Orientação Vocacional? É connosco!

Estamos a precisar de nos sentarmos à mesma mesa, alunos, pais, professores, especialistas em orientação vocacional, representantes das autarquias, das instituições educativas e formativas e do mundo empresarial

Desengane-se o leitor que iniciou a leitura deste texto esperando nele encontrar uma qualquer defesa corporativista do papel dos especialistas em Orientação Vocacional. A nossa intenção é outra: o que pretendemos é defender é a ideia de que a Orientação Vocacional é tão importante que não pode nem deve ser deixada apenas nas mãos dos especialistas.

Maio é, na escola, o mês em que se prepara o lançamento do próximo ano letivo. Terminadas as análises dos dados do desempenho escolar dos alunos (que resultados foram observados na nossa escola? o que correu bem e menos bem? como podemos melhorar os nossos resultados?), a partir da informação estatística disponibilizada pelo Ministério da Educação na plataforma infoescolas.mec.pt, por estes dias são tomadas importantes decisões sobre o que vai acontecer já a partir do próximo mês de setembro.

No que diz respeito ao ensino secundário, a decisão sobre a oferta formativa de cada escola no próximo ano letivo é, provavelmente, das decisões que mais impacto apresentará na vida dos estudantes e das suas famílias.

Cursos Científico-Humanísticos e Cursos Profissionais representam a maior parte das opções que um estudante encontra, à saída do 9ºano de escolaridade, nas nossas escolas secundárias.

A oferta formativa é negociada por cada escola com as estruturas centrais (por exemplo, Direção Geral de Estabelecimentos Escolares e Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional) e regionais (por exemplo, a Associação de Municípios do Algarve e a antiga Direção Regional de Educação do Algarve), a partir da identificação das áreas e saídas profissionais a priorizar e do conhecimento sobre os recursos humanos (leia-se, professores e formadores) que existem em cada escola.

Paradoxalmente, a única variável que fica sistematicamente esquecida nesta decisão diz respeito à caracterização dos projetos de futuro dos jovens que, estando agora a concluir o 9ºano, serão destinatários da oferta formativa a implementar no ensino secundário no próximo ano letivo.

Escolher o que vamos estudar no ensino secundário não é uma tarefa fácil, desde logo porque esta escolha é condicionada por dimensões que os próprios estudantes não controlam. Vamos a um exemplo: se numa determinada escola existirem 15 vagas no Curso Profissional de Desporto e forem registadas 40 matrículas neste mesmo curso, serão aplicados os critérios previstos na lei relativos às prioridades a atender na matrícula no ensino secundário para se poderem selecionar os 15, dos 40 estudantes, que vão efetivamente frequentar o curso em questão (cf. Despacho Normativo n.º 6/2018, de 12 de abril de 2018).

Num primeiro momento, estaremos, portanto, a falar de distribuição vocacional, e não, ainda, de orientação vocacional – isto é, trata-se de, administrativamente, fazer uso dos critérios previstos na lei para distribuir os alunos pelas vagas disponíveis nos diferentes cursos que funcionarão nas escolas secundárias a partir de setembro.

A orientação vocacional corresponde a um processo distinto. Quando falamos de orientação vocacional, falamos habitualmente de atividades executadas com a intenção de capacitar a pessoa a realizar melhores decisões relacionadas com o seu percurso escolar e com a sua carreira profissional.

Em contexto escolar, a orientação vocacional é identificada como uma das diversas áreas de intervenção dos psicólogos dos serviços de psicologia e orientação, sendo frequentemente associada a um modelo de intervenção que muitos continuam a designar test and tell: a partir do exame psicológico realizado com recurso a testes psicotécnicos, passando pela sessão de informação escolar e profissional, o objetivo será que o especialista em orientação vocacional produza um aconselhamento relativo à escolha vocacional, tendo em vista o ajustamento entre a pessoa e um determinado percurso escolar ou atividade profissional.

Este modelo de intervenção teve origem em Frank Parsons, um norte-americano progressista de Boston cuja obra póstuma, Choosing a Vocation, foi publicada em 1909. Parsons tinha percebido que a adaptação das pessoas às atividades profissionais era um requisito fundamental para uma sociedade mais justa.

Assumindo uma visão pragmática acerca da necessidade de se realizarem escolhas vocacionais sensatas, Parsons defendia que todas as pessoas, especialmente as mais jovens, deveriam ser ajudadas a preparar a inserção no mercado do trabalho.

O método que concebeu para a intervenção integrava processos de análise dos indivíduos e processos de exploração do mundo do trabalho e das profissões, bem como processos racionais de pensamento através dos quais se relacionava o conhecimento sobre as pessoas com o conhecimento sobre as profissões, tendo como finalidade favorecer o ajustamento perfeito entre ambos, isto é, the right man in the right place.

Acontece que o mundo é hoje muito diferente do mundo de Frank Parsons. Preparar os jovens para trajetórias num mundo do trabalho em constante transformação é um desafio com novos contornos. Já não se trata de produzir, de forma diretiva e num dado momento da vida, um aconselhamento pontual relativo à escolha de uma profissão ou carreira – ou melhor, a profissão, a carreira – com base no princípio do ajustamento.

