletir sobre o futuro da economia algarvia, mesmo que esta esteja, como sabemos, refém do setor do turismo.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 




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