O Algarve precisa de quem viva por ele e não de quem viva dele!

Nuno Banza e João Ministro escrevem um artigo de opinião sobre os incêndios, com o coração nas mãos

Passámos anos a trabalhar na prevenção de fogos no Algarve! Ainda a década de 90, não tinha dobrado a metade e já nós percorríamos a serra a sensibilizar os agricultores para a importância de adotar práticas culturais mais seguras, evitar comportamentos de risco e promover atividades de limpeza de matos e de caminhos!

Fazíamo-lo sob a égide dos serviços florestais, primeiro de forma autónoma e mais tarde integrados na Direção Regional de Agricultura, dirigida então pelo atual secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, Miguel Freitas, com o apoio da Almargem e envolvendo dezenas de jovens voluntários, alguns do Algarve e outros vindos um pouco de todo o país!

Passávamos todo o Verão em intensa atividade, fosse a assegurar o funcionamento de torres de vigia, como o caso da torre da Mata da Conceição, fosse a fazer percursos pedestres, passando pelos pontos mais altos, ou sensibilizando os utilizadores dos parques de lazer para a necessidade de cuidados especiais no uso do fogo.

Durante anos a fio, em todos os Verões, levámos jovens para o mundo rural, incutimos-lhes o bichinho da prevenção de fogos e promovemos ativamente uma ideia de envolvimento nas preocupações do mundo rural. Com isto, dinamizámos, em diferentes anos, as Matas Nacionais e os Perímetros Florestais de Vila do Bispo, do Barão de S. João, da Parra, da Conceição de Tavira e das Terras da Ordem!

Sempre que, através dos rádios, éramos alertados para uma ocorrência que nos fosse próxima, acorríamos de imediato e não conseguimos já precisar a quantidade de vezes que jovens voluntários deram o primeiro alerta de ocorrências, que, felizmente, nunca ficaram na história por terem sido detetadas precocemente!

Os anos foram passando, os contextos foram mudando e os apoios a estas atividades também. As prioridades mudaram e desta experiência, como de outras igualmente bem sucedidas, não se fez escola! Só recorrendo ao testemunho do Eng. Canudo Sena – à data Delegado Regional Sul da CNEFF (Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais) – conseguimos comprovar o reconhecimento nacional feito a este trabalho, pois até esta estrutura já não existe!

Apesar de alguns protagonistas ainda continuarem ativamente a lutar pelo interior e a dinamizar atividades de criação de valor, muita coisa mudou e para pior no mundo rural!

Se nos idos anos 90, já era fundamental levar para o interior jovens voluntários que pudessem passar um Verão a contribuir ativamente para a defesa de um património comum, hoje nem isso conseguimos! A dicotomia de que enferma o Algarve, que opõe o luxo do litoral ao abandono do interior, necessita de um verdadeiro Plano Marshall!

Há uma comunidade económica que vive do Algarve! Aproveita a sazonalidade, dinamiza bares temporários, discotecas de praia, lojas, restaurantes e outras atividades bastante populares – para as quais até há já a designação de Pop Up – e que fornecem, a quem ruma a sul pelo período de férias, um conjunto de produtos e serviços de eleição!

A esta comunidade que vive do Algarve é preciso ensinar o conceito de coesão territorial! É que, para ter água de qualidade e em quantidade no litoral, é preciso contar com os serviços ambientais do interior rural!

Assim como os resíduos sólidos, produzidos no litoral, encontraram destino numa solução em aterros sanitários construídos no interior.

Os célebres produtos tradicionais como a amêndoa, o figo ou o medronho, não crescem nos areais das praias preferidas dos veraneantes. E poderíamos continuar por aqui a fora a citar exemplos.

Hoje, percorremos a área ardida no incêndio de Monchique. E fizemo-lo de coração apertado! Não por nós, mas por tudo o que desapareceu do valioso património natural e sobretudo pelo sofrimento que representa mais este revés para quem já era tão difícil resistir no mundo rural!

Precisamos mesmo de ter mais quem viva o Algarve, que aprenda o significado de coesão territorial e que ajude a pôr em prática o Plano Marshall que o Algarve precisa!

 

Autores: Nuno Banza e João Ministro

Nuno Banza é engenheiro de Ambiente e inspetor geral do IGAMAOT
João Ministro é engenheiro de Ambiente e fundador da empresa ProActivetur

 

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