Estes “Cavalos de Guerra” precisam de ser salvos

Estreia da curta é já este sábado, no Auditório Municipal de Olhão

É uma curta-metragem que quer «dar um murro na mesa» em prol de uma causa. A ação começa no longínquo século XII e passa pelos anos 30 do século passado, até chegar à atualidade. Ao longo dos 29 minutos, há mistério, ação, esperança e uma mensagem transversal: salvar os cavalos-marinhos da Ria Formosa (os que ainda restam…) é um imperativo. Que parece estar a ser ouvido. 

João Rodrigues, da Chimera Visuals, é o realizador de “Cavalos de Guerra”, o nome da curta-metragem que vai estrear este sábado, 23 de Novembro, às 16h30, no Auditório Municipal de Olhão. Biólogo marinho e fotógrafo subaquático, mergulhou nas águas da Ria Formosa para mostrar os cavalos-marinhos que (ainda) lá existem.

Outrora considerada a maior comunidade do mundo, esta espécie enfrenta sérios riscos de desaparecimento, em muito devido à captura ilegal para o mercado asiático e à pesca por arrasto.

«Há quem diga que são 150 mil… Eu continuo a dizer que a comunidade atual é de 100 mil. Há 15 anos, havia 2 milhões de cavalos-marinhos na ria. São números avassaladores», salienta o biólogo em entrevista ao Sul Informação. 

De Abril a Setembro, João Rodrigues, na companhia de outros mergulhadores, fotógrafos e cientistas, fez todo o trabalho relacionado com o documentário.

 

João Rodrigues

 

«Desde a captação de imagens aéreas, subaquáticas, gravação de áudio, narração. Fizemos tudo. Agora estamos só a dar uns retoques. Foi muito desafiante todo este processo. A minha ideia também sempre foi apanhar os meses em que há mais gente, durante o Verão, e aqueles em que há menos», revela.

Mas engana-se quem pensa que este é um filme que traça um cenário idílico sobre os cavalos-marinhos.

«No passado, como mostro no filme, era quase um ser mítico, muito admirado. Mas agora? Agora, não vale nada. Muitas pessoas nem sabem que há cavalos-marinhos na ria. Por isso mesmo, quero mostrar como a relação com os animais, a estima para com o cavalo-marinho, foi evoluindo», diz.

Assim, revela, «só lá para o fim» é que a curta assume uma mensagem «de esperança».

«Até lá, é sempre ação, sofrimento e até um certo misticismo. É um filme baseado numa história real que tem três histórias paralelas a acontecer ao mesmo tempo», conta o realizador.

O grande objetivo deste projeto, que contou com o apoio do Município de Olhão, é conseguir alertar todos os espectadores, independentemente da idade, para a necessidade de proteger os cavalos-marinhos da ria.

«Queremos chegar às pessoas dos 0 aos 100 anos, como se costuma dizer. Todos podemos fazer a mudança. Por exemplo, um avô pode alertar um neto e vice-versa», ilustra, sorridente.

Nos mergulhos que fez, João Rodrigues guarda na sua memória os «atentados» que viu debaixo de água. «Cheguei a deparar-me com sacos inteiros de lixo, baterias de lítio, tudo…», conta.

 

 

Há uma história, em particular, de que se recorda bem, pelo impacto que teve.

«Era uma noite em que tínhamos pernoitado no barco-casa. Por volta de umas 5 da manhã, estávamos a preparar tudo para sair e há um barco, com duas pessoas, que bate no nosso. Seguiram e, a cinco metros de nós, pararam e começaram a fazer arrasto de mão. Um ato profundamente ilegal feito ali, nas nossas barbas. É exemplificativo, mostrando como isto não é ficção. Acontece mesmo».

Por isso, João Rodrigues lembra que uma das maiores dificuldades que teve foi encontrar a matéria-prima da curta: os cavalos-marinhos. «Foi mesmo difícil e isso demonstra o estado de coisas», diz. As correntes, bem como a chuva e trovoada, foram outro desafio.

Ainda assim, João Rodrigues não tem dúvidas de que voltaria a fazer tudo de novo, até porque fala com «orgulho e esperança» das mudanças que já nota.

«Ao longo do documentário, o que me deu mais prazer foi ver que as coisas estão a começar a ser construídas. Já não é só conversa», considera.

O biólogo marinho refere-se à implementação no próximo ano, já confirmada, de duas zonas de proteção para os cavalos-marinhos na Ria Formosa: uma perto do Aeroporto de Faro, outra no lado nascente da ilha da Culatra.

«A criação desses santuários é crucial, porque também está previsto que tenham um sistema de videovigilância, além da sinalização. Este passo em frente aconteceu durante as filmagens do documentário e acredito que também demos um contributo para isso», considera João Rodrigues.

E que outras medidas seriam necessárias, além desta? Para o realizador, o «controlo do tráfego de barcos dentro da ria é essencial», assim como o «reforço do número de operacionais» da Autoridade Marítima. «Eu acompanhei-os e vi as suas dificuldades. Fazem o impossível numa área de jurisdição imensa», diz.

 

 

Depois da estreia, que já conta com casa cheia e que terá a presença do ministro do Mar, num «sinal de reconhecimento que muito me orgulha», estes “Cavalos de Guerra” vão andar por aí a espalhar a sua mensagem.

«Em Dezembro, vai sair o plano da digressão nacional, que incluirá passagens por auditórios, bibliotecas e universidades. Também já tivemos convites para levar a curta a Nova Iorque, Budapeste e Espanha», revela João Rodrigues.

Em paralelo, o objetivo é candidatar “Cavalos de Guerra” a festivais. «Queremos levar a mensagem a todo o lado», reforça o realizador.

E ainda vamos a tempo de salvar o “Rei Formoso da Ria”, como lhes chamou um dia João Rodrigues, num artigo que publicou na revista National Geographic?

«Não tenho qualquer dúvida que sim. As pessoas estão mais consciencializadas: eu noto isso. Falei com muitos pescadores que estão contra a captura ilegal e isso é um sinal claro. As pessoas estão mais alerta e estão a tornar-se os vigilantes dos cavalos-marinhos na ria», conclui.

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