O que é um SMART RURAL, SMART HIESE?

Mais uma Crónica do Sudoeste Peninsular, que fala desta vez sobre a inovação em espaço rural

No passado dia 12 de Outubro, fui convidado para participar no congresso de encerramento do SMART RURAL, SMART HIESE (SRSH) na vila de Penela, onde proferi uma comunicação intitulada “Vêm aí as start up da 2ª ruralidade”.

O SRSH é uma incubadora de empresas e empreendimentos inovadores em meio rural, apoiada e patrocinada pelo Instituto Pedro Nunes (IPN), ele próprio uma incubadora de referência da Universidade de Coimbra de grande prestígio nacional e internacional.

Mais propriamente, o SRSH é um “habitat de inovação em espaço rural”, tem apenas 18 meses de existência, mas já tem 15 empresas (start up) em momentos diferentes de incubação e sedeadas nas suas instalações situadas na freguesia do Espinhal do município de Penela. As empresas em incubação situam-se nas áreas da agroindústria, da floresta, energias limpas, turismo e outras áreas afins.

Queria aproveitar esta circunstância para tecer algumas considerações a propósito deste tipo de infraestrutura ou equipamento e realçar os aspetos mais pertinentes, e porventura mais críticos, desta iniciativa a todos os títulos meritória e digna de registo.

Em primeiro lugar, o aspeto mais decisivo desta iniciativa é a sua retaguarda, isto é, o patrocínio pelo IPN da Universidade de Coimbra e o acolhimento entusiástico dispensado pelo Município de Penela, como, de resto, eu tive oportunidade de testemunhar pessoalmente.

A todo o momento, o IPN e a CMP asseguram ao HIESE os cuidados devidos a um acompanhamento de proximidade, o conhecimento e o pensamento crítico que são necessários, mas, também, as diligências que se justificam junto dos serviços regionais e dos centros de investigação das instituições de ensino superior. Nesta exata medida, o HIESE conseguiu garantir uma espécie de apólice de seguro para as suas atividades.

Em segundo lugar, devido à sua própria juventude, o HIESE precisa de consolidar não apenas a sua missão principal de incubação, mas, também, de procurar uma rede de relações extensa, na sua região, no país e no estrangeiro. O congresso do SRSH abordou, de resto, esta temática da rede de inovação rural que tem na região centro outras referências fundamentais como são o Município do Fundão e o LivingLab da Cova da Beira, o Município de Idanha e a sua incubadora de base rural, a associação das aldeias e casas de xisto e a rede de aldeias históricas, para citar apenas as mais conhecidas.

O Programa Eramus para Jovens Empreendedores e o Serviço Europeu de Voluntariado podem dar aqui, também, um excelente contributo. De resto, esta rede de relações é fundamental para empreender as chamadas “estratégias crowd”, de crowd sourcing, de crowd learning e de crowd funding.

Um terceiro aspeto diz respeito aos “laços fortes e fracos” que as empresas incubadas, uma vez independentes, irão manter com a “casa mãe”, mas, também, e sobretudo, aos laços e relações que os “empreendimentos abortados” irão manter com a casa mãe.

Estou aqui a invocar, de certo modo, um HIESE em modo “prestação de cuidados continuados”, que eu julgo indispensável para reciclar e recuperar um recurso escasso que é o capital social e a sua capacidade de empreender em meio rural. Neste caso, os empreendimentos e empreendedores bem-sucedidos poderiam ser uma espécie de mentores e cuidadores dos seus irmãos menos bem-sucedidos e, assim, abrir-lhes a porta para uma próxima oportunidade.

Um quarto aspeto diz respeito à autonomia e margem de liberdade da incubadora em meio rural, se quisermos, à sua sustentabilidade no médio e longo prazo, o que nos obriga a pensar na ordenação das suas prioridades, mas, também, no seu programa de ação.

O trabalho de uma incubadora como o HIESE, pela sua própria natureza, é muito exigente porque está permanentemente obrigado a reinventar-se e a recomeçar com novos nascituros. Digamos que o HIESE precisa de trabalhar não apenas em rede, mas, também, de “trabalhar com rede”.

A esta luz, considero que estas incubadoras em meio rural devem criar um porto folio de serviços nas áreas da inovação ambiental, social e cultural, que lhes assegurem uma estrutura financeira mais desafogada, isto é, que seja criada uma pequena economia de aglomeração, local e regional, que interaja a todo o momento com as empresas que estão a ser incubadas. Este é, também, um motivo adicional para a criação, tão cedo quanto possível, da rede regional de inovação em meio rural.