Trata-se, sim, de preparar os jovens para o futuro e para a mudança, capacitando-os para enfrentarem de forma autónoma os desafios que a sociedade lhes coloca ou poderá vir a colocar no futuro; o lema passou a ser the uncertain man in the uncertain place.

Da orientação vocacional, pretende-se agora que capacite os jovens para a condução do seu próprio destino e que promova o desenvolvimento de competências essenciais associadas à gestão de carreira, isto é, aprender a decidir, a solucionar problemas, a antecipar situações, a prever cenários alternativos de evolução, a identificar barreiras, a mobilizar recursos e, finalmente, a fazer escolhas realistas.

A finalidade será facilitar, aos jovens, o acesso ao mercado de trabalho e melhorar as possibilidades de nele permanecerem e progredirem de forma a alcançarem a sua realização plena como indivíduos e cidadãos. Todos não somos muitos, para apoiar esta tarefa.

Em muitas das nossas escolas é possível, já hoje, observar projetos de intervenção vocacional que visam globalmente a promoção do desenvolvimento vocacional dos jovens, e não apenas o apoio pontual num qualquer momento de tomada de decisão imposto pela dinâmica de funcionamento do sistema educativo (como, por exemplo, na passagem do ensino básico para o ensino secundário).

A intenção é apoiar a escolha vocacional e é, simultaneamente, apoiar o compromisso do aluno com o percurso escolar escolhido, otimizando as situações de aprendizagem, bem como apoiar a transição para o mercado de trabalho após a conclusão do percurso escolar frequentado.

A título de ilustração, podemos citar dois projetos que foram recentemente desenvolvidos no Agrupamento de Escolas Poeta António Aleixo, em Portimão:

Dia de Aulas ao Ar Livre, 2018, projeto de intervenção vocacional destinado aos alunos do 10ºano do Ensino Profissional;

Are you ready to work with us?, 2017, projeto de intervenção vocacional destinado aos alunos finalistas do Curso Profissional de Turismo.

Neste outro modelo de intervenção vocacional, o especialista em Orientação Vocacional é apenas um dos agentes intervenientes – porque outros agentes educativos são convocados: desde logo os próprios alunos, que assumem papel principal, e também os pais, os professores, representantes das autarquias, das instituições educativas e formativas e do mundo empresarial, a par de representantes de outras instituições da comunidade educativa alargada.

Já todos percebemos que a escola, em Portugal, está a mudar, em sintonia com um movimento mundial que visa a transformação dos sistemas educativos no sentido de os capacitar para a educação das crianças e jovens do século XXI.

Desde a assunção de que o propósito da escola é efetivamente permitir que todos, de forma equitativa, desenvolvam o seu potencial e implementem os seus próprios projetos de futuro, passando pela possibilidade de, em cada escola, ser flexibilizado o currículo no sentido de se garantirem aprendizagens significativas a todos, reconhecendo-se a importância da voz dos estudantes e o valor fundamental da colaboração entre diferentes agentes educativos, da escola e da comunidade, diversas são as transformações que podemos observar no momento presente. A orientação vocacional não pode deixar de ser considerada no âmbito destas transformações.

O que esperar, então, da orientação vocacional? Na perspetiva dos alunos, a orientação vocacional torna a aprendizagem instrumental (para quê aprender), relacionando o trabalho escolar com os projetos de futuro, com todas as vantagens que podem daí advir do ponto de vista motivacional. Alunos que querem aprender serão mais capazes de se fazerem ouvir, reivindicando à escola as respostas mais adequadas a cada um.

A orientação vocacional permite também apoiar as decisões que a escola deve tomar relativamente ao currículo (o quê ensinar) e aos métodos pedagógicos a privilegiar (como ensinar), contribuindo para a operacionalização da flexibilidade curricular implementada, já, em grande parte das nossas escolas.

Permite ainda a implementação, na prática, dos princípios associados à educação inclusiva, ao permitir conhecer todos, e cada um, do ponto de vista dos interesses, capacidades, aspirações e potencial de aprendizagem. Ou seja, a orientação vocacional pode ser um importante instrumento ao serviço da educação de qualidade para todos, tendo em conta o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória – referencial que tem motivado as transformações que têm vindo a ser introduzidas no sistema educativo português.

Os resultados escolares observados no Algarve, no que diz respeito ao ensino secundário, agora escolaridade obrigatória, não podem deixar de nos inquietar a todos. Na realidade, de acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério da Educação, menos de metade dos jovens que entram no ensino secundário no distrito de Faro concluem esta etapa no tempo que lhe está associado, ou seja, três anos.

Talvez seja este o mote: estamos a precisar de nos sentarmos à mesma mesa, alunos, pais, professores, especialistas em orientação vocacional, representantes das autarquias, das instituições educativas e formativas e do mundo empresarial, para conversarmos acerca do que todos podemos fazer para melhorar os resultados dos estudantes do ensino secundário no Algarve.

A orientação vocacional fará parte, com toda a probabilidade, da nossa agenda. É connosco, é com todos!

 

Autora: Isabel Quirino
Psicóloga
Especialista em Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento de Carreira

 

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