Um quinto aspeto diz respeito à cadeia de valor regional onde o HIESE se insere e aos “benefícios de contexto” que a política pública está em condições de proporcionar.

Neste momento, o HIESE tem dois planos de atuação: o plano empresarial das start up, em bom ritmo, que se move numa lógica maioritária de otimização de recursos a partir de uma base tecnológica, e o plano da inovação rural, no sentido da produção de novas utilities regionais e da criação de bens comuns colaborativos que acrescentem valor agregado à política regional e de coesão territorial. Neste segundo plano há ainda muito trabalho para desenvolver, mas é preciso não esquecer que o HIESE tem apenas 18 meses de existência.

Sublinho, no entanto, esta linha de atuação, pelos benefícios de contexto que cria aos empreendedores, mas, também, porque cria uma “zona de conforto” ao ir ao encontro das prioridades da política de coesão rural e territorial que os atores regionais administram e patrocinam. Neste plano, ainda, estou convencido de que há uma grande margem de progresso para o HIESE em áreas como o institutional food e os sistemas alimentares locais, os serviços ambulatórios de natureza pessoal, o envelhecimento ativo e os programas terapêuticos, os serviços pedagógicos de educação para a saúde, o ambiente e a cultura, a reabilitação do património natural e cultural, a produção de conteúdos e o marketing cultural, a animação sociocultural e turística e a produção de eventos.

Um sexto aspeto diz respeito ao uso das plataformas digitais para reinventar a economia local e regional no sentido da sua maior ou menor virtualização. Hoje em dia, a componente intangível e imaterial das cadeias de valor é cada vez maior e os nossos clientes/utentes estão apenas virtualmente presentes.

O HIESE e, mais especificamente, a rede de inovação rural da região centro, podem constituir-se no centro geofísico de uma série de comunidades online dispersas pelo mundo, que o nosso trabalho, se bem conduzido, pode converter em comunidades offline e, mesmo, nos nossos vizinhos de amanhã.

Neste sentido, é imperioso criar os territórios-desejados, pois ninguém se identifica com uma “nomenclatura de unidades territoriais estatísticas” (NUTS), uma comunidade intermunicipal (CIM) ou um grupo de ação local (GAL). Todos os territórios têm sinais distintivos que formam uma espécie de colar de pérolas em redor dos quais se pode construir uma narrativa simbólica, uma iconografia regional, capaz de mobilizar na boa direção a afeição dos nossos concidadãos. Qual é, neste momento, o território-desejado do HIESE?

 

Notas Finais

Infelizmente, no mundo urbano e cosmopolita que somos cada vez mais, o mundo rural é uma prioridade de 2ª ordem ou de 2ª linha.

A 2ª ruralidade, a ruralidade que está à nossa frente, será um espaço multidimensional – de produção, conservação, recreação, peregrinação – e um espaço de fluxos mais do que um espaço de stocks; digamos que, no próximo futuro, viveremos em topoligamia, isto é, estaremos casados com vários territórios e a mobilidade/velocidade será a chave de leitura do território. Num país tão pequeno como Portugal este atributo fundamental, a mobilidade, será absolutamente decisivo para o grafismo dos fluxos entre lugares de residência, de trabalho, de recreio, de desportos radicais, de peregrinação, de cuidados terapêuticos, etc. Neste grafismo de lugares ficará situado o mundo rural.

Em terceiro lugar, sendo o mundo essencialmente urbano e cosmopolita a sua configuração e expansão determinarão a sorte do mundo rural. Quatro modelos territoriais estão à nossa frente: a metropolização litoral, os arcos metropolitanos e a sua projeção interior, a regionalização do continente e a configuração das áreas de influência das suas capitais regionais, a sub-regionalização através das CIM e a sua organização interna, finalmente, a municipalização e a sua reconfiguração através do associativismo autárquico.

Estas quatro configurações territoriais produzirão diferentes pacotes de políticas públicas e, portanto, diferentes “universos rurais”. No final, teremos, porventura, um mix de soluções político-administrativas, muito ruído de fundo e muita cacofonia territorial.

Finalmente, a prioridade política para o próximo futuro, a saber, o lançamento, na região centro, de uma Via Verde que ligará o HIESE de Penela ao LivingLab do Fundão e à Incubadora Rural de Idanha-a-Nova que, assim, formarão o embrião da futura rede regional de inovação rural, em conjunto com as aldeias de xisto e as aldeias históricas, duas componentes essenciais da cadeia de valor regional e da sua peculiar iconografia.

Na antecâmara do próximo período de programação financeira plurianual, o tempo urge.

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

 

